Festival curitibano inaugura sua quinta edição
Por Maria do Rosário Caetano, de Curitiba
A quinta edição do Olhar de Cinema (Festival Internacional de Curitiba) começou na noite de 8 de junho, com três salas do Espaço Itaú de Cinema, no Shopping Crystal, lotadas para assistir à comédia metalinguística “Operação Avalanche”, dirigida pelo canadense, formado pela Universidade de Nova York, Matt Johnson. A exibição do segundo longa do realizador começou em clima de alto astral. Afinal, o cineasta, que participou do Olhar de Cinema 2013 com seu primeiro longa (“The Dirties”, produzido por Kevin “O Balconista” Smith) desta vez não pôde estar na capital paranaense. Mas mandou “recado audiovisual” dos mais divertidos para a plateia. Contou que razões de trabalho o mantinham preso em sua Toronto natal, que adoraria estar em Curitiba e colocou pilha no público, convocando-o a divertir-se com sua sátira ambientada nos tempos da Guerra Fria.
“Operação Avalanche”, típica e descolada comédia, destas que fazem sucesso junto aos cinéfilos alimentados pelo Sundance Festival, é estrelado pelo próprio realizador, que escreveu o roteiro junto com Josh Boles (também ator). A trama se passa nos anos 1960, no auge da guerra espacial e política travada por dois poderosos países, os EUA, pátria do capitalismo, e a União Soviética, reduto do socialismo. Incomodados com o êxito espacial do Sputinik soviético, os norte-americanos incrementam seu programa espacial. O Projeto Apollo torna-se então a menina dos olhos da Nasa, a poderosa agência incumbida (pelos EUA) de conquistar a lua antes dos russos. Na trama maluquete do filme (que cita Stanley Kubrick, autor da poderosa sátira “Doutor Fantástico” e que assinaria o supercult “2011, Uma Odisséia no Espaço”), o comando da Nasa está preocupadíssimo, pois suspeita que há um espião soviético infiltrado em seus projetos. A solução implica no uso de equipe de filmagem à qual caberá o registro da jornada rumo à Lua (pela Operação Apollo). Esta equipe compõe-se com jovens integrantes da CIA, capazes de realizar as mais engenhosas filmagens. Ou seja, transformar espaços e materiais bizarros nos mais convincentes registros lunares. Estrutura ficcional, recheada com imagens documentais, comporá um todo divertido e sintético 94 minutos, mas a ótima ideia e o frescor do início não ganharão desenvolvimento à altura.
OLHARES CLÁSSICOS – O festival curitibano é um reduto do cinema independente internacional e brasileiro. Aqui são exibidos filmes de todos os continentes. As competições (são três) desprezam filmes de grandes orçamentos, elencos estelares e narrativas convencionais. Quanto mais inquieto, anticonvencional e diferente for o longa ou o curta, melhor. Principalmente na segunda competição de longas, a OUTROS OLHARES. Mas no saguão do Shopping Crystal, no amplo hall do Espaço Itaú de Cinema, muitos aguardam, ansiosos, o momento de assistir, na tela grande, aos oito filmes do segmento Olhares Clássicos, dedicado como o nome diz, a filmes que o tempo consagrou. O cineasta Fernando Severo (“O Estranho Mundo de Kozak” e “Corpos Celestes”, este em parceria com Marcos Jorge) não vê a hora de assistir ao armênio “A Cor da Romã”, um Serguei Paradjanov de 1969. “Nunca vi este filme em tela grande, só em DVD”, pondera. Luiz Zanin Oricchio, crítico do Estadão, aguarda o momento de assistir ao monumental (185 minutos) longa polonês “O Manuscrito de Saragoça”, de Wojciech Jerzy Has, produção de 1965, estrelada pelo astro Zbigniew Cybulski (Ucrânia -1927, Polônia, 1967). Belo como um deus, Cybulski, conhecido como “o James Dean polonês”, protagonizou “Cinzas e Diamantes”, de Wajda, mas morreu muito jovem (aos 39 anos). Zanin conhece o romance de Jan Potocki (1761-1815), no qual o filme se baseia, pois ele foi material de estudo em curso sobre as origens da Literatura Fantástica, que ele frequentou na USP. Complementam o prestigiado núcleo histórico do festival, o longa brasileiro “Compasso de Espera”, único filme do grande diretor teatral Antunes Filho (sobre amor interracial entre os personagens de Zózimo Bulbul e Renée de Vielmont, fotografado em belo preto-e-branco por Jorge Bodanzky), o indiano “Estrela Encoberta de Nuvens”, de Ritwik Ghatak (1960), o francês “Mouchette”, de Bresson (1967), o italiano “Amarcord”, de Fellini, os norte-americanos “Ninotchaka”, de Lubitsch (comédia de 1939, que tem Billy Wilder entre seus roteiristas e Greta Garbo como estrela máxima) e “Como Era Verde o meu Vale”, de Ford (1941). Sobre o filme indiano, há que se lembrar que ele volta a frequentar as telas de festivais graças ao importante projeto L’Immagine Ritrovata, desenvolvido pela Cinemateca de Bolonha (Itália).
L’ IMMAGINE RITROVATA – Da parceria do Olhar de Cinema com a cinemateca bolonhesa (parceira também do The Film Institute, presidido nos EUA por Martin Scorsese), chega a Curitiba outra preciosidade: o imenso ANNA (225 minutos, isto mesmo, 3h45′). O filme terá Sessão Especial. Trata-se de documentário realizado em 1972, em Roma. Um ator, Massimo Sarchielli, encontrou, na Piazza Navona, uma jovem de 16 anos, sem-teto, drogada e grávida de muitos meses. Resolveu instalá-la em seu apartamento. E mais: chamou o cineasta Alberto Griffi para que, juntos, realizassem um filme sobre a jovem. Para tanto, lançaram mão das primeiras câmaras de vídeo que chegavam ao mercado europeu. O filme causou sensação em 1975, quando estreou. Mas, inclusive por seu suporte, o vídeo, acabou esquecido. Até o recente restauro pela Cinemateca de Bologna. Exibido na Espanha, foi saudado como “obra-prima”. No catálogo do Olhar de Cinema, registra-se que a captação das imagens, em vídeo, pelos dois realizadores (também fotógrafos do documentário) se deu em poético preto-e-branco, que imprimiu às imagens características “translúcidas e fantasmagóricas”. ANNA registra sua protagonista atordoada no contato permanente com os dois cineastas, que a vêem com compaixão, mas – claro – também como fascinante assunto de seu projeto fílmico. Outro longa-metragem, a produção francesa “Entre Cercas”, do israelense Avi Mograbi, também fará jus a Sessão Especial. Neste caso, trata-se de realização contemporânea (2016), que utiliza técnicas do Teatro do Oprimido (formuladas pelo brasileiro Augusto Boal) para que refugiados africanos, presos no Deserto de Negev, questionem sua dura realidade. Afinal, eles pedem asilo a Israel, mas são encarados como estorvo.
40 ANOS SEM PERSON – O núcleo histórico do Olhar de Cinema inclui ainda mostra retrospectiva de Luiz Sérgio Person, morto em 1976, num acidente de carro. A cineasta Regina Jehá Person e suas filhas, a atriz Domingas Person e a diretora e apresentadora Marina Person, acompanharão a mostra em Curitiba. Serão exibidos todos os filmes do realizador: os curtas (Al Ladro e L’Ottimista Sorridente), que ele realizou no Centro Experimental de Cinematografia de Roma, onde estudou, e os longas “São Paulo S.A.”, sua obra-prima, o vigoroso “O Caso dos Irmãos Naves”, complementando-se com seus diálogos com o cinema de gênero – “O Acordo” (episódio do longa “Trilogia do Terror”), “Panca de Valente”, um western caipira, e “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor”, comédia erótica protagonizada por Paulo José.