“Decisão de Partir”, o mais premiado filme de Park Chan-wook, comprova a força do novo cinema coreano

Por Maria do Rosário Caetano

“Decisão de Partir”, em cartaz nos cinemas brasileiros, coloca Park Chan-wook, aos 59 anos, na linha de frente do cinema coreano. Com este filme, ele ganhou a Palma de Ouro de melhor diretor, em Cannes, está na lista de finalistas ao Globo de Ouro de melhor longa estrangeiro (cerimônia nessa terça-feira, 10 de janeiro), é um dos 15 pré-finalistas ao Oscar (com chance de ficar entre os cinco na categoria internacional) e recordista de indicações ao Oscar asiático (dez contra oito do japonês “Drive my Car”). A cerimônia de premiação do Asian Awards acontece em Hong Kong, dia 12 de março.

O que aconteceu com o cinema de Park Chan-wook para colocá-lo, com imenso destaque, nas mais importantes e midiáticas premiações internacionais?

Decerto, depois de ver o sucesso planetário de seu colega Bong Joon-ho, que com “Parasita” quebrou a banca (primeiro filme em língua estrangeira, com história, atores e locações 100% coreanos a ganhar o Oscar principal), Chan-wook concluiu que poderia realizar um filme para todos os públicos. O adulto, em especial. Ou seja, sem a violência brutal de sua Trilogia da Vingança (“Mr. Vingança”, “Old Boy” e “Lady Vingança”) e sem as altas doses de sexo do refinado “A Criada” (este premiado com o Bafta, o Oscar britânico, de melhor longa estrangeiro, mas que não chegou a seduzir a Academia de Hollywood).

Pois, com uma quinzena de longas-metragens em seu currículo, o cineasta assiste à consagração mundial de “Decisão de Partir”, um poderoso mix de gêneros com resultado fascinante e envolvente. Um film noir, protagonizado por um detetive coreano insone, Jang Hae-jun (Park Hae-il) e por uma femme-fatale chinesa (a belíssima Tang Wei). A jovem atriz despontou, para valer, em filme do notável Ang Lee (“Desejo e Perigo”, 2007).

Com a morte acidental, numa montanha próxima a Busan, de rico empresário, exímio praticante do alpinismo e possessivo a ponto de gravar suas iniciais no corpo da jovem esposa, cabe ao detetive insone investigar o que se passou. As suspeitas recaem sobre a bela viúva. Misteriosa, ela não externa nenhum sentimento pela perda do marido.

Jang Hae-jun passa a investigar a jovem com empenho desmedido. Durante os interrogatórios toma atitudes inusitadas. A mais simbólica delas está na compra de duplo combinado de sushi, em restaurante caríssimo, a ser desgustado junto com a suspeita. Que o fascina cada vez mais. O detetive é casado, mas não consegue tirar a jovem (e lindíssima viúva chinesa) da cabeça. Começa a segui-la como um profissional excessivamente diligente.

A misteriosa e insinuante chinesinha percebe e começa a enredá-lo em sua teia. Passa a massagear o insone, a preocupar-se com a obsessão dele pelo trabalho. Ao invés de decorar suas paredes com fotos reconfortantes, o detetive cola cenas de crimes, de corpos mortos e dilacerados num painel desolador, apavorante. Um workaholic em estado paroxístico.

O filme soma trama policial, suspense e cenas arrepiantes de alpinismo (a morte do empresário é filmada de forma arrebatadora, de fazer inveja a Leni Riefenstahl). Park Chan-wook a tudo tempera com apaixonante história de amor. Seus protagonistas são ambíguos, falhos. O detetive se envolve além da conta com o “objeto” de seu trabalho, justo a principal (e praticamente única) suspeita de ter jogado o marido do alto da montanha. Não consegue tirá-la de seus sentimentos. Ela se cola corpo no corpo dele como tatuagem.

Jang Hae-jun sabe que não é ético ser um policial a serviço do estado coreano, investigar um homicídio e apaixonar-se perdidamente pela principal suspeita de crime dos mais rumorosos. Muda-se, para aplacar sua crise de consciência, com a esposa para outra cidade. Mesmo que a relação conjugal seja morna e rotineira. Mas a femme-fatale chinesa muda-se, também, para a mesma localidade.

Um filme apaixonante, o melhor dos longas-metragens de Park Chan-wook. Pelo menos dos que foram lançados no Brasil (e não foram poucos). Se ganhar o Globo de Ouro, ou o Oscar de Hollywood de melhor filme internacional, ou uma penca de troféus do Oscar asiático, será por puro merecimento.

 

Decisão de Partir
Coreia do Sul/Hong Kong, 138 minutos, 2022
Direção: Park Chan-wook
Roteiro: Jhung Seo-kyng e Park Chan-wook
Elenco: Park Hae-il, Song Seo-rae, Go Kying-pio
Fotografia: Kim Ji-yong
Montagem: Kim Sang-bum
Trilha sonora: Jo Yeong-wook

 

FILMOGRAFIA (principais títulos)
Park Chan-wook (Seul, Coréia do Sul, 23 de agosto de 1963)

1992 – “Moon is the Sun’s Dream”
1997 – “Saminjo”
1999 – “Judgement”
2002 – “Mr. Vingança”
2003 – “Old Boy – Dias de Vingança”
2004 – “Três…Extremos”
2005 – “Lady Vingança”
2005 – “Boys Goes to Heaven”
2006 – “Eu sou Cyborg, E Daí?”
2008 – “Crush and Blush”
2009 – “Sede de Sangue”
2011 – “Nigth Fishing”
2013 – “Segredos de Sangue”
2016 – “A Criada”
2022 – “Decisão de Partir”

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