A natureza das águas
Quarto filme do capixaba Diego Zon, “Das Águas que Passam” estreou em fevereiro na competição de curtas do 66º Festival de Berlim. O curta acompanha uma família de pescadores na vila Regência, em Linhares, norte do Espírito Santo, onde o Rio Doce encontra o mar. Zon conta que o curta partiu do desejo de “fazer um filme da relação do homem com um lugar, uma interação homem-natureza”. “Minha intenção foi buscar por uma comunidade em que ainda se praticasse a pesca artesanal. A partir do sul do Espírito Santo, percorri quase todo o litoral. Em alguns lugares, havia esse tipo de pescador, mas lá senti que seria possível realizar o filme com a atmosfera imaginada. Essas camadas de fronteiras entre terra, rio e mar, foi a primeira boa impressão que tive”, conta o cineasta, que realizou o filme com R$ 50 mil de edital local.
O mar sempre encantou Zon, com o qual tem uma ligação afetiva desde a infância. “[Lá] senti uma grande conotação poética no encontro das águas do rio com o mar. Então, procurei me debruçar sobre o cotidiano de um pescador, um homem com uma relação integrada com essas águas. A olhos apressados, sua rotina poderia parecer repetitiva, com uma singularidade quase imperceptível, mas foi-me revelando contornos sensoriais distintos daqueles da percepção do senso comum”, discorre.
Em “Das Águas que Passam”, Zon opta por um registro documental observacional, à distância, criando as paisagens por suas imagens, as cores, texturas, relevos, onde rio, mar, céu e terra se encontram – um espaço em que o homem se integra à natureza, compondo a mise-en-scène. O ritmo parte do mar, construindo uma atmosfera imersiva. “Queria que a obra fosse quase não-verbal e que a narrativa apostasse no poder da imagem e da paisagem sonora. Um descortinar paciente, que ora revelasse uma contemplação e respeito do personagem com seu lugar, e, ora, momentos de agitação das águas e de mergulho no interior do personagem. Uma troca de ritmo, como as ondas, que podem mudar a intensidade da força repentinamente”, comenta Zon, que antes fez o documentário “O Maestro de Si” (2010) e as ficções “A Nona Vítima” (2011) e “Os Lados da Rua” (2012).
A escolha do local e do registro impuseram algumas questões para a produção. Buscando discrição na vila, que possui menos de mil habitantes, Zon compôs uma equipe pequena, com cinco pessoas, que filmou no local por sete dias, em março de 2015. As cenas em água foram realizadas na foz do rio, na arrebentação e em alto-mar, onde passaram dois dias e uma noite.
O filme estreou no Brasil no 20º Cine PE, em maio. No momento, Zon desenvolve o roteiro de seu primeiro longa-metragem, uma ficção.
Por Gabriel Carneiro