Festival ÉTV reúne 14 longas documentais brasileiros, homenageia Farkas e Cousins e traz Antonio Candido visto por Escorel

Foto: “Diamantes”, de Sandra Corveloni, Daniela Thomas e Beto Amaral

Por Maria do Rosário Caetano

Sete longas documentais brasileiros foram escolhidos, entre 140 inscritos, para compor a mais disputada das quatro mostras do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, evento que acontece pela vigésima-nona vez em São Paulo e no Rio de Janeiro (de quatro a 14 de abril).

O criador, diretor e principal curador do ÉTV, o jornalista Amir Labaki, anunciou os escolhidos: “Diamantes”, que tem na direção a atriz Palma de Ouro Sandra Corveloni e os cineastas Daniela Thomas e Beto Amaral; “Fernanda Young – Foge-me ao Controle”, de Susanna Lira; “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vida”, de Bel Bechara e Sandro Serpa; “Inutensílios”, de Bruno Jorge, festejadíssimo diretor de “A Invenção do Outro”; o cearense “Lampião, o Governador do Sertão”, de Wolney “Os Últimos Cangaçeiros” Oliveira; “Tesouro Natterer”, de Renato Barbieri, e “Veríssimo”, de Angelo Defanti.

Os núcleos curatoriais que atuam sob a coordenação de Amir Labaki selecionaram também os 12 longas internacionais da competição, assim como os nove curtas brasileiros e os nove estrangeiros. Os vencedores destas mostras competitivas se pré-qualificarão à disputa do Oscar de longa e melhor curta documental (ver listas abaixo).

Em encontro com a imprensa, no qual Labaki se fez acompanhar de parceiros históricos do festival (o Itaú Cultural, o Sesc, o Desenvolve São Paulo e a Spcine), o diretor de ÉTV destacou a chegada de novo patrocinador (o Instituto Cultural Vale) e prometeu mais uma “edição forte e vigorosa”.

Além de filmes 100% inéditos (no caso dos longas-metragens), o festival contará com mais sete documentários brasileiros em segmentos especiais. Um deles é  “Um Filme para Beatrice”, de Helena Solberg, o convidado da noite inaugural no Rio. Os outros são “As Cores e Amores de Lore”, de Jorge Bodanzky, “Anna Mariani – Anotações Fotográficas”, de Albert Renault, “Brizola”, de Março Abujamra, “Retomada”, de Ricardo Martensen, “Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, de Alessandra Dorgan (convidado da noite de encerramento e premiação) e o aguardadíssimo “Antonio Candido — Anotações Finais”, de Eduardo Escorel. Sobre, claro, o professor da USP, autor de “Parceiros do Rio Bonito”, “Formação da Literatura Brasileira”, entre outras obras seminais.

A este grupo brasileiro pode (e deve) ser agregada a produção germano-suíça “A Senhora das Flechas”, de Heidi Specogna, dedicado por inteiro à trajetória da fotógrafa Cláudia Andujar, que deixou a Europa para empenhar-se na produção imagens do Brasil, em especial de povos originários.

“Fernanda Young – Foge-me ao Controle”, de Susanna Lira

Os filmes internacionais e brasileiros se farão acompanhar de múltiplas atividades reflexivas e educativas, segmento importante e histórico do ÉTV. Com destaque especial para a vigésima-primeira edição da Conferência Internacional do Documentário, parceria com a Cinemateca Brasileira.

Outra atividade do campo reflexivo-educativo – o ciclo de palestras “A Escrita do Documentário” – terá o paulistano Sesc 24 de Maio como território. No encontro com a imprensa, Paulo Casale, gestor do espaço sesquiano, fez questão de esclarecer que “a sigla CPF não é irmã do RG”, mas sim, o conjunto de iniciais de Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, que funciona na Avenida Nove de Julho e “constitui-se praticamente como uma Universidade”.

O ÉTV homenageará, esse ano, dois grandes produtores e diretores de documentários: o brasileiro Thomaz Farkas (1924- 2011), presente que a Hungria deu ao Brasil, e o irlandês-escocês Mark Cousins, de 57 anos.

Se vivo fosse, Farkas completaria cem anos em outubro próximo. Ao morrer aos 86 anos, deixou quatro filmes como diretor e dezenas deles como produtor – “Brasil Verdade” e “Herança do Nordeste (documentais), passando por longas ficcionais (“Sítio do Pica-Pau-Amarelo”). Deixou, também, acervo fotográfico de imenso valor e abrangência.

Coube a uma fotografia de Farkas encapar o catálogo da terceira edição do ÉTV. E ele volta a fazê-lo 26 anos depois, agora com a imagem gráfica de nadador em salto livre de um trampolim. Serão exibidos além dos quatro filmes do húngaro que se apaixonou perdidamente pelo Brasil (“Paraíso, Juarez”, “Todomundo”, “Hermeto, Campeão” e “Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba”, esse em parceria com Ricardo Dias) mais dois documentários sobre o produtor-diretor-fotógrafo – “Improvável Encontro”, de Lauro Escorel, e “Thomaz Farkas, Um Brasileiro”, de Walter Lima Jr.

Faz tempo que Amir Labaki aguarda a presença física de Mark Cousins no ÉTV. Afinal, muitos filmes dele foram exibidos no festival. Workaholic compulsivo, como encontrar espaço na agenda do cineasta viciado em imagens de arquivo e na história do cinema?

Para agravar, contou Labaki no encontro com a imprensa, “Cousins detesta andar de avião”. Pior ainda se “a viagem durar 12 horas”. Mas o brasileiro insistiu tanto, que o irlandês-escocês avisou que não queria saber de ficar aqui por dois ou três dias. Já que a viagem seria longa, queria aproveitar.

E como Cousins aproveita uma viagem?

Fazendo o que ele mais gosta: filmar. Pois realizará filmagens em solo brasileiro. No dia 9/04, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, Cousins participará de debate sobre sua obra e, no dia 11, ministrará masterclasse para os cariocas, no Estação NET Botafogo.

Em apenas duas décadas como documentarista, o diretor da homérica “A História do Cinema: Uma Odisseia” realizou trinta filmes. O ÉTV vai exibir oito deles – o novíssimo “O Cinema Tem Sido meu Verdadeiro Amor: O Trabalho e a Vida de Lynda Myles”, “Eu Sou Belfast”, “A História do Olhar”, “Uma História de Crianças e Cinema”, “Marcha sobre Roma” (sobre o Fascismo mussoliniano), “Meu Nome é Hitchcock”, “Os Olhos de Orson Welles” e “Mulheres Filmam – Episódio 1”.

O Festival Internacional de Documentários prosseguirá em seu trabalho de valorização de clássicos do cinema prestando tributo a autores e datas importantes (como o cinquentenário da Revolução dos Cravos e o Centenário de Robert Drew).

O 25 de abril (de 1974), que pôs termo à ditadura Salazar, será lembrado com dois filmes — “Outro País”, de Sergio Tréffaut, e “As Armas e o Povo”, trabalho coletivo do comitê de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica, do qual Glauber Rocha fez parte (e no qual atuou como entrevistador adrenalinado, que derrama torrente de palavras sobre seus “interlocutores”).

Robert Drew será lembrado com “Primárias” e “Faces de Novembro”. No núcleo que homenageia o cinema serão exibidos, também, “Fellini: Confidências Revisitadas”, do francês Jean-Christophe Rose, “Nurith Aviv – Mulher com uma Câmera”, de Zohar Behrendt (Israel), “O Cinema por Dentro”, de Chad Freidrichs (EUA-Turquia-Japão) e “Say God Bye”, de Thomas Imbach (Suíça). Sobre este documentário, um registro – ele narra a história de um adolescente que se fez cineasta sob o “feitiço” do realizador que viveu e trabalhou às margens do Lago Léman (de 1975 a 2022) – o franco-suíço JLG, criador de “Acossado”, “Viver a Vida” e “O Desprezo”.

Detalhe fundamental: Nurith Aviv, personagem central do filme que, nesse núcleo, representa Israel, narra a trajetória da cineasta e diretora de fotografia que assinou quase cem filmes. Alguns deles dirigidos por Agnès Varda e Amos Gitai.

O Foco Latino-Americano reúne apenas quatro títulos, mas é preciso lembrar que há um longo argentino (“Mixtape la Pampa”, de Andrés de Tela,  na competição internacional). A América Hispânica estará, pois, representada pelo uruguaio “A Neve Entre Nós”, de Pablo Martínez Pessi, o costarriquenho “Órbita”, de Cléa Eppelin Ugarte, o colombiano “Igualada”, de Juan Mejía Botero,  e o argentino “Os Médicos de Nietzche”, de Jorge Leandro Colas.

Dois registros importantes: o Itaú Play exibirá em sua plataforma digital nove títulos da programação do ÉTV (de 15 a 30 de abril); Belo Horizonte assistirá a um resumo do festival e o Circuito Spcine fará parte do grupo de salas-vitrine da programação completa do evento (IMS-Paulista, Espaço Augusta, Sesc 24 de Maio e Cinemateca Brasileira).

CURTAS BRASILEIROS

. “Sem Título #9: Nem Todas as Flores da Falta”, de Carlos Adriano
. “A Edição do Nordeste”, de Pedro Fiúza
. “Aguyjevete Avaci’i”, de Kerexeu Martim
. “Serão”, de Caio Bernardo
. “Utopia Muda”, de Julio Matos
. “Sertão, América”, de Marcela Ilha Bordin
. “As Placas São Invisíveis”, de Gabrielle Ferreira
. “Até Onde o Mundo Alcança”, de Daniel Frota Abreu
. “A Noite das Garrafadas”, de Elder Gomes Barbosa

LONGAS INTERNACIONAIS

. “Mamãe Suriname”, de Tessa Leuwsha (Holanda)
. “Celluloid Underground”, de Ehsan Khosbakth (Irã-Reino Unido)
. “Corpo”, de Petra Seliskar (Eslovênia, Macedônia do Norte, Croácia)
. “Copa de 71”, de Rachel Ramsay, James Erskine (Reino Unido)
. “E Assim Começa”, de Ramona S. Diaz (EUA, Filipinas)
. “O Relatório da Revolta de 1967”, de Michelle Ferrati (EUA)
. “O Mundo é uma Família”, de Anand Patwardhan (Índia)
. “Uma Estória Americana”, de Jean Claude Taki, Alexandre Gouzou (Itália e França)
. “Cento e Quatro”, de Jonathan Schornig (Alemanha)
. “Diários da Caixa Preta”, de Shiori Ito (Japão, EUA, Reino Unido)
. “Zinzindurrunkarratz”, de Oscar Alegria (Espanha)
. “Mixtape la Pampa”, de Andrés de Tela  (Argentina-Chile)

CURTAS INTERNACIONAIS

. “Só a Lua Entenderá”, de Kim Torres (Costa Rica-EUA)
. “Anseio de Luz”, de Alba Cris Pelissé (Espanha)
. “Avalanche”, de Daniel Cortez (Colômbia)
. “Azul”, de Violena Ampudia” (Cuba, Bélgica)
. “Como Agradar”, de Elina Talvensaari (Finlândia)
. “Parentescos Indesejado”, de Pavel Mozhar (Alemanha)
. “Getty Abortion”, de Frazis Kabisch (Alemanha-Austria)
. “Entre a Graça e a Violência”, de Sirin Bahar Demirel (Turquia, Holanda)
. “Minha Irmã”, de Mariusz Rusinski (Polônia)

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