Fernanda Torres conquista o Globo de Ouro de melhor atriz e “Emilia Pérez” e “Shogum” somam maior número de troféus
Foto: Fernanda Torres © Reprodução Youtube Golden Globes
Por Maria do Rosário Caetano
O Globo de Ouro de melhor atriz dramática atribuído à brasileira Fernanda Torres, de 59 anos, aumenta as chances de “Ainda Estou Aqui” conquistar novas vagas na disputa ao Oscar, posicionando-se além da categoria em que o filme de Walter Salles tem mais chances de figurar – melhor longa internacional.
É de todos sabidos que a Sony Pictures e a equipe brasileira estão trabalhando, sem descanso, para sensibilizar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood a efetuar indicações em outras categorias, como melhor atriz, melhor roteiro (Murilo Hauser e Heitor Lorega), melhor ator coadjuvante (Selton Mello) e, até quem sabe, figurar na lista de dez filmes que comporão a categoria principal.
Claro que a parada será duríssima. Fernanda Torres entrou (e triunfou) no Globo de Ouro ao derrotar cinco intérpretes dramáticas hollywoodianas. Por teimar em separar filmes por gênero (musical-comédia ou drama), o Globo de Ouro indicou doze atrizes. O Oscar indica apenas cinco, venha a intérprete do drama, da comédia ou do musical.
O octogenário Globo de Ouro consagrou dois filmes em sua renovada edição 2025 – o francês “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, mistura de melodrama, gangsterismo e musical (quatro troféus), e o épico “O Brutalista”, de Brady Corbet (com três).
A França contou com mais um filme na parada (além do mobilizador e controvertido “Emilia Pérez”) – “A Substância”, de Coralie Fargeat , cuja protagonista, Demi Moore, foi premiada como melhor atriz de comédia ou musical.
Na imprensa parisiense, os dois filmes foram definidos como “perfeitos exemplares do cinema francês globalizado”. Afinal, nenhum utiliza o idioma dos Irmãos Lumière como meio de expressão. “Emilia”, embora filmado na França, fala espanhol (às vezes, inglês) e tem atrizes de origem ibérica (Karla Sofía Gascón é espanhola e soma-se às “chicanas” Zoë Saldaña e Selena Pérez e à mexicana legítima Adriana Paz). E narra história mexicana, povoada de narcotraficantes e violência. Para desgosto de Emílio Derbet, Rodrigo Prieto e outros astecas incomodados com a “inautencidade” de sua inusitada trama. Que busca envolvente atmosfera impregnada de cores tropicais. O filme de Audiard tem sido amado, em maior medida, e detratado por opositores radicais. Estes cobram realismo e “profundidade” de trama fabular e onírico-musical.
“A Substância” também foi filmado na França, com dinheiro europeu, diretora e roteirista francesa, mas serviu de veículo a duas atrizes norte-americanas – a premiada Demi Moore e a jovem Margaret Qualley. E, ainda por cima, conta uma história (de body horror) que tem tudo a ver com o cinema e a TV hollywoodianos. A protagonista é uma aeróbica apresentadora de programa dedicado a cultuar a beleza feminina.
A festa do Globo de Ouro teve momentos emocionantes. A começar pelo discurso de Fernanda Torres, em inglês, que enumerou muitos agradecimentos, mas todos fora do cansativo padrão “lista telefônica familiar ou colegas de equipe”.
Com finesse, a brasileira lembrou aos presentes (muita gente do badaladíssimo star system hollywoodiano), que “25 anos atrás, vocês podem não acreditar, minha mãe (Fernanda Montenegro) esteve aqui”, concorrendo ao mesmo Globo de Ouro. Para agregar, “a arte pode sobreviver mesmo em tempos difíceis, como os vividos por Eunice Paiva” (personagem que interpreta com paixão e contenção no vitorioso longa brasileiro, já visto por mais de 3 milhões de espectadores).
Andrucha Waddington, companheiro de Fernandinha e genro de Fernandona, chorava na mesa reservada ao time de Walter Salles. Mesa, aliás, ignorada pelas câmaras, sempre encantadas com as divas platinadas de Hollywood. Mas dispostas a algumas concessões: closes em atores afro-americanos e, esporadicamente, um primeiro plano para o venezuelano Edgard Ramirez (de “Carlos” e “Emilia Pérez”).
A cota latino-americana é reduzida em cerimônias cinematográficas norte-americanas. Além do casal Penélope Cruz-Javier Bardem (ausente, dessa vez), só uma estrela, a mexicana (radicada em Paris) Salma Haeyk, tem espaço garantido. Ela entregou prêmio em categoria importante.
Emocionante, também, foi o discurso da atriz Zoë Saldaña, melhor coadjuvante. Na verdade, ela divide com Karla Sofía Gascón o protagonismo absoluto de “Emilia Pérez”. E arrasa.
A avatariana Zoë, de 46 anos, não reclamou da láurea incompatível com seu esforço. Valorizou, isto sim, seu primeiro grande reconhecimento público e agradeceu com a velocidade de um raio. Havia muitas palavras engasgadas. Ela queria enunciá-las todas aos quatro cantos do mundo.
A sexagenária Demi Moore, também, fez discurso substantivo. E vestida como uma deusa (ela e Viola Davis arrasaram nos trajes de gala, chiques até não mais poder). Lembrou que era o primeiro prêmio que ganhava ao longo de sua carreira, que já dura 45 anos. Que ficara marcada como atriz de “filmes pipoca”, campeões de bilheteria, e até pensara em abandonar seu ofício. Aí chegou o roteiro de “A Substância”. Aceitou o desafio e deu no que deu. Estava com um Globo de Ouro na mão. Fez um filme de terror, mas foi premiada como atriz de comédia ou musical! Ela nem quis saber. Estava radiante.
Há que se destacar, ainda, o breve discurso de Gints Zilbalodis, diretor da encantadora animação “Flow”. Ele falou de seu trabalho solitário, contou que dessa vez, ao realizar a saga de um gatinho obrigado a aliar-se a inimigos para sobreviver ao dilúvio, contara com importantes parceiros (ainda que em equipe pequena). E que era a primeira vez que seu país, a Letônia (uma ex-república soviética), ganhava um Globo de Ouro.
Dois momentos tornaram-se esquecíveis, pois nada apropriados a uma festa de celebração de talentos. Jacques Audiard negou-se a ler um texto de agradecimento em inglês. Com intérprete postado ao lado, pecou pela monotonia, com texto lido em francês, enorme e chatíssimo, que exigia, óbvio, tradução. E, ainda por cima, pecou pela falta de educação ao colocar seu Globo de Ouro no chão. Longe do alcance das câmaras.
Falastrão e chato, também, foi Brady Corbet, que fez dois agradecimentos enormes e nada substantivos. Na segunda vez em que subiu ao palco — já que “O Brutalista” ganhou três prêmios de primeira linha — disse que não tinha mais nada a dizer, que dissera tudo na “subida” anterior. Então, por que insistia em continuar falando, falando, falando?
Os orientais brilharam na cerimônia do Globo de Ouro: atores japoneses de “Shogum, a Gloriosa Saga do Japão”, a série televisiva mais premiada da noite, fizeram barba, cabelo e bigode.
O tom cosmopolita começa, alvíssaras!, a ganhar relevo no octogenário prêmio dos outrora chamados “Correspondentes Estrangeiros” (em Hollywood). Eles, que formavam clube impenetrável e aferrado a privilégios, tiveram que abrir espaços a novas vozes e novas nacionalidades. Eram pouco mais de 80 associados. Quadruplicaram – são 334, oriundos de 85 países, já que não se exige mais que o “correspondente” esteja em atividade no território hollywoodiano. Entre os associados estão 25 brasileiros.
Agora, é torcer para que a Academia do Oscar, com mais de 10 mil associados, dê ao brasileiro “Ainda Estou Aqui”, no próximo dia 17, ao menos metade das dez indicações para as quais a Sony inscreveu o filme. A sorte está lançada.
Confira os premiados do Globo de Ouro:
CINEMA
. “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard (França) – melhor filme musical ou comédia, melhor filme em língua não-inglesa, melhor atriz coadjuvante (Zoe Saldaña) e melhor canção (“El Mal”, de Camille Dalmais, Clement Ducol e Jacques Audiard)
. “O Brutalista”, de Brady Corbet (EUA-Inglaterra) – melhor filme dramático, melhor diretor, melhor ator (Adrian Brody)
. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Brasil) – melhor atriz dramática (Fernanda Torres)
. “A Substância”, de Coralie Fargeat (França) – melhor atriz de musical ou comédia (Demi Moore)
. “Um Homem Diferente”, de Aaron Schimberg (EUA) – melhor ator de musical ou comédia (Sebastián Stan)
. “A Verdadeira Dor”, de Jesse Eisenberg (EUA) – melhor ator coadjuvante de musical ou comédia (Kieran Culkin)
. “Flow”, de Gints Zilbalodis (Letônia) – melhor filme de animação
. “Conclave”, de Edward Berger – melhor roteiro (Peter Straughan)
. “Rivais”, de Lucas Guadagnino (EUA) – melhor trilha sonora (Trent Reznor e Articus Ross)
. “Wicked”, de John M. Chou (EUA) – melhor realização cinematográfica e de bilheteria.
. Prêmio Cecil B. DeMille (trajetória) para Viola Davis
TELEVISÃO
. “Shogum, a Gloriosa Saga do Japão” – melhor série dramática, melhor atriz (Anna Sawai), melhor ator (Hiroyushi Sanada), melhor coadjuvante (Tadanobu Asano)
. “Hacks” – melhor série (comédia ou musical), melhor atriz (Jean Smart)
. “O Urso” – melhor ator em série de TV (musical ou comédia) para Jeremy Allen White
. Bebê Rena” – melhor série de TV Limitada ou Filme, melhor atriz coadjuvante (Jessica Gunning)
. “True Detective – Terra Noturna” – melhor atriz de minissérie ou filme (Jodie Foster)
. “Pinguim” – melhor ator em série limitada, antologia ou filme feito para TV para Colin Farrell
. “Single Lady” – melhor comédia stand up – Ali Wong
. Prêmio Carol Burnet (trajetória) para Ted Darson