Cine Ceará revisita história do grupo “Brasiliana” e do bailarino Thiago Soares

Foto: “Brasiliana: o Musical Negro que Apresentou o Brasil ao Mundo”, de Joel Zito Araújo

Por Maria do Rosário Caetano

O longa documental “Brasiliana: o Musical Negro que Apresentou o Brasil ao Mundo”, de Joel Zito Araújo, vai abrir a trigésima-quarta edição do Cine Ceará – Festival de Cinema Ibero-Americano, na noite desse sábado, 9 de novembro.

A solenidade de abertura do festival, que acontecerá até dia 15, no Cine São Luiz, centro de Fortaleza, prestará, também, tributo aos 70 anos da Universidade Federal do Ceará. A instituição pública se fará representar pelo reitor Custódio Almeida, que receberá o Troféu Eusébio de Oliveira. Parceira histórica do festival, a UFCE faz de sua Casa Amarela, uma espécie de Decanato de Extensão Cultural, espaço privilegiado de difusão das artes e do cinema cearense e brasileiro.

O Cine Ceará prestará, também, homenagem a dois de seus atores mais representativos – Rodger Rogério e Gero Camilo. O primeiro acaba de conquistar o Troféu Kikito de melhor ator coadjuvante no Festival de Gramado, por encarnar pistoleiro já entrado nos anos, no sedutor e crepuscular western “Oeste Outra Vez”, do goiano Erico Rassi. Embora tenha atuado em muitos filmes (nos de Rosemberg Cariry, em “O Grão”, de Petrus, e no “Bacurau” pernambucano), Rodger tornou-se muito conhecido em seu estado natal como músico, integrante da trupe de Ednardo, Amelinha, Belchior, Fagner, Fausto Nilo e Teti.

Quem imaginaria que o pacato e silencioso “pistoleiro” de “Oeste Outra Vez” fosse mestre em Física, formação que o levou à função de professor na USP dos anos de 1970? Mas não teve jeito. A paixão pelas Artes mudou o rumo do cearense, hoje octogenário, encaminhando-o aos ofícios de ator, cantor e compositor, membro-fundador do coletivo “Pessoal do Ceará”.

Gero Camilo é, como o conterrâneo Rodger, um multiartista – ator, cantor, compositor, diretor, dramaturgo e poeta. Iniciou sua carreira cinematográfica no longa “Cronicamente Inviável”, de Sérgio Bianchi. Fez “Abril Despedaçado”, de Walter Salles Jr, e causou sensação na pele de maluquinho muito do carismático em “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzky (troféu Candango de melhor coadjuvante nos festivais de Brasília e Recife). Nos anos seguintes atuou em “Domésticas”, de Olival & Meirelles, “Cidade de Deus”, de Meirelles, “Madame Satã”, de Karim Aïnouz, “Narradores de Javé”, de Eliane Caffé (melhor coadjuvante no Cine PE), e “Carandiru”, de Babenco. Um de seus textos teatrais – “Aldeotas” – foi transformado em longa-metragem de mesmo nome (2022). Em “Mussum, o Filmis”, de Silvio Guindane – que será exibido para o público da mostra A Melhor Idade – coube a Gero interpretar o conterrâneo Renato Aragão, encarnado no “palhaço” Didi.

O Cine Ceará vai festejar, também, os 100 anos do cinema cearense. O estado, conhecido como a terra do sol e das locações luminosas, além de servir de ponto-de-partida para um dos registros documentais mais importantes do cinema brasileiro (o encontro do mascate-cineasta Benjamin Abrahão com o Bando de Virgulino Ferreira, o Lampião, nos meados da década de 1930), foi o ponto de partida da rede exibidora Luiz Severiano Ribeiro e foco de produção documental no começo do século XX.

Duarte Dias, pesquisador e programador do Cineteatro São Luiz, justifica a escolha da data (15 de outubro de 1924) como marco inaugural do Cinema Cearense. Foi naquele dia, mês e ano, que “o documentarista Adhemar Bezerra de Albuquerque exibiu o seu filme ‘Temporada Maranhense de Foot-Ball no Ceará’, no Cine Moderno, belo cinema situado em frente à Praça do Ferreira. A sala pertencia a Luiz Severiano Ribeiro”.

A investigação empreendida por Duarte comprovou ser “Temporada Maranhense de Foot-Ball no Ceará”, a primeira obra audiovisual cuja autoria traz a assinatura de um realizador cearense. Um realizador e produtor que marcou a história do audiovisual no estado nordestino. Afinal, foi ele o produtor do documentário de Benjamin Abrahão sobre Lampião e Bando. E seu filho, o grande fotógrafo Chico Albuquerque, fez o still da parte nordestina de “Jangadeiros”, episódio do inacabado “It’s All True”, de Orson Welles.

“Um Lobo entre os Cisnes”, de Marcos Schechtman e Helena Varvaki

O Cine Ceará promove quatro competições – a de longas ibero-americanos, a de curtas brasileiros, a de longas e curtas cearenses. E muitas mostras informativas, além de programa de curtas (e um longa documental) no Itaú Cultural Play (esta, de alcance nacional e acesso gratuito). Aliás, são gratuitas, também, todas as atividades presenciais do Cine Ceará, que acontecerão, além do Cineteatro São Luiz, na Caixa Cultural Fortaleza e no Hotel Sonata. Serão exibidos 15 longas e 32 curtas-metragens em todas as mostras (competitivas e não-competitivas) do evento.

O longa de Joel Zito Araújo, o “Spike Lee brasileiro”, vai competir, pelo Troféu Mucuripe, com “Um Lobo entre os Cisnes”, dos brasileiros Marcos Schechtman e Helena Varvaki, e com as ficções hispano-hablantes “Milonga”, de Laura González, fruto de parceria entre Uruguai e Argentina, “A Bachata do Biônico”, de Yoel Morales (República Dominicana), e “Linda”, de Mariana Wainstein (Argentina). Completa o time de selecionados o documentário cubano-estadunidense “En la Caliente – Contos de um Guerreiro do Reggaeton”, de Fabien Pisani.

O quilométrico título do filme de Joel Zito – “Brasiliana: o Musical Negro que Apresentou o Brasil ao Mundo” (contraste total com o sintético “Baby”, de Marcelo Caetano, convidado da noite de encerramento) – nos leva a evocar “Orfeu do Carnaval”, de Marcel Camus (1959), musical inspirado em peça de Vinícius de Moraes (“Orfeu Negro”), vencedor do Festival de Cannes e detentor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Mas não, Joel Zito nos revela a história (e as histórias) da Companhia Brasiliana, grupo de música, teatro e dança afro-brasileiros, criado no Rio de Janeiro, em 1949 (portanto dez anos antes de “Orfeu do Carnaval” seduzir o mundo). A trupe carioca excursionou por mais de 90 países ao longo de 25 anos de atividades.

O diretor de “A Negação do Brasil” e “Filhas do Vento” lembra em seu sétimo longa-metragem “a repercussão do projeto Brasilianas em grandes palcos do mundo”, enfatizando “sua imensa e notável importância para a construção da imagem do Brasil no exterior”. Daí “o incômodo esquecimento” que tomou conta dos brasileiros, desinformados (indiferentes?) quanto à relevância dessa histórica companhia. Infelizmente, constata Joel Zito, “o Brasiliana segue completamente ignorado na historiografia cultural brasileira”.

O outro brasileiro da competição ibero-americana, “Um Lobo entre os Cisnes”, também resgata história brasileira ligada à dança – a do bailarino Thiago Soares, garoto pobre criado no subúrbio carioca, que na adolescência dedicou-se ao hip hop. Aos 15 anos, porém, ele passou a se interessar pelo ballet. Apesar da descoberta tardia do ofício, hoje pilar de sua vida, tornou-se uma estrela internacional, elevada ao posto de primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres. Agora, aos 40 anos, Thiago é diretor artístico do Ballet de Monterrey, no México.

O filme, que tem entre seus roteiristas Camila Agustini e José Carvalho, e foi escrito sob supervisão de Guillermo Arriaga, antigo colaborador de Alejandro Gonzalez Iñarritu (“Amores Perros”, “21 Gramas”, “Babel”), de Lorenzo Vigas (do Leão de Ouro venezuelano “De Longe te Observo”) e de Tommy Lee Jones (“Três Enterros”).

Ao contrário de “Brasiliana”, “Um Lobo entre os Cisnes” constitui-se como obra ficcional protagonizada por Matheus Abreu. E com o astro argentino Dario Grandinetti (do almodovariano “Fale com Ela”) no elenco. Produzido pela TV Zero, de Roberto Berliner e parceiros, o filme teve locações no Rio de Janeiro e na Europa (em Paris, na Pont Neuf, Pont des Arts e na Opera Garnier).

Mostra de longas ibero-americanos

. “Brasiliana: o Musical Negro que Apresentou o Brasil ao Mundo”, de Joel Zito Araújo (doc., 82’. Brasil, première mundial) – Dia 9, sessão inaugural
. “Um Lobo entre os Cisnes”, de Marcos Schechtman e Helena Varvaki (ficção, 110’. Brasil, première mundial) – Dia 10
. “Milonga”, de Laura González (ficção, 106’, Uruguai-Argentina, première brasileira) – Dia 11
. “En la Caliente – Contos de um Guerreiro do Reggaeton”, de Fabien Pisani (doc. 85’, Cuba-EUA, première brasileira) – Dia 12
. “Linda”, de Mariana Wainstein (ficção,100’, Argentina, première brasileira) – Dia 13
. “A Bachata do Biônico”, de Yoel Morales (ficção, 80′, República Dominicana, première brasileira) – Dia 14

Competição de curtas brasileiros

. “Fenda”, de Lis Paim (ficção, 23’, Ceará)
. “Tiramisú”, de Leônidas Oliveira (ficção, 20’, Ceará)
. “Os Mortos Resistirão para Sempre”, de Carlos Adriano (híbrido, 24’, SP)
. “Você”, de Elisa Bessa (híbrido, 7’, RJ)
. “Quinze Quase Dezesseis”, de Thais Fujinaga (ficção, 20’, SP)
. “Cavaram uma Cova no meu Coração”, de Ulisses Arthur (doc., 24′, AL)
. “Eu Sou um Pastor Alemão”, de Angelo Defanti (animação, 15’, RJ)
. “Salmo 23”, de Lucas Justiniano e José Menezes (doc., 12’, SP)
. “Maputo”, de Lucas Abraão (ficção,15’, SP)
. “Bolinho de Chuva”, de Cameni Silveira (ficção,11’, PR)
. “Dona Beatriz Ñsîmba Vita”, de Catapreta (ficção, 20’, MG)
. “Todas as Memórias que Você Fez em Mim”, de Pedro Fillipe (ficção, 19’, PE)

Mostra Olhar do Ceará

Longas-metragens:

. “Antônio Bandeira – O Poeta das Cores”, de Joe Pimentel (doc., 80’)
. “Filhos do Vento”, de Euziane Bastos e Rogério Bié (doc. 69’), dia 13
. “Cante Lá que eu Conto Cá”, de Iziane Mascarenhas (doc. 84’)
. “Seca Verde”, de José Roberto Sales (doc., 70’) – fora de competição

Curtas-metragens:

. “Almadia”, de Mariana Medina (animação, 8’)
. “Juzé”, de Raquel Garcia (animação, 11’)
. “Fotossíntese”, de Rodrigo do Viveiro (animação. 6’)
. “Poesia no Vinho de seus Lábios”, de Matheus Monteiro (anim. 4’)
. “A Mulher Barco”, de Tibico Brasil (doc., 16’)
. “Neblina”, de Milene Coroado (ficção, 9’)
. “Cavalo Serpente”, de Priscila Smiths (fic-doc. 6’)
. “Urêasêca”, de Dizio Brito (ficção. 17’)
. “Sirius Não é Tão Longe”, de Nick Sanches (ficção. 14’)
. “Calcanhar”, de Lara Brito e César Gomes (ficção, 21’)
. “Slam Sobral”, de Kieza Fran (doc. 24’)
. “Raízes do Mangue”, de Charlotte Cruz (doc. 14’)
. “Visitando Luisa”, de André Moura Lopes (doc. 15’)
. “Topera”, de Rodrigo Gadelha (doc. 17’)
. “Cidade Ruína”, de ISAAAKI e Mabi Sousa (doc. 9’)
. “Crayon”, de Juno e Becca Lutz (ficção-animação,13’)=
. “Ponte Metálica”, de Felipe Bruno e Wes Maria (ficção, 17’)
. “Kila & Mauna”, de Ella Monstra (ficção. 19’)
. “Raposa”, de Margot Leitão e João Fontenele (ficção, 15’)
. “O Verbo”, de Juliana Craveiro e Lucas Souto (ficção. 20’)

Exibições Especiais

. “Lampião, Governador do Sertão”, de Wolney Oliveira. Doc., 90’, Ceará, 14 anos) – No domingo, 10 de novembro.
. “Baby”, de Marcelo Caetano (ficção,106’, Brasil-França-Holanda, 2024, 16 anos) – na noite de encerramento e entrega dos troféus Mucuripe

Mostra Cine Ceará na Itaú Cultural Play

. “Neblina”, de Milene Coroado
. “O Verbo”, de Juliana Craveiro e Lucas Souto
. “Raposa”, de Margot Leitão e João Fontenele
. “Juzé”, de Raquel Garcia
. “Almadia”, de Mariana Medina
. “Kila & Mauna”, Ella Monstra
. “Topera”, de Rodrigo Gadelha
. “Crayon”, de Juno e Becca Lutz)
. “Ponte Metálica”, de Felipe Bruno e Wes Maria

Mostra Melhor Idade

. “Mussum, o Filmis”, de Sílvio Guindane (ficção, 123’, RJ, 2023)

Acessibilidade

. “Mirador”, de Bruno Costa (ficção, 95’, PR, 2021, 16 anos).
. O Primeiro Filme a Gente Nunca Esquece:
. “Escola de Quebrada”, de Kaike Alves e Thiago Eva (ficção, 63’, Brasil. 2023, 12 anos)

Mostra Itinerância

No Centro Cultural BNB de Fortaleza, depois no Cariri e em dez cidades do interior:
. “Almadia”, de Mariana Medina (animação, 8′, Ceará) e “Memórias da Chuva”, de Wolney Oliveira (doc. 79’, Ceará, 2023)

Debates e oficina

. Nas manhãs, após a exibição dos longas ibero-americanos e dos curtas brasileiros, no Cineteatro São Luiz, haverá debates (no Hotel Sonata de Iracema) dos curtas e longas da competição. No mesmo local, o professor e crítico de cinema Bruno Carmelo ministrará a oficina “Cinema Queer” (de 11 a 14, presencial, 30 vagas).

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