Incentivos fiscais ao audiovisual: nova deliberação da ANCINE

Por Fábio de Sá Cesnik e José Maurício Fittipaldi

Foi publicada no dia 14 de junho de 2010 Deliberação da Diretoria Colegiada da ANCINE número 95, trazendo critérios e limitações às negociações entre produtoras e emissoras/programadoras para a coprodução de obras audiovisuais com recursos incentivados. Por seu conteúdo, a DDC promete alterações significativas no cenário das coproduções entre canais de televisão (aberta ou fechada) e produtores independentes para uso dos mecanismos de incentivo previstos nos arts. 1º-A e 3º-A da Lei do Audiovisual e art. 39, X, da MP nº 2.228-01.

Antes de tudo, é preciso contextualizar: a MP estabelece que os benefícios fiscais devem ser aplicados unicamente na produção de obras independentes (obras cujo titular majoritário dos direitos patrimoniais não seja vinculado, direta ou indiretamente, a uma emissora de TV aberta ou operadora de TV fechada), não estabelecendo qualquer outro limite à negociação entre estas e as produtoras independentes para a coprodução de obras audiovisuais.

A DDC nº 95 altera este cenário. Estipula que os rendimentos decorrentes da exploração comercial de obra produzida com recursos incentivados devem conferir à empresa produtora, no mínimo, o percentual (majoritário) correspondente a partição de seus direitos patrimoniais sobre a obra, independente do segmento de mercado e do território. Ficam ainda limitados a cinco anos, a contar da data de assinatura do contrato de distribuição da obra, os direitos de exibição e de exploração comercial da obra cedidos pela empresa produtora à empresa emissora ou programadora.

No mesmo sentido, a Deliberação determina que os direitos patrimoniais relativos a elementos derivados da obra audiovisual, incluindo marcas, personagens, enredo, trilha sonora, entre outros, e as receitas decorrentes da exploração comercial dos mesmos, devem conferir à empresa produtora proponente, no mínimo, o percentual (majoritário) correspondente à partição de direitos patrimoniais sobre a obra.

Aos coprodutores, a DDC nº 95 reserva o direito de estabelecer livremente: (a) remuneração pelo direito de exibição na grade do canal coprodutor; (b) remuneração pelo serviço de distribuição da obra eventualmente prestado pelo canal coprodutor. Mas estabelece outra condição obrigatória: em qualquer caso, a produtora independente deve ter reservados para si os chamados “direitos dirigentes”, decidindo assim sobre a produção de outras temporadas ou remakes.

Diversas questões surgirão a partir de agora, algumas de caráter puramente jurídico, outras próprias da construção de uma política para o desenvolvimento da indústria audiovisual.

As questões de cunho puramente jurídico girarão em torno da extensão do poder regulatório da ANCINE. Poderia a Diretoria Colegiada da ANCINE criar normas que limitam e modificam o conteúdo da legislação que rege a utilização dos incentivos? Seria a Deliberação de Diretoria o ato administrativo correto para estabelecer esse tipo de regulação?

Ao lado das questões mais técnicas, nos parece igualmente relevante indagar se, mesmo válida juridicamente, a Deliberação nº 95 foi uma medida acertada, do ponto de vista regulatório e da estruturação de uma indústria audiovisual no país.

O objetivo da DDC é proteger o produtor independente, mas o resultado pode ser outro. Caberia limitar desta forma a negociação entre produtores e canais de TV quando estamos falando de incentivos fiscais? Corre-se, aqui, o risco de descaracterizar os mecanismos de incentivo, ignorando que, em se tratando de incentivo fiscal, os canais de televisão têm uma importância decisiva: eles escolhem se irão ou não usar o benefício, em especial nos mecanismos previstos pelos arts. 3º-A da Lei do Audiovisual e art. 39 da MP nº 2.228-01.

Em suma, cabe perguntar: será que a ANCINE, a pretexto de proteger os produtores independentes, não acabou os afastando ainda mais do mercado de televisão? Não seria mais adequado o modelo antigo – no qual a ANCINE fazia análise caso a caso de cada negociação –, considerando que cada negócio tem suas particularidades?

Para além das questões negociais, a DDC deixa claro que o modelo regulatório idealizado pela ANCINE é no sentido de ampliar a intervenção estatal no setor. Quais serão as repercussões futuras deste tipo de tratamento para as próprias produtoras independentes? Os recursos incentivados devem ser utilizados da mesma forma que os recursos públicos orçamentários? Afinal: recursos incentivados têm natureza de recurso público?

Sem dúvida alguma a DDC nº 95 é um passo dado pela ANCINE na regulação do setor audiovisual – resta saber se na direção certa. E traz consigo muitas perguntas, cabendo ao setor audiovisual começar a discuti-las.


Fábio de Sá Cesnik e José Maurício Fittipaldi são advogados sócios do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados. Fábio é autor dos livros “Guia do Incentivo à Cultura”, “Projetos Culturais” e “Globalização da Cultura”, e José Maurício é professor do curso de pós-graduação “O Negócio de Televisão” da Faculdade de Comunicação da FAAP-SP e coordenador do curso “Incentivos Fiscais ao Audiovisual” do Centro de Estudos em Mídia, Entretenimento e Cultura – CEMEC.

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