Entre o eterno e o efêmero

Um filho retorna à casa onde cresceu para cuidar da mãe que luta contra uma doença terminal em seus últimos dias de vida. A partir desse arremedo narrativo, Marcus Vinícius Vasconcelos construiu uma animação poética e fragmentada em “Quando os Dias Eram Eternos”. O curta, exibido no Anima Mundi, ganhou os prêmios de melhor filme e trilha sonora no 49º Festival de Brasília e o prêmio Itamaraty no 27º Festival Internacional de Curtas de São Paulo, entre outros.

O primeiro roteiro foi escrito logo após Vasconcelos perder a mãe. Demorou um tempo até conseguir o aporte de R$ 70 mil do Ministério da Cultura para realizá-lo e o cineasta sentiu que o texto não fazia mais sentido. Buscou, assim, reencontrar o filme em estudos visuais, storyboards e animatics. “Foi um processo de garimpar minhas memórias sobre o que vivi durante o tempo em que me dediquei a cuidar da minha mãe. As imagens iam surgindo de forma muito espontânea e ao mesmo tempo eu buscava dar algum sentido, alguma linearidade para tudo que vinha desenhando”, conta Vasconcelos, que no caminho encontrou a dança japonesa Butoh e seu dançarino mais conhecido Kazuo Ohno. “Foi quando entendi que estava reelaborando meu luto, meu entendimento sobre a morte. Acho que a fragmentação do filme reflete esse processo de rememorar”, analisa.

“Quando os Dias Eram Eternos”, realizado ao longo de dois anos, é construído sem diálogos, em preto e sépia, com poucos elementos visuais e movimentos sutis. A animação tradicional 2D, realizada toda no computador, tem apenas 6 quadros/segundo, dando um ritmo mais lento ao filme e reforçando a importância dos traços. No curta, o desenho parece bastante rascunhado, rabiscado, como se em constante refação, com linhas que vibram e uma sonoplastia que remonta ao barulho do lápis no papel. “Meu raciocínio é muito visual e esse é um filme que está intimamente ligado às minhas memórias. Estava interessado em investigar a poética dos movimentos, a força dramática dos movimentos. Esse filme caminha para a morte, o que significa caminhar para a ausência de movimento”, afirma o cineasta, que já começa a desenvolver o roteiro de seu primeiro longa.

A ideia para a forma da animação também veio com o estudo sobre o Butoh, uma dança minimalista, geralmente, composta por um dançarino pintado de branco que se movimenta sobre um fundo preto. “É o mínimo necessário para se produzir um espetáculo. Busquei traduzir esse raciocínio para a animação. O que há de mais básico no desenho? O traço e o papel, o claro e o escuro. Além disso, queria que o processo obsessivo da animação, que trabalha exaustivamente cada frame, refletisse o processo obsessivo do luto, das memórias tristes que custam a te deixar”, aponta. Por isso, as imagens persistem e traduzem uma sensação de descompasso e impotência. A busca por elementos mínimos apenas te obriga a olhar bem para eles.

 

Por Gabriel Carneiro

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