Wagner Moura estreia “Marighella” em Berlim

O ator Wagner Wagner é bem conhecido na Berlinale, pois “Tropa de Elite”, no qual interpretou o Capitão Nascimento, ganhou o Urso de Ouro, láurea máxima do evento germânico. Agora, o ator volta a um dos três maiores festivais do mundo para mostrar “Marighella”, seu primeiro longa-metragem como diretor.

O filme, protagonizado por Seu Jorge e produzido por Fernando Meirelles, será exibido na competição oficial, em sessão nobre, mas não disputará o Urso de Ouro. Estará em posição similar à de “Varda por Agnes”, novo filme da cineasta franco-bela Agnes Varda.

O Festival de Berlim começa na primeira semana de fevereiro (dia 7) e prossegue até dia 17. A estreia de “Marighella” no circuito brasileiro está prevista para 18 de abril. Se tal data for mantida, ele não frequentará o circuito de festivais brasileiros. Toda polêmica que vier a cercá-lo, acontecerá já com o filme em cartaz. Quem conhece o ator (e agora cineasta) sabe que ele é avesso a badalação e a jogar conversa fora. Seu negócio é trabalhar.

Wagner Moura, hoje o ator brasileiro mais conhecido no mundo (graças ao Pablo Escobar que protagonizou duas temporadas de “Narcos”) escolheu para sua estreia como cineasta a trajetória de seu conterrâneo Carlos Marighella (1911 -1969), tema de robusta biografia escrita por Mário Magalhães (“O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, Companhia das Letras, 2012). E por que um militante brasileiro, que abraçou a luta armada, tornou-se tão notável?

Porque ele viveu um tempo convulsivo e trajetória realmente cinematográfica. Mesmo que restem dele, se tanto, dez fotos e nenhuma imagem em movimento. Ainda assim, Carlos Marighella foi tema de vários filmes. Entre eles, “Cine Tract 23”, de Jean-Luc Godard, “On Vos Parle de Brésil”, de Cris Marker, “Marighella”, de Silvio Tendler, e do longa documental “Marighella”, de Isa Grispum Ferraz. E mais: o guerrilheiro baiano viveu, dentro de um cinema, em 1964, cena digna de um grande filme de ação. Ele refugiou-se numa matinê carioca, para fugir de militares que o perseguiam. Não teve jeito. Foi localizado e baleado. O mais incrível: tudo foi documentado por um fotógrafo do Correio da Manhã, que também estava no cinema.

Carlos Marighella era mestiço, filho de pai branco, um anarquista italiano, e mãe negra baiana. Para interpretá-lo, Wagner Moura convidou, primeiro, o rapper Mano Brown. Como o artista desistiu do desafio nas primeiras semanas de filmagem, o “Capitão Nascimento” convocou Seu Jorge, ator (e cantor) que conquistou sucesso internacional como o Mané Galinha de “Cidade de Deus”. A quem estranhou a escolha de um negro para o papel do guerrilheiro mestiço, Wagner explicitou sua proposta: usar o exemplo de resistência e idealismo de seu conterrâneo para motivar crianças e jovens afro-brasileiros.

Na tela, ao lado de Seu Jorge, estará Adriana Esteves, no papel de Clara Sharf, a judia de pele muito clara, que contrariou a família ao unir-se a um militante “não-judeu, preto e comunista” (segundo depoimento dela ao filme de Isa Grispum Ferraz). Como antagonista do guerrilheiro – que morreu fuzilado na Alameda Casa Branca paulistana, aos 58 anos – estará um agente da repressão, interpretado por Bruno Gagliasso (de nome Lúcio).

Em sinopse fornecida pelos produtores do filme selecionado para Berlim, tudo começa em 1969, ou seja, pelo fim. Um ano em que “Marighella não teve tempo pra ter medo. De um lado, uma violenta ditadura militar. Do outro, uma esquerda intimidada. Cercado por guerrilheiros trinta anos mais novos e dispostos a reagir, o líder revolucionário escolheu a ação”.

Completam o elenco, nomes conhecidos como Herson Capri (Jorge Salles), Humberto Carrão (Humberto), Luiz Carlos Vasconcelos (Branco), Ana Paula Bouzas (Maria), Bella Camero (Bella), entre outros. Nos créditos técnicos, estão Adrian Teijido (fotografia), Frederico Pinto (direção de arte), Fátima Toledo (preparadora de elenco), Antonio Pinto (trilha sonora), Verônica Julian (figurinos) e Martin Macías Trujillo (maquiagem).

Wagner Moura declarou, em material de imprensa distribuído pela O2 Filmes, que “Berlim é de longe o meu festival de cinema favorito. Estive lá três vezes, sendo que em uma delas saímos com um Urso de Ouro. Fiquei muito feliz com a forma com que eles receberam meu primeiro filme (como diretor) lá, colocando-o na mostra principal. Berlim é também, de todos os grandes festivais, o mais político. Faz todo sentido que Marighella estreie lá”.

No mesmo material, o ator Seu Jorge comenta: “Marighella é um filme que fala da eterna luta pela liberdade e pelo progresso e das lutas em geral do povo brasileiro – um povo guerreiro e trabalhador, marcado pela superação”. E mais: “estamos trabalhando a beleza e a precisão desse filme, na vontade e no desafio de recontar esta parte da história do Brasil”. Para concluir, ele promete: “Vamos roubar o seu fôlego”.

O material distribuído pela O2 destaca, ainda, que o longa de estreia do cineasta Wagner Moura “conta a história dos últimos anos de Carlos Marighella, guerrilheiro que liderou um dos maiores movimentos de resistência contra a ditadura militar no Brasil. Comandando um bando de jovens guerrilheiros, Marighella tenta divulgar sua luta contra a ditadura para o povo brasileiro, mas a censura desacredita a revolução”.

O ator, e agora cineasta, avisou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que seu filme deve desagradar à direita e, também, à esquerda. O material distribuído pela O2 já sinaliza uma das fontes de possível desagrado dos que se situam, no espectro político, à esquerda: “o principal opositor (de Marighella) é Lúcio, policial que o rotula de inimigo público nº 1”. Um jogo de gato e rato? Aguardemos, pois.

Prossegue o material de imprensa do filme: “Quando o cerco se fecha, o próprio Marighella é emboscado e morto”. Para concluir, em tom libertário (e de curto alcance temporal): ele é assassinado, mas “seus ideais sobrevivem nas ações dos jovens guerrilheiros, que persistem na revolução”.

Num Brasil polarizado como o do tempo presente, “Marighella” chega para colocar nitroglicerina na fogueira e incendiar ânimos. Terá, como poderosa vitrine, um dos maiores festivais do mundo, o de Berlim, cidade de histórico também polarizado, pois parte de seu território ficou, nos pós-Guerra, com a Alemanha Ocidental, e parte com a RDA (República Democrática Alemã, ou Alemanha Oriental).

Seguindo prática estimulada por Fernando Meirelles, que sempre disponibilizou suas impressões sobre as diferentes etapas de realização de seus filmes, os interessados poderão acompanhar (no Instagram, na página @marighella_ofilme) a trajetória da produção de “Marighella”, com locações na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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