Festival de Gramado premia longa gaúcho que discute o tabu da menstruação e os curtas brasileiros “FrutaFizz”, “Boiuna” e “Samba Infinito”

Foto: Premiados com o Prêmio SEDAC/IECINE de longas e curtas-metragens gaúchos brasileiros © Cleiton Thiele/Ag.Pressphoto

Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado (RS)

O 53º Festival de Cinema de Gramado realizou na noite dessa sexta-feira, 22 de agosto, depois da exibição do longa documental “Até Aonde a Vista Alcança”, a segunda de suas três cerimônias de premiação. Segmentada, ela distribuiu troféus Kikito a longas-metragens gaúchos e a curtas-metragens brasileiros.

A realização de tantas cerimônias tem objetivo claro — não sobrecarregar a “Noite dos Kikitos”, que acontece nesse sábado, 23 de agosto, para premiar longas-metragens brasileiros, nas categorias ficção e documentário.

Como a festa será transmitida ao vivo (a partir das 20h45), pelo Canal Brasil, TV Educativa do Rio Grande do Sul e pelo YouTube do festival, o comando gramadense acredita que, livre de quantidade excessiva de troféus, possa realizar festa ágil e dinâmica. E cativar o público espalhado por todos os Brasis.

A julgar-se pelo ritmo da primeira noite de premiação, realizada no último domingo, para laurear os melhores curtas gaúchos, a síntese e a agilidade não estarão disponíveis. Se o parâmetro for a cerimônia desta sexta-feira, a situação tornar-se-á ainda mais preocupante. Afinal, uma festa que poderia durar 60 minutos, entendeu-se por 135, e pecou por longos (e pouco criativos) discursos de agradecimento.

Os laureados, em grande maioria, se negaram a respeitar os dois minutos estabelecidos em vistoso painel eletrônico. Colaborou com a lentidão, a convocação de patrocinadores ao palco, para que entregassem troféus aos laureados. O deslocamento de cada um deles somava-se a novo deslocamento, o da equipe premiada. E aí vinham os intermináveis discursos de agradecimento. Alguns citando tediosos (e desconhecidos) nomes de integrantes da equipe e mandando mensagens a familiares, que tanto os haviam apoiado!

A noite começou com a entrega do Prêmio Iecine-Sedac (Instituto de Cinema da Secretaria Estadual de Cultura”) à atriz Araci Esteves (Troféu Leonardo Machado), ao cineasta Gustavo Spolidoro (Legado), à dupla Victor Di Marco e Márcio Picoli (Inovação), e, postumamente, a Odilon Lopez (1941-2002), diretor afro-gaúcho do longa-metragem “Um é Pouco, Dois é Bom”.

O documentário “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli, foi o grande vencedor da categoria “longa gaúcho”. Acumulou os prêmios do Júri Oficial e do Júri Popular. E menção honrosa para  seu “elenco” feminino. No caso, as meninas que vivem transição da infância para a adolescência e, nesse momento, enfrentam o tabu da menstruação. A diretora, que é professora universitária, integra o Coletivo Audiovisual TV OVO, município gaúcho de 260 mil habitantes.

As pré-adolescentes escolhidas para protagonizar o documentário estudam em escola pública periférica. Elas têm entre nove e 12 anos e, ao longo do ano letivo, sentem as primeiras mudanças no corpo, o que as leva a enfrentar medos, desejos e a expectativa da chegada da primeira menstruação.

“Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli recebe o prêmio Melhor Filme © Edison Vara/Ag.Pressphoto

Outro documentário gaúcho recebeu significativo reconhecimento do júri  — “Uma em Mil”, de Jonatas e Tiago Rubert (melhor direção, roteiro e montagem). O título evoca a possibilidade (proporção de “um em mil”) de uma pessoa nascer com a síndrome de Down. Isso aconteceu na família Rubert, do município de Canoas (350 mil habitantes).

Jonatas, o irmão mais velho, estudou Cinema. E resolveu realizar um filme em parceria com o irmão, Tiago, downiano. Juntos, construíram narrativa, que “nada tem de normal”. Tentaram entender “por que um deles nunca trocou uma lâmpada?” Juntos acabaram descobrindo que “a invenção do rádio tem tudo a ver com a invenção da escada”.

A ficção portalegrense “Passaporte Memória”, de Décio Antunes, nome de destaque na cena teatral gaúcha, teve seus protagonistas Stephane Brodt e Lara Tremouroux reconhecidos como os melhores intérpretes. Brodt, francês radicado no Brasil, é um dos criadores do Amok Teatro Físico, do Rio de Janeiro. Lara, de 28 anos, integrou o elenco de “Medusa” e “Homem com H”.

O filme de Décio Antunes mostra o regresso de um brasileiro, depois de anos exilado em Paris, ao interior gaúcho, onde velará e enterrará a mãe. Nesse momento, ele irá defrontar-se com lembranças de sua infância, vivida nos anos de ditadura militar.

Outra ficção, “Bicho Monstro”, de Germano de Oliveira, foi reconhecida por sua fotografia, do craque Bruno Polidoro, e por sua direção de arte (Gabriela Burck).

Há que se registrar aqui que Polidoro concorreu com ele mesmo, pois assinou as imagens de outros dois dos cinco concorrentes, “Passaporte Memória” e “Rua do Pescador n° 6”, este filme, um longa documental de Bárbara Paz, fez jus a dois Troféus Kikito, o de melhor trilha musical, para Renato Borghetti, e desenho de som, para Rodrigo Ferrante e André Tadeu. Bárbara, gaúcha de Campo Bom, radicada no eixo Rio-São Paulo, lembrou seu parentesco com Borghetinho, mestre da gaita (sanfona), e o prazer de poder contar com criações melódicas dele na trilha de seu segundo longa (o primeiro foi “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”).

O júri de curta-metragem elegeu “FrutaFizz”, do paulista Kauan Okuma Bueno, como o melhor entre os 12 concorrentes da categoria. Por isso, o filme, protagonizado pelo mineiro Renato “Filmes de Plástico” Novaes, qualificou-se para a primeira edição do IberShorts Award, prêmio oferecido pelo Festival de Málaga, na Espanha, a curtas que falem português ou espanhol.

O prêmio IberShots é fruto de parceria do festival malaguenho com a FesthHome. Esta instituição busca fortalecer os laços culturais entre os países ibero-americanos.

Na trama de “FrutaFizz”, uma simpática comédia memorialística, um empregado de transportadora, em viagem ao interior, visita cidade que marcou sua infância. Ele busca o prazer dos sabores e de espaços guardados em suas memórias afetivas.

Os curtas mais premiados da noite, já que “FrutaFizz” só ganhou o prêmio principal, foram o paraense “Boiuna”, de Adriana de Faria (melhor direção, atriz e fotografia), e “Samba Infinito”, do carioca Leonardo Martinelli. Além do prêmio do Júri Popular, o fecho informal da Trilogia do Rio martinelliana recebeu o Kikito de melhor montagem e direção de arte.

No palco, segurando a bandeira do Pará, Adriana de Faria contou que fôra insultada no tapete vermelho.

E por que?

Por causa do estandarte que carregava “em nome da arte, da cultura e do encantamento de meu estado natal”. Como o vermelho domina a bandeira paraense, quem a ofendeu pensou, decerto, tratar-se de símbolo de algum partido de esquerda. Já no Palácio dos Festivais, a jovem só recebeu aplausos.

O Júri Oficial, o do Público e o da Crítica não coincidiram em suas escolhas. Cada um tomou um rumo. O escolhido dos críticos foi o alagoano “O Mapa em que Estão meus Pés”, de Luciano Pedro Jr. Trata-se de ensaio memorialístico, no qual o jovem cineasta evoca lembranças de seu bisavô.

O júri do Prêmio Canal Brasil escolheu o baiano “Na Volta Eu te Encontro”, de Urânia Munzanzu. Ela recebeu, além de belo e singular troféu, prêmio no valor de R$15 mil e vitrine para exibição de seu filme na programação da emissora.

“Na Volta Eu te Encontro” registra, com  vigor, alegria e humor, a apropriação que o povo da Bahia faz da festa cívica do 2 de Julho. Para os nascidos na terra de Jorge Amado e Caymmi, o Sete de Setembro (de 1822) só se transformou em realidade quando, no dia 2 de julho de 1823, portanto dez meses depois do Grito do Ipiranga, os baianos expulsaram, em definitivo, o colonizador português do solo brasileiro.

Confira os premiados:

LONGA-METRAGEM GAÚCHO

. “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli – melhor filme pelo júri oficial e pelo Júri Popular, menção honrosa para seu “elenco” feminino
. “Uma em Mil”, de Jonatas e Tiago Rubert – melhor direção, roteiro, montagem (Joana Bernardes e Thais Fernandes)
. “Passaporte Memória”, de Décio Antunes – melhor atriz (Lara Tremouroux), melhor ator (Stephane Brodt)
. “Bicho Monstro”, de Germano de Oliveira – melhor fotografia (Bruno Polidoro) e direção de arte (Gabriela Burck)
. “Rua do Pescador n° 6”, de Bárbara Paz – melhor desenho de som (Rodrigo Ferrante e André Tadeu), melhor trilha musical (Renato Borghetti)

CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS

. “FrutaFizz”, de Kauan Okuma Bueno (SP) – melhor filme
. “Boiuna”, de Adriana de Faria (Pará) – melhor direção, melhor atriz (Jhanyffer Santos e Naieme), fotografia (Thiago Pelaes)
. “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli (RJ) – melhor filme pelo Júri Popular, montagem (Lobo Mauro), direção de arte  (Ananias de Caldas e Brian Thurler)
. “Jacaré”, de Victor Quintanilha (RJ) – melhor ator (Pedro Sol Victorino)
. “Réquiem para Moïse”, de Caio Barretto Briso e Susanna Lira (RJ) – melhor roteiro (Ítalo Rocha)
. “As Musas”, de Rosa Fernan (PE) – melhor trilha musical (As Musas)
. “Jeguatá Xirê”, de Alan Alves-Brito, Ana Moura e Marcelo Freire (RS) – melhor desenho de som (Marcelo Freire)
. “Aconteceu à Luz da Lua”, de Crystom Afronário (RS) – Prêmio Especial do Júri
. “O Mapa em que Estão meus Pés”, de Luciano Pedro Jr (AL) – Prêmio da Crítica (Accirs-Abraccine)
.  “Na Volta Eu te Encontro”, de Urânia Munzanzu (BA) – Prêmio Canal Brasil de Curtas
.  “Quando Eu For Grande”, de Mano Cappu (PR) – Menção Honrosa

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