Festival In-Edit mostra o melhor do documentário musical brasileiro

Por Maria do Rosário Caetano

A 13ª edição do In-Edit Brasil, festival dedicado por inteiro ao documentário musical, começa nessa quarta-feira, 16 de junho, e prossegue até dia 27, online, com sessões pagas a preços módicos e, também, sessões gratuitas.

No segmento dedicado à produção musical brasileira, há filmes protagonizados por Alzira E. (“Aquilo que Eu Nunca Pedi”), integrante do clã Espíndola; pelo maestro e compositor paraibano José Siqueira, presença marcante nas trilhas sonoras de Vladimir Carvalho; Zeca Baleiro desvendando os sons do Maranhão; o “seco & molhado” João Ricardo, integrante do trio andrógino de “Sangue Latino”; Chico Mário, o compositor e violonista, irmão de Henfil e Betinho.

Há, também, documentários sobre o rapper Speedfreaks e a banda Made In Brazil, que se somam a registros fílmicos do hip hop nacional, com Marcelo D2, Mano Brown e Karol Conká. No competição de curtas-metragens, um filme chama atenção: “João Bosco e Aldir Blanc – Parceria é Isso Aí”, no qual os dois artistas relembram, para o cineasta Pedro Pontes, os tempos em que mantiveram intensa atividade criativa.

Para completar a safra brasileira, há filmes já conhecidos de outros festivais, mas que merecem ser vistos ou revistos. Caso do fascinante road movie “Dois Tempos”, de Paulo Francischelli, que coloca o violonista Yamandu Costa na estrada, saindo do Rio Grande do Sul e chegando a Corrientes, na Argentina, ao lado do guitarrista, mestre e hermano Lúcio Yanel. O professor e seu genial discípulo se divertem pelos caminhos, visitam fervorosos devotos de Gauchito Gil (Yamandu respeita o que vê, mas define-se como agnóstico), tocam seus instrumentos sedimentados em seus imensos talentos, se dão o privilégio de fruir o silêncio e o prazer do chimarrão. Um filme imperdível.

Há, também, sólidos retratos de Jair Rodrigues (empreendido por Rubens Rewald em “Deixa que Digam”), Luiz Melodia (“Todas Melodias”, de Marco Abujamra) e Paulo Cesar Pinheiro (“Letra e Alma”). Curioso notar que os dois primeiros foram atores em importantes filmes brasileiros. O compositor nascido no Estácio, atuou em “Casa de Areia”, de Andrucha Waddington, e em “Quase Dois Irmãos”, de Lúcia Murat. Fez até novela na Globo (“Bang Bang”).

Já o inquieto e saltitante Jair Rodrigues desempenhou papel de destaque em “Super Nada” (2013), comédia de Rubens Rewald, cineasta e professor na ECA-USP. Durante as filmagens e na fase de lançamento do longa ficcional, diretor e ator-cantor planejaram um longa documental. Um longa que narrasse a poderosa trajetória do eclético intérprete de “Disparada”, “Majestade o Sabiá” e “Orgulho de um Sambista” .

Com a morte de Jair, em 2014, o projeto foi adiado e reelaborado. Mas Rewald pôde contar com a cumplicidade de Claudine, viúva do artista, e de seus filhos, Luciana e Jairzinho. Contou, ainda, com rico acervo oriundo dos mais diversos arquivos. Muitos deles, registros de seus momentos felizes (em maioria) e difíceis (raros), pois Jair Rodrigues fazia questão de levar a vida na gargalhada. Nunca se colocava como vítima.

Paulo César Pinheiro, um de nossos maiores letristas – compôs com Baden Powell, Tom Jobim e outros de (quase) igual calibre – só precisa domar o próprio ego. Exagera, muitas vezes, no auto-elogio. Seu cancioneiro é tão rico, que fala por si mesmo. Dizer que, aos 14 anos, já conhecia todo o Guimarães Rosa é um pouco demais, não? Conhecemos estudiosos da obra do autor de “Grande Sertão: Veredas”, que, mesmo septuagenários, continuam mergulhados nos enigmas de sua complexa escrita.

“Chico Mário – A Melodia da Liberdade”, de Silvio Tendler, é um longa documental que biografa o caçula do trio Betinho-Henfil-Chico, brasileiros que se notabilizaram ou por talentos artísticos ou por militância em causas sociais.

Os três, mortos precocemente – em especial Henfil, aos 43, e Chico, aos 39 – por causa da hemofilia (contaminados pelo vírus da Aids em transfusões de sangue) já haviam dado origem ao documentário “Três Irmãos de Sangue” (2006), de Ângela Reiniger. Henrique Filho ganhou, ainda, um documentário solo (“Henfil”, 2017), dirigido por Angela Zoe. O mesmo aconteceu com Herbert José de Sousa, o mais velho dos três, biografado em “Betinho, a Esperança Equilibrista” (Victor Lopes, 2015). Faltava um filme solo para o violonista e compositor Chico Mário.

O início de “A Melodia da Liberdade” nos dá a impressão de que Silvio Tendler está realizando um filme no piloto automático. Mas, à medida em que a narrativa vai avançando, o documentário ganha força e nos envolve. A fotografia, calorosa e bem-cuidada, o bom material de arquivo, as intervenções gráficas, o empenho de concertistas (seja da Orquestra de Ouro Preto ou um Quinteto de Cordas) e os depoimentos de amigos do músico (como Tárik de Souza, biógrafo de Henfil, e o pianista Antônio Adolfo) tornam o filme digno e necessário. Quem se interessa por produção independente (na base da vaquinha, precursora do crowdfunding) vai encontrar material dos mais significativos em “A Melodia da Liberdade”.

“Alzira E. – Aquilo que Eu Nunca Perdi”, de Marina Thomé, é um belo e curioso filme, nascido da prolífica série “Rumos”, do Itaú Cultural. A diretora já começa nos surpreendendo ao escolher Alzira – e não Tetê Espíndola, a voz que estourava cristais – como foco de sua narrativa. Mãe de cinco filhos, baixinha e muito magra, a cantora e compositora de 63 anos, criada com sua numerosa família – um clã artístico, patrimônio do Pantanal – vai se revelando e provando, a cada novo momento, que merecia mesmo um filme para chamar de seu.

Alzira Espíndola, afinal, compôs, tocou ou cantou junto com os irmãos (no elepê “Tetê e os Lírios Selvagens”), teve em Itamar Assunção e Arrigo Barnabé parceiros, amigos e cúmplices, correu Brasis interioranos com Almir Sáter… e ainda arrumou tempo para cinco gestações. E para vivenciar, satisfeita, a maternidade e a natureza fluvial de sua região de origem. Para ela, o Rio Paraguai é tão familiar, que o reencontra como se nunca tivesse se ausentado de suas águas (ela radicou-se em São Paulo, onde consolidou sua carreira). Prestem atenção na feminista e erótica conversa entre Alzira e a poeta Alice Ruiz (esta, mais falante! Alzira, “escutante”!).

“Secos & Molhados”, de Otávio Juliano, busca um novo ângulo para contar a história do trio que sacudiu a música brasileira no início da década de 1970. Abre mão do depoimento da maior estrela do grupo, Ney Matogrosso, para concentrar-se no relato de João Ricardo, o fundador da trupe de nome inusitado, mas sonoro e aliciante.

“Swingueira”, de Bruno Xavier, Roger Pires, Yargo Gurjão e Felipe de Paula, chega do Ceará. Em foco, jovens da periferia de Fortaleza, que se reunem para a swingueira, uma competição de dançares grupais. Eles se inspiram no pagode baiano e, além de dançar, narram vivências pessoais.

“Ventos que Sopram do Maranhão”, de Neto Borges, tem Zeca Baleiro como guia. O compositor e cantor empreende, com o documentarista, viagem musical por seu estado de origem, registrando cantos e performances de grupos os mais diversos.

“Filme Hõkrepöj”, de Carlos Nascimbeni, se propõe a mergulhar na música contemporânea brasileira. Para tanto, conta com ajuda da compositora e entnomusicóloga Kilza Setti e com o Núcleo Hésperides Música das Américas.

Setti e o Hésperides levarão os espectadores a um encontro com a música dos povos Guarani e Timbira e com sons contemporâneos, tendo a colonização da América como pano de fundo.

Em sessão especial será exibido o longa-metragem (de 120 minutos!) “Você Não Sabe Quem Sou Eu”, de Alexandre Petullo, Rodrigo Cardoso e Rogério Corrêa, sobre Nasi, o controvertido vocalista da banda Ira!

O grande homenageado dessa edição do In-Edit é o cineasta estadunidense D.A. Pennebacker (1925-2019), um dos nomes da linha de frente do “Cinema Direto”, apaixonado por música e autor de grandes documentários protagonizados por cantores e compositores. Vários curtas se somarão aos longas “Dont Look Back” (1967), sobre a turnê inglesa de Bob Dylan, e “Monterey Pop” (1968), o vibrante registro de um dos mais importantes festivais da era hippie. Um bate-papo virtual contará com a cineasta Chris Hegedus, viúva e parceira artística de Pennebacker. Ela relembrará o trabalho que realizou ao lado do companheiro.

O Panorama Mundial do In-Edit reúne 22 títulos inéditos, sobre artistas de nosso tempo. Como o cantor chileno Jorge Farías (El Negro Farías), a banda dinamarquesa Lukas Graham, a pioneira do rock Suzi Quatro, o DJ Moby, a banda inglesa IDLES, os cantores Phil Lynott (da banda Thin Lizzy), Shannon Hoon (Blind Melon), Poly Styrene (vocalista da banda X-Ray Spex). E mais: um documentário sobre o líder da banda irlandesa The Pogues, dirigido por Julien Temple e produzido pelo astro Johnny Depp, e outro sobre a banda The Go-go’s, a primeira (e única, por enquanto) composta só por mulheres a chegar ao primeiro lugar na lista de álbuns mais vendidos da Billboard.

No campo reflexivo, haverá debates com realizadores de filmes das diversas mostras do festival e masterclass com o cineasta Marcelo Machado, um cultor do documentário musical (“Tropicália”, “Com a Palavra, Arnaldo Antunes”, “O Piano que Conversa”). Haverá, também, shows inéditos, em diálogo com os filmes da programação e participação de artistas como Alzira E., DJ Hum, a banda Made in Brazil e o grupo Gritando HC. Homenagem musical será feita ao maestro e compositor José Siqueira (1907-1985).

Nascido na Paraíba, filho de maestro de banda de coreto, Siqueira mudou-se, na juventude, para o Rio de Janeiro. Queria aperfeiçoar seus estudos, já que carregava firme decisão: dedicar sua vida à composição, regência e difusão da música erudita. Foi o que ele fez até sua morte, aos 77 anos. Comunista militante (no Partidão), ele compôs vasto repertório, inspirado, sempre, na cultura popular de seu Nordeste natal. Correu mundos, apresentando concertos (na França, Itália, EUA e União Soviética), criou a Orquestra Sinfônica Nacional e a Ordem dos Músicos do Brasil.

Os documentaristas Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques somaram forças para registrar a rica trajetória do maestro paraibano em “A Toada de José Siqueira”. Buscaram a ambiência que fertilizou o imaginário do menino nascido em Conceição, no Vale do Piancó, desdobraram-se em esforços para localizar filmes antigos, tanto no Brasil, quanto na França e Rússia. Conseguiram ricas imagens e puderam apresentar as principais composições siqueirianas. O filme, que dura 130 minutos, seria bem melhor se contasse com edição mais enxuta.

 

In-Edit Brasil – 13º Festival Internacional do Documentário Musical
Data: 16 a 27 de junho
Edição on-line, na plataforma do festival, in-edit-brasil.com
Parte da programação será disponibilizada também na plataforma do Sesc, sescsp.org.br/cinemaemcasa, com acesso gratuito, e a partir de 28 de junho (até 28 de setembro), na Spcine Play, spcineplay.com.br, também com acesso gratuito.
Preço do acesso digital para filmes da competições: R$3,00

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