A importância das Film Commissions

O cinema foi, no século XXI, a sétima das artes e, atualmente, em seus inúmeros desdobramentos contemporâneos (da televisão aos games), é a primeira das linguagens. É impensável entender o mundo sem o impacto que o audiovisual tem como comunicação cotidiana, presente no dia a dia das pessoas. Celulares que são ao mesmo tempo câmeras de alta definição e ilhas de edição, manipulados por crianças que ainda não dominam a escrita. As redes sociais que organizam a conversa por meio de imagens e sons, pautam a agenda da política, dos movimentos sociais e da economia. O audiovisual é cada vez mais uma linguagem que substitui a fala.

Nesse mundo, não inexistem contradições. O audiovisual é terreno de solidariedade e afetos simbólicos, mas de disputa econômica. A geração de riqueza simbólica é abundante e infinita, mas a econômica é escassa e, portanto, objeto de disputas concorrenciais internacionais, em que se envolvem empresas, governos, entes reguladores. É, por isso, uma economia sempre objeto da atenção geopolítica, em tempos nervosos internacionalmente ainda mais. Governos de países desenvolvidos cuidam do seu audiovisual como de um valioso ativo, assim como entidades supranacionais, como a União Europeia. Tais países percebem esse setor como tão importante que gás, petróleo, porque afetam diretamente a forma como esses países são vistos no mundo. É nesse contexto que surgem os fundos nacionais de apoio ao audiovisual, assim como as Film Commissions. Esta últimas, como as de Nova York, Paris e Colômbia, são instrumentos de promoção da imagem e do capital simbólico de seus países.

Colômbia é um caso extraordinário. Há dez anos, vieram estudar os mecanismos de apoio ao cinema no Brasil e criaram sua própria política audiovisual. Hoje, depois de duas legislações potentes de apoio ao audiovisual e de uma Film Commission nacional facilitadora, o país é referência tanto pelos ingressos vendidos para a produção nacional como em prêmios. Enquanto o país pacifica antigas feridas nacionais (com o tratado de paz com as FARCs) e dá fim a um conflito de quatro décadas, o seu audiovisual ganha voo internacional, consolidando a nova imagem e posição do país.

O audiovisual é indústria complexa, pois alia o econômico ao artístico. Depende de pessoas, talentos, universidades e pujança cultural e intelectual. Trafega na língua falada em cada país e em intensa tecnologia. E seu desenvolvimento, no Brasil e no mundo, vem de longo aprendizado. Países ricos há muito ocuparam espaços no mercado. Países em desenvolvimento, como o Brasil, com menor recursos e capitais, precisam potencializar ainda mais a força e talento de artistas, técnicos bem formados e de bons roteiros. Com capacidade de antever e ocupar espaços futuros.

Quando implantamos a Spcine, visitei a Film Commission da Califórnia, e não me surpreendi ao saber dos altos incentivos públicos para o cinema, dada a preocupação ali com outras Film Commissions dos EUA, que cada vez mais roubam produções da antiga meca do cinema.

Em São Paulo, sabíamos que um ponto fundamental seria regulamentar a Film Commission desssa grande metrópole. Por meio de um decreto regulamentador de 2016, foi estabelecido real poder de autorizar filmagens em grandes avenidas ou bairros pouco filmados, criou-se uma autoridade audiovisual centralizada, estebeleceram-se prazos fixos, condizentes com a realidade da indústria. São Paulo é hoje uma cidade mais aberta ao cinema, um case para o Brasil e para o mundo, com uma equipe competente à frente. São 1.300 filmagens/ano atualmente liberadas. Outros Estados e cidades seguem o mesmo o caminho.

 

Por Alfredo Manevy, professor de cinema e consultor, foi diretor-presidente da Spcine (2015-16) e secretario-executivo do MinC (2008-10)

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