O cinema na comunicação das ONGs

Por Juliana Toledo

Um dos maiores desafios das ONGs na estruturação de seus projetos e de sua rede de relacionamentos é encontrar a linguagem mais adequada e abrangente de comunicação de resultados, a fim de demonstrar que as metas sociais estão sendo atingidas. É uma forma de prestar contas aos seus apoiadores, patrocinadores, financiadores e colaboradores para a causa defendida.

Cada vez mais, os parceiros das ONGs demonstram sua clara intenção de contribuir de forma estratégica para os projetos e iniciativas. Hoje, os doadores são vistos como investidores sociais, que programam antecipadamente os apoios, doações e patrocínios a projetos, objetivando retorno claro do investimento efetuado, seja pela maior amplitude do impacto social ou ambiental do projeto, pelo aumento do número de beneficiários atingidos, pela possibilidade de replicação dos projetos apoiados ou pelo atingimento da autossustentabilidade financeira.

Além da divulgação da causa, a maior visibilidade dos projetos e a ampla divulgação dos resultados obtidos passam a ser cada vez mais estratégicas sob o ponto de vista do empreendedor social.

Reconhecendo a amplitude e as inúmeras possibilidades de comunicar no tempo e no espaço que o cinema propõe, as ONGs passaram a incorporar o cinema aos seus instrumentos de diálogo aberto e amplificado, seja com o público em geral, ao comunicar a causa e as iniciativas em torno dela, dando aos beneficiários de seus projetos a possibilidade de serem vistos e ouvidos, seja com seus apoiadores e investidores, ao evidenciar os resultados atingidos.

A presença clara do olhar do cineasta que propõe o engajamento do cinema e a afirmação do seu papel social, transformou a produção audiovisual em importante elemento para o fortalecimento de iniciativas sociais das organizações da sociedade civil.

Função social do cinema ou novas possibilidades para o cinema documental?

É notória a contribuição do cinema para o debate e para a conscientização sobre questões sociais e ambientais. “Uma Verdade Incoveniente” rendeu prémios a Al Gore, ganhou ampla audiência e não houve quem assistisse e não tivesse algo a dizer ou refletir sobre o tema.

“Doutores da Alegria” retratou uma causa importante e o empenho da sociedade civil como proposta de enfrentamento da questão. Se afastou do vídeo institucional em direção ao que poderíamos chamar de “Cinema Relacionado a Causas”.

São demonstrativos de que o cinema encontra sempre novas possibilidades no tecido social. Numa importante simbiose, retira do contexto seu alimento ideológico e criativo e apresenta a sua contrapartida como instrumento de diálogo para a sensibilização, mobilização social e fortalecimento de instituições e iniciativas. É desnecessário fazer qualquer análise critica se forem subentendidas a clareza de propósito e coerência de linguagem. Simples bom senso.

Parcerias entre Produtoras e Entidades do Terceiro Setor e as Leis de Incentivo

As entidades do Terceiro Setor de natureza cultural e educacional desempenham um importante papel de fortalecimento do setor audiovisual ao promover projetos de geração de conteúdo, capacitação e profissionalização de jovens e projetos de inclusão social e cultural e ao democratizar o acesso ao cinema, recuperar e restaurar obras, manter e promover o acesso a acervos importantes para a história do cinema brasileiro. Os projetos de itinerância permitem que o cinema chegue a lugares distantes, onde ainda não existem a estrutura de salas de cinema e a cultura da produção audiovisual.

As oficinas Querô, originadas de um filme que contou com a participação de jovens das comunidades menos favorecidas e caminhou para a profissionalização e inclusão profissional e econômica de jovens na produção audiovisual, são um exemplo da frutificação do olhar inclusivo e consciente da função social da atividade do setor audiovisual e do enorme potencial que os jovens brasileiros têm. Basta que tenham boas oportunidades de aprendizado e trabalho.

Essas e outras iniciativas demonstram as possibilidades de parceria entre as entidades do Terceiro Setor e as empresas do setor audiovisual, onde a interação gera conteúdo, produção, conhecimento, engajamento e renda.

A Lei Rouanet permite, dentre outros benefícios, que as entidades sem fins lucrativos de natureza cultural pleiteiem incentivos fiscais para a construção ou aquisição de bens incorporados ao ativo permanente da entidade, sendo que essa possibilidade é vedada a empresas lucrativas. Muitos centros culturais com salas de exposição de obras audiovisuais foram construídos com recursos derivados da renúncia fiscal.

As empresas doadoras ou patrocinadoras dos projetos podem contribuir para essas iniciativas e se beneficiar dos incentivos fiscais estabelecidos pela Lei Rouanet.

A esse respeito, cabe por fim ressaltar a restrição do artigo 27 da Lei Rouanet ao dispor que a doação ou patrocínio não poderá ser recebido por pessoa ou instituição vinculada ao doador ou patrocinador. É considerada como vinculada a “pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador seja titular, administrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação ou nos doze meses anteriores” e, ainda, “o cônjuge, os parentes até terceiro grau, inclusive os afins, e dependentes do doador ou patrocinador”. A vinculação é permitida apenas no caso em que a instituição tenha sido criada pelo doador ou patrocinador, desde que devidamente constituída e em regular funcionamento, nos termos da legislação em vigor.

 

Juliana Toledo é advogada do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados.

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