Paulo Nascimento lança dois filmes neste mês

O gaúcho Paulo Nascimento está dando uma guinada em sua vida de cineasta e produtor. Depois de participar de festivais, em especial o de Gramado, ele resolveu eliminar esta vitrine e ir direto para o circuito comercial. Tanto que lançará, com apenas 28 dias de diferença, num mesmo mês, dois longas-metragens: o melodrama “Teu Mundo Não Cabe nos meus Olhos”, protagonizado por Edson Celulari e Soledad Villamil (nesta quinta, 3 de maio), e o thriller fantástico “A Superfície da Sombra”, com seu ator-fetiche Leonardo Machado e inteiramente falado em “portunhol” (em 31 de maio).

De passagem por São Paulo, para divulgar o lançamento de “Teu Mundo Não Cabe nos meu Olhos”(ao lado de Soledad, Celulari e Leonardo Machado), Paulo Nascimento garantiu que a inusitada história que deu origem a este longa-metragem “tem base na realidade”. Do que fala, afinal, o primeiro filme brasileiro de Soledad Villamil, estrela portenha, cantora e musa de Verissimo e de Juan José Campanella, que a dirigiu no oscarizado “O Segredo dos seus Olhos”?

Fala de Vitório (Celulari), um pizzaiolo cego, craque em seu ofício culinário (mantém uma pizzaria no Bexiga paulistano), amante do bilhar e apaixonado pelo Corinthians. Cego desde a infância, ele se sente bem nas sombras. Por insistência da mulher Clarice (papel de Villamil), acaba operando um dos olhos. Se tudo der certo, e ele se adaptar, fará a cirurgia no outro.

Só que o (novo) mundo trazido pelos avanços da medicina não caberá nos olhos do pizzaiolo corintiano. Um tema, convenhamos, que exala anacronismo. Mas Paulo Nascimento garante que não. Que uma integrante de sua equipe prepara tese universitária sobre assunto e deparou-se com dezenas de exemplos de cegos que nasceram nesta condição (ou perderam a capacidade de enxergar ainda crianças) e que preferem continuar assim. Quem sofre com a cegueira – garantiu o cineasta – são aqueles que enxergaram por muitos anos e depois perderam o dom da visão. Será?

“Teu Mundo Não Cabe nos meus Olhos” começa com a parede interna da pizzaria de Vitório coberta de fotos dele em companhia de celebridades, como Toni Ramos, Fernanda Montenegro, Washington Olivetto e o crítico Rubens Ewald Filho. Olivetto, corinthiano como o personagem do (na vida real) palmeirense Edson Celulari, foi essencial para que o filme pudesse usar, à farta, símbolos do Timão (camiseta, cachecóis, bandeiras, escudos). E nada tivesse que pagar a título de direito de imagem. Por que o Corinthians, que não quis ver sua imagem agregada a personagens marginais no filme “Se Deus Vier que Venha Armado” (Luís Dantas, 2014), foi, agora, tão generoso?

Paulo Nascimento tem a resposta na ponta da língua: “porque nosso filme passa imagem positiva do Timão”. Ou seja, está no centro dos mais calorosos e sinceros afetos esportivos de um pizzaiolo cego, que vai ao estádio, acompanhado de parentes e de inseparável radinho de pilha.

Os maiores amigos do pizzaiolo (em “Asa Branca”, Celulari estreou no cinema como jogador de futebol) são o garçom gaúcho  (Leonardo Machado), torcedor do Internacional, mas que veste a camisa do Corinthians para agradar ao patrão. A esposa Clarice e a filha Alícia (Giovana Echeverria), que espera uma bolsa para estudar em universidade norte-americana, vão ao estádio para agradar ao marido e pai.

Protagonista cego, resistente aos avanços da medicina, e ambiente ligado ao futebol. Veneno de bilheteria, não? Afinal, é consenso em nossos meios cinematográficos que o público brasileiro só gosta de futebol no estádio ou na TV. Não em filmes.

Nascimento não se preocupa com a propalada “má fama cinematográfica” do esporte das multidões brasileiras. “Gosto de filmes com temas esportivos, vejo produções norte-americanos sobre mentor e pupilo no baseball. Por que não abordar o futebol em nossos filmes?” E ele mesmo responde: “estou dirigindo uma série, ‘Chuteira Preta‘, sobre o lado B de nossas equipes boleiras e não pretendo abandonar o assunto tão cedo”.

A Superfície da Sombra

O filme será lançado em 100 salas, nas principais cidades brasileiras. E, se o público estranhar sua “pegada”, digamos, anti-científica? O diretor gaúcho e sua equipe parecem tranquilos. Acreditam que “Teu Mundo Não Cabe nos meus Olhos” sensibilizará, em especial, a portadores de deficiência e a seus familiares. Tanto que oferecerão a este segmento da população, sessões com audiodescrição, Libras (Língua Brasileira de Sinais) e LSE (legendas para surdos). Assim, esperam “proporcionar experiência completa aos portadores de deficiências visuais e auditivas”.

Para atender a esta faixa do público, a produtora Accorde Filmes (que somou esforços com a Paris e Globo Filmes) desenvolveu programa digital de audiodescrição e Libras. E contou com a Iguale, responsável pelas legendas descritivas LSE. A audiodescrição tem roteiro de Bell Machado e Marilaine Castro da Costa (esta, a parceira de Paulo Nascimento que estuda o universo dos cegos), consultoria de Felipe Mianes, narração de Marcia Casparye e mixagem de Gabriel Schmidt. A equipe de tradução de Libras é composta por Ângela Russo e Amanda Rocha, com interpretação e revisão de Ângela Russo e montagem de Marcio Papel.

A Iguale, empresa especializada em criação e adaptação de conteúdos para pessoas com algum tipo de deficiência, já adaptou mais de 400 conteúdos nestes formatos, entre filmes, séries e exibições em festivais, como a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e o Festival Internacional de Curtas-Metragens. O espectador tem acesso às versões de acessibilidade através do aplicativo Movie Reading, que faz a sincronia com o filme por meio de tecnologia de reconhecimento de áudio, sem a necessidade de equipamentos específicos ou rede Wi-Fi.

Depois de “Teu Mundo Não Cabe nos meus Olhos”, será a vez de “A Superfície da Sombra”, o thriller fantástico que o realizador gaúcho rodou no extremo sul do país, em duas cidades com o mesmo nome – Chuí (Brasil) e Chuy (Uruguai). No cenário escolhido para apresentar a jornada de um forasteiro (Leonardo Machado), a fronteira vai além dos limites físicos. Português e espanhol se fundem em um só dialeto não-oficial.

“Essa característica linguística, presente em 17 mil quilômetros de divisas no continente sul-americano” – lembra o diretor – “faz da produção o primeiro filme brasileiro totalmente falado em portunhol”.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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