Ensaio poético ambientado no deserto dos EUA vence o Olhar de Cinema
Por Maria do Rosário Caetano, de Curitiba
Um filme norte-americano, “El Mar la Mar”, ensaio poético dirigido por Joshua Bonetta e J.P. Sniadecki, sagrou-se o grande vencedor do Olhar de Cinema – VI Festival Internacional de Curitiba. Não houve sintonia entre os três júris da mostra principal. A Crítica atribuiu o Prêmio Abraccine à ficção turca “Grande Grande Mundo”, de Reha Erdem, e o júri popular preferiu o brasileiro “Fernando”. Este filme, marca a estreia de uma trinca de jovens realizadores, Igor Angelkorte, Julia Ariani e Paula Vilela. Seu personagem-protagonista, o ator e professor Fernando Bohrer, acredita apaixonadamente na arte como força de renovação da vida.
“El Mar la Mar” é um filme enigmático, que vai se revelando aos poucos. O “mar” evocado no título é composto pelas areias do Deserto de Sonora, túmulo de muitos mexicanos que tentam chegar, como clandestinos, ao mercado de trabalho norte-americano. Seus diretores, um estadunidense e um canadense, só trabalham com imagens da natureza (incluindo convulsiva tempestade), vestígios deixados pelos que morreram no caminho (fragmentos de ossos, óculos, bonés, pedaços de roupas) e vozes (testemunhos duros pronunciados por norte-americanos ou mexicanos se reduzem a palavras, já que nunca vemos a imagem de quem as profere).
O público, que lotou três salas do Espaço Itaú Crystal, para assistir à premiação e ao longa-metragem mineiro “Baronesa”, de Juliana Antunes, aplaudiu com imenso entusiasmo – além de “Fernando”, seu escolhido – o documentário indiano “Máquinas”, sobre trabalhadores (adolescentes, inclusive) de gigantesca tecelagem estabelecida na província de Gujarat. O diretor do filme, o jovem Rahul Jain, conquistou o festival desde que desembarcou em Curitiba. Ele contou, no debate de “Máquinas”, que o livro “Trabalhadores”, de Sebastião Salgado, foi uma de suas fontes de inspiração.
Os aplausos do público também foram calorosos para “Baronesa”, terrível (embora de final esperançoso) retrato de duas mulheres que vivem na violenta periferia de Belo Horizonte. O longa, convidado de honra do Olhar de Cinema, venceu a última Mostra de Cinema de Tiradentes e foi selecionado para o FID Marselha (Festival Internacional de Documentários), na França. E, como era de se esperar, houve aplausos calorosos também para o melhor curta paranaense, o ótimo, vibrante e plugado “Rua Muda”, de Eduardo Colgan.
Antônio Júnior e Aly Muritiba, dois dos diretores do Olhar de Cinema e comandantes da noite de premiação, prometeram “cerimônia sintética e divertida”. Mas – admitiram ambos – não eram dotados de dons humorísticos tão necessários nestas ocasiões. Foram salvos pelo espanhol Chema García Ibarra, diretor do curta-metragem vencedor, “O Disco Resplandece”. Como não pode vir ao Brasil, Chema gravou depoimento enviado por caminho digital, usando o mais castiço português. E com acento lusitano. Sobre seu rosto, ele imprimiu boca feminina que articulava, com ajuda do Google Translator, saboroso discurso de agradecimento. A plateia se deliciou e riu à farta. Aly Muritiba pegou carona no bom humor do espanhol e atribuiu, no calor da hora, a ele, o prêmio de “mais criativo e divertido discurso já proferido por um premiado do Olhar de Cinema”. A plateia concordou em uníssono.
E a trupe do festival curitibano, que só faz ganhar relevância, comemorou “a maior plateia de seus seis anos de história”. Nossas bilheterias – contaram Antônio e Muritiba – “registraram o maior número de ingressos vendidos desde a criação do festival”. E, para concluir, lembraram: “tivemos também ótimas plateias nas oficinas, masterclass, seminários e debates”.
Confira a relação completa dos vencedores:
“El Mar la Mar” (EUA) – Prêmio do júri oficial
“Grande Grande Mundo” (Turquia) – Prêmio da Crítica
“Fernando” (Brasil) – Prêmio do juri popular
“Máquinas” (Índia) – Prêmio de Contribuição Artística
“O Disco Resplandece” (Espanha/Turquia): melhor curta
“A Rua Muda”, melhor curta paranaense
OUTROS PRÊMIOS:
“Convicções” (Rússia) – Prêmio da Mostra Outros Olhares
“Parque Tonsler” (EUA) – Prêmio da Mostra Novos Olhares
“Meu Corpo é Político” – Prêmio Olhares Brasil (longa)
“Balança Brasil” – Prêmio Olhares Brasil (curta-metragem)
“300 Milhas”(Síria) – Prêmio Especial do Júri
MENÇÕES HONROSAS:
“Rey” (Chile)
“Navios de Terra” (Brasil)
“Fernando” (Brasil)
“People Power Bombshell: O Diário de Vietnan Rose” (Filipinas)