É Tudo Verdade premia “Cidades Fantasmas”

Deu Salgueiro e Uruguaiana na competição brasileira do 22º Festival de Documentários É Tudo Verdade. Ou seja, duas produções realizadas fora do eixo Rio-São Paulo conquistaram os principais prêmios entregues na noite de sábado, 29 de abril.

O melhor longa brasileiro – “Cidades Fantasmas” – veio do Rio Grande do Sul, Estado de origem do jovem realizador Tyrell Spencer, nascido em Uruguaiana (o nome britânico é herança de um avô). Spencer, de 30 anos, formado graças ao Prouni, registrou a história de quatro cidades fantasmas (Armero, na Colômbia, Epecuén, na Argentina, Humberstone, no Chile e Fordlândia, no Pará brasileiro). E o fez em diálogo com quatro mestres do cinema (o chileno Patrício Guzmán, de quem é admirador confesso, em especial de “Nostalgia da Luz”, o brasileiro Eduardo Coutinho, que o fez chorar ao assistir “Jogo de Cena”, o russo Andrei Tarkowsky e o francês Alain Resnais, com suas imagens labirínticas). E, no terreno da literatura, o gaúcho Spencer confessou-se leitor de Eduardo Galeano, uma de suas fontes de inspiração. O autor de “Veias Abertas da América Latina” o levou a escolher quatro países do subcontinente para ambientar sua primeira (e agora laureada) incursão no longa-metragem.

O gaúcho Tyrell Spencer, diretor de "Cidades Fantasmas" © Maria do Rosário Caetano

O melhor curta brasileiro – “Boca de Fogo” – é uma produção fluminense, mas fez da pernambucana Salgueiro e de seu time de futebol, as razões de sua existência. Um dos integrantes do juri brasileiro, o cineasta Joel Zito Araújo (que dividiu a tarefa com a produtora Daniela Capelato e com o diretor de fotografia Jacques Cheuíche), confessou à Revista de Cinema ter visto “muitos e bons filmes nas mostras internacional, latino-americana e brasileira”. Mas, de tudo que viu, o que mais o encantou foi o curta dirigido por Pérez Fernández, fotografado por Anderson Capuano em belo e potente preto-e-branco.

“Boca de Fogo” contém detalhe que, se contado, rouba do espectador o prazer da descoberta. Joel Zito disse, ainda, à Revista de Cinema que, dos curtas, o que se ambienta no Estádio Salgueirão “é o que realmente tem chances de disputar vaga no Oscar”. Há que se registrar que o curta-metragem que vence o Festival É Tudo Verdade se credencia automaticamente à pre-seleção da Academia de Cinema de Hollywood.

Para não estragar o prazer da descoberta, só dá para adiantar que “Boca de Fogo” narra, em ritmo contagiante e em apenas 7 minutos, a história de jogo entre o Salgueiro e o Cuiabá, numa tarde de clima abrasivo (“sensação térmica de 50 graus”, avisa o locutor). O Estádio Salgueirão recebe torcida, insignificante do ponto de vista numérico, que busca alguma forma de se esconder do sol inclemente. Não vemos a bola rolar. E quase nada saberemos do campeonato que os dois times disputam. Quem realmente dá as cartas e nos cativa são o locutor da partida e seu experiente comentarista, o tal Bola de Fogo.

O júri da Crítica, convocado pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) divergiu do juri oficial premiando dois (igualmente belos) documentários: o média-metragem “A Terceira Margem”, de Fabian Remy, e o curta “Festejo muito Pessoal”.

Com “A Terceira Margem”, o realizador e sua câmara buscam desvendar o passado de um menino branco que foi roubado (e criado) por índios. E o faz na companhia de Thini-á, um índio que deixou a aldeia e foi viver entre os brancos.

Para o Júri Abraccine, o melhor curta foi “Festejo Muito Pessoal”, de Carlos Adriano, merecedor também de menção honrosa do juri oficial. O filme, um sedutor ensaio poético de enxutos 7 minutos, evoca famoso texto escrito por Paulo Emilio Salles Gomes, no ano de sua morte (1977). E o faz com hipnotizante soma de imagens ritmadas por intervenções sonoras das mais inventivas.

Os estrangeiros – o melhor longa internacional – “Comunhão”, de Anna Zanecka – veio da Polônia. O filme acompanha adolescente de 14 anos, que acaba sendo arrimo de família disfuncional: o irmão autista, que ela prepara para receber da poderosa Igreja polonesa, sua primeira comunhão, o pai, que bebe muito, e a mãe, que abandonou sua primeira família, constituiu outra e não tem tempo para os filhos do primeiro casamento. Mesmo assim, e vivendo numa casa com móveis caindo aos pedaços, a adolescente não perde as esperanças de unir seus entes queridos.

O melhor longa latino-americano, categoria criada este ano pelo É Tudo Verdade, foi o chileno “Los Niños”, de Maite Alberdi. No centro das atenções da cineasta, um grupo de downianos, já na faixa dos 50 anos, que sonha encontrar trabalho, formar família e desfrutar de uma vida independente.

O júri oficial estrangeiro (a francesa Anne Georget, a chilena Jennifer Walton e o norte-americano Alexandre O. Philippe) atribuiu Menções Honrosas ao longa sírio-norueguês “O Show da Guerra” (internacional) e ao colombiano “Atentamente”, de Camila Rodriguez Triana (categoria latino-americana).

Na categoria curta internacional, o prêmio principal coube ao holandês “O Cuidador”, de Joost Van der Wiel. Já a menção honrosa ficou com “Polonesa”, de Agnieszka Elnanowska (vinda da Polônia, como a laureada Anna Zamecka).

O Canal Brasil, como faz há vários anos em uma dezenas de festivais, premiou “Se Você Contar”, de Roberta Fernandes, produção do Espírito Santo, com Prêmio Aquisição de Curta-Metragem. Além de troféu, o filme fez jus a R$15 mil.

Veja a lista dos vencedores:

LONGA-METRAGEM

Melhor longa brasileiro: “Cidades Fantasmas”, de Tyrell Spencer (Rio Grande do Sul)

Melhor longa internacional: “Comunhão”, de Anna Zanecka (Polônia)

Melhor longa latino-americano: “Los Niños”, de Maite Alberdi (Chile)

CURTA-METRAGEM

Melhor curta brasileiro: “Boca de Fogo”, de Luciano Pérez Fernández (Pernambuco)

Melhor curta internacional: “O Cuidador”, de Joost Van der Wiel (Holanda)

PRÊMIOS ESPECIAIS

“A Terceira Margem”, de Fabian Remy (MG) – Categoria longa e média-metragem: Prêmio da Crítica (Abraccine- Associação Brasileira de Críticos de Cinema)

“Festejo muito Pessoal”, de Carlos Adriano (São Paulo) – Categoria curta-metragem: Prêmio da Crítica (Abraccine) e Menção honrosa do Júri Oficial

“Se Você Contar”, de Roberta Fernandes (Espírito Santo)– Prêmio Aquisição de Curta-Metragem Canal Brasil (troféu e R$15 mil)

“O Show da Guerra”, de Andreas Dalsgaard & Obaidah Zytoon (Síria-Dinamarca) – Menção honrosa (longa estrangeiro)

“Atentamente”, de Camila Rodriguez Triana (Colômbia) – Menção honrosa (longa latino-americano)

“Polonesa”, de Agnieszka Elnanowska (Polônia) – Menção honrosa de curta-metragem

 

Por Maria do Rosário Caetano

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