Luiz Gustavo, o Beto Rockfeller da TV e do cinema, morre aos 87 anos
Por Maria do Rosário Caetano
O ator Luiz Gustavo, brasileiro de origem espanhola, nascido em Gotemburgo, na Suécia, morreu nesse domingo, 19 de setembro, em Itatiba, município próximo à capital paulista. Seu sobrinho, o ator Cássio Gabus Mendes, comunicou o falecimento do tio, vítima de câncer no intestino. O comediante tinha 87 anos.
Em mais de 60 anos de carreira no teatro, na televisão e no cinema, Luiz Gustavo tornou-se um astro nacional ao protagonizar a telenovela “Beto Rockfeller”, de Bráulio Pedroso, na TV Tupi. Naquele ano de 1968, o país, acostumado aos dramalhões descabelados de Glória Magadan, pôde deparar-se com trama moderna e realista. Ao lado de Bete Mendes, Débora Duarte, Ana Rosa e Plínio Marcos, o jovem Alberto viveria histórias de amor e malandragem. Ele se fazia passar por playboy do jet-set, mas era apenas um ambicioso vendedor de sapatos.
O sucesso de “Beto Rockfeller” foi tão avassalador, que a TV Tupi resolveu esticar a trama por todo ano de 1969. No total, Luiz Gustavo protagonizou 335 capítulos (de 4 de novembro de 1968 a 30 de novembro de 1969). Portanto, por 13 meses (hoje, uma telenovela dura, em média, seis meses) ele fingiu ser o que não era.
A repercussão da trama resultou, também, em um filme a cores (a novela foi feita em preto-e-branco), escrito por Bráulio Pedroso (1931-1990), em parceria com Olivier Perroy. E protagonizado, claro, pelo “playboy” Luiz Gustavo e pelo “mecânico” Vitório (Plínio Marcos). Mas com elenco feminino bem diferente. Na telenovela, Beto era um vendedor de loja situada na Rua Teodoro Sampaio, que se fazia passar por um primo em terceiro grau de Nelson Rockfeller, o magnata norte-americano. Ao namorar a ricaça Lu (Débora Duarte), ele conseguirá acesso ao grand monde. Deixará de amar Cida (Ana Rosa), sua namorada de tantos anos, de classe média baixa como ele? Continuará enganando os burgueses? Renata (Bete Mendes), uma granfina decadente, conhece o segredo do vendedor. Ela irá revelá-lo? Louco por carros e frequentador da Rua Augusta, o “point” paulistano dos anos 1960, ele conta com a colaboração do amigo Vitório, um mecânico que lhe empresta carrões, peça-chave na montagem de suas aventuras de suposto “playboy”.
Para o filme, Bráulio Pedroso e o cineasta Olivier Perroy bolaram trama diferente. Ao invés da metrópole paulistana, o cenário se transfere para o Guarujá e uma das ilhas próximas ao balneário. Num carrão, “emprestado” pelo amigo Vitório, Beto Rockfeller chega ao litoral. E, como audacioso penetra, entrará em festa de ricaços, em ilha exclusiva. E cairá na tentação do jogo de roleta. Perderá seis milhões (dos quais, claro, não dispõe). Tenta conquistar uma condessa. E vai atirando-se sobre mulheres, indiferente à idade, beleza (ou falta dela) e estado civil. O que interessa a ele é se dar bem. Conseguirá?
O filme, apesar do elenco (Cleyde Yaconis, Walmor Chagas, Lélia Abramo, Paulo Vilaça, Otelo Zeloni e Raul Cortez em papeis coadjuvantes) não fez um centésimo do sucesso da novela que modernizou a teledramaturgia brasileira. Mas, naquela altura (1970), Luiz Gustavo era “o cara”. Por isso, foi parar nas novelas e seriados da Rede Globo e criou, ao menos, mais dois personagens que sairiam da telinha para a telona: Mário Fofoca, o detetive atrapalhado do folhetim cômico “Elas por Elas”, e o Vavá, do “Sai de Baixo”, programa dominical criado por Miguel Fallabela.
“As Aventuras de Mário Fofoca”, dirigido por Adriano Stuart, chegou aos cinemas em 1983. Já Vavá reviveu as aprontações que circundavam o metido Caco Antibes (Fallabela) e a burra Magda (Marisa Orth), em 2019, em “Sai de Baixo, o Filme”, dirigido por Cris D’Amato. Este foi o décimo e último filme de Luiz Gustavo.
A carreira do ator nascido na Escandinávia começou no cinema, como coaddjuvante no filme “O Sobrado” (1953), de Walter George Durst e Cassiano Gabus Mendes, adaptação de parte do épico “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo. Coube a Luiz Gustavo interpretar o personagem Jango Veiga. Ali ele atuaria junto com Lima Duarte, que mais tarde o dirigiria em “Beto Rockfeller”, Barbara Fazio, Fernando Balleroni, Henrique Martins e Dionísio Azevedo.
Um dos diretores do filme, Cassiano Gabus Mendes (1929-1993), seria figura da linha de frente da TV brasileira, seja como criador de programas de variedades, seja como teledramaturgo. Por décadas, Cassiano, que casou-se com Elenita Sanchez, irmã de Luiz Gustavo, foi o midas das novelas bem-humoradas da Globo (“Locomotivas”, “Plumas & Paetês”, “Que Rei Sou Eu?”, “Ti-Ti-Ti”, “Brega & Chique” e “Elas por Elas”). Para o cunhado, o pai dos atores Tato e Cássio Gabus Mendes, filho do cineasta Octavio Gabus Mendes (1906-1946), criou o costureiro Ariclenes, que usava o nome-griffe Victor Valentino, o playboy Ricardo (de “O Anjo Mau”) e o detetive Mário Fofoca.
Depois de “O Sobrado”, Luiz Gustavo atuou num dos maiores – senão o maior – sucessos de Mazzaropi – “A Casinha Pequenina” (Glauko Miko Laurelli, 1963). O filme vendeu milhões de ingressos e em cidades do interior brasileiro, cinemas abarrotavam para ver o caipira em aventura ambientada no tempo do Brasil império e trama folhetinesca: um rico fazendeiro escravagista, ao ser chantageado por uma mulher, lança mão de plano diabólico. Para safar-se, ele enreda pobres camponeses em tramoia maligna. Um deles é, claro, o caipira Mazzaropi. Luiz Gustavo era um dos jovens bonitos que o cômico brasileiro costumava colocar em seus elencos. Além dele, despontavam mais dois futuros galãs – Tarcísio Meira e Edgard Franco.
O trabalho seguinte de Tatá (apelido do ator) se deu numa produção alemã, rodada no Brasil – “Mord in Rio” (“Noites Quentes de Copacabana”), direção de Horst Haechler. Aos intérpretes germânicos Erika Remberg e Helmut Langer, somaram-se, além de Tatá, Eva Wilma, Hélio Souto, Geórgia Gomide, Astrogildo Filho e Pedro Paulo Hatheyer. Sabe-se pouco sobre esta produção internacional. Mas, ao longo de 1964 e 1965, ela fez jus ao troféu “Dedo de Deus”, no Festival de Teresópolis, na serra fluminense, e prêmios de atuação para Eva Wilma e Hateyer.
A carreira de Luiz Gustavo patinava no cinema e ia crescendo na TV. Aí chegou, em 1968, “Beto Rockfeller” e tudo mudou. Veio a versão cinematográfica das aprontações do cara duro que se fazia passar por milionário e, dali em diante, com sua cara de malandro simpático e carismático, ele se tornaria um dos nomes mais requisitados e disputados do audiovisual brasileiro.
A televisão, claro, acabou ganhando a parada e Luiz Gustavo faria apenas seis filmes, ao longo de quatro décadas: “Sede de Amar – Capuzes Negros” (Carlos Reichenbach, 1977), “Amada Amante” (Cláudio Cunha, 1978), “As Aventuras de Mário Fofoca” (Adriano Stuart, 1983), “O Casamento de Romeu e Julieta” (Bruno Barreto, 2005), “Os Penetras” (Andrucha Waddington, 2012) e “Sai de Baixo, o Filme” (2016).
Três deles merecem destaque, pois repercutiram junto aos cinéfilos, caso de “Capuzes Negros”, de Reichenbach, e ao grande público, “O Casamento de Romeu e Julieta” e “Os Penetras”.
Até realizar, em 1983, o drama erótico-existencial “Extremos do Prazer”, o cineasta gaúcho-paulistano Carlão Reichenbach era pouco conhecido fora do circuito da Boca do Lixo. Sabia-se que era um respeitado diretor de fotografia e que realizava, dentro do esquema erótico, filmes provocadores, que vendiam milhares de ingressos. Mas não entravam em festivais.
“Extremos do Prazer” foi selecionado para Gramado e ganhou Prêmio Especial do Júri. Dali em diante, ele romperia barreiras e tornar-se-ia conhecido em todo país. Primeiro com “Filme Demência” (1985) e, principalmente, com “Anjos do Arrabalde” (1986), lançado, além de cinemas populares, em circuitos cult. Luiz Gustavo trabalhou com Carlão na fase pré-festivais.
O filme foi roteirizado com o título de “Capuzes Negros”, pois Reichenbach gostava de contrabandear temas políticos em seus filmes eróticos. Na trama, protagonizada por Sandra Brea e Luiz Gustavo, Tânia e Jairo são abordados por sequestradores que usam capuzes negros. Os dois são encarcerados em galpão-esconderijo, totalmente nus. O frio os aproximará e ele acabarão vivendo noite de amor intenso. Quando o filme ficou pronto, forças diversas desaconselharam o título original. Optou-se, então, por “Sede de Amar”.
“O Casamento de Romeu e Julieta” é uma comédia boleira escrita pelos dramaturgos Marcos Caruso, Jandira Martini e Mário Prata. Luiz Gustavo interpreta Alfredo Baragatti, empresário e integrante do conselho diretor do Palmeiras, o Verdão. Como ele, sua filha, Julieta (Luana Piovani) é palmeirense de carteirinha. O nome da moça referencia não a linda e sofrida personagem shakespeareana, mas sim a junção de nomes de dois craques (Julinho e Echavarrieta).
Um dia, Julieta conhece o Dr. Romeu (Marco Ricca), médico oftalmogista, viúvo e mais velho que ela. Ele é corinthiano apaixonado. Quando ela tem um problema no olho, vai consultar o especialista. Para conquistá-la, ele esconde sua condição de fiel torcedor. Mas ela vê um chaveiro que o denuncia. Os dois acabam se apaixonando. No quarto dela, por duas vezes, tentam chegar aos finalmente, mas o excesso de símbolos do Verdão acabam perturbando o desempenho de Romeu. Para complicar, o pai de Julieta convida o futuro genro para ir a Tóquio, ver o Verdão disputar, com o Manchester, o título mundial. O Palmeiras perde. Mais tarde, tudo se resolverá, nessa simpática comédia de Bruno Barreto. O filme vendeu quase um milhão de ingressos.
“Os Penetras” é outra comédia que bombou nas bilheterias (2,6 milhões de ingressos). Protagonizada pelos jovens Marcelo Adnet e Eduardo Sterblitch, o filme contou com veteranos na retaguarda. Entre eles, Luiz Gustavo (como Anchieta), Andrea Beltrão, Stepan Nercessian, Suzana Vieira, Kate Lyra e Luiz Carlos Miele. A resposta do público foi tão empolgante que veio a sequência. Mas “Os Penetras 2” (2016) não chegou a 400 mil espectadores. E não contou com Luiz Gustavo, que encerraria sua carreira cinematográfica com “Sai de Baixo, o Filme”. Que também não repetiria o sucesso da série global.