Os primeiros passos da nova ministra da Cultura
Conversamos com a nova ministra da Cultura, Ana de Hollanda, a menos de dois meses no cargo, sobre o novo perfil do ministério deixado por Gil e Juca Ferreira, que já tem alguns aspectos em diferenciação, como a presença das mulheres em cargos de diretoria, como a de Ana Paula Santana para SAv, Claudia Leitão, que assumiu a Secretaria da Economia Criativa, e Marta Porto, na Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural, além de Vera Zaverusha como diretora colegiada da Ancine. “As três mulheres que convidei para os cargos do primeiro escalão são profissionais muito respeitadas e de competências comprovadas em suas respectivas áreas de atuação”, disse a ministra à Revista de CINEMA.
Neste momento a ministra pretende mais ouvir do que falar sobre “políticas públicas”. Sua gestão já teve seus primeiros momentos de polêmica quando desapareceu do site do MinC o selo “Creative Commons”, que licencia, sem pagamento de direito autoral, o uso de criações, as mais diversas, no universo digital, mas a assessoria do ministério assegurou que o selo foi retirado na reforma do site e que já foi anunciada a sua volta. A ministra também tem deixado claro que não vai privilegiar o setor musical, em especial compositores e cantores, setor cultural ao qual está mais ligada.
Para a convulsiva área cinematográfica, por enquanto, ela não estabelecerá diretrizes. Está na fase de “ouvir todos os setores” que compõem a atividade. Os Pontos de Cultura também ocupam lugar nobre nas preocupações de Ana de Hollanda. Ela promete apoiar a rede de mais de 5 mil Pontos já instalados em todos os cantos do país, seja em grandes periferias urbanas, seja em aldeias indígenas, pequenos povoados ou terreiros de religiões afro-brasileiras.
A nova ministra não esconde sua paixão pela cultura popular. Para a solenidade de posse de Dilma Roussef e de seus ministros, Ana de Hollanda vestiu uma criação de Ronaldo Fraga. Do famoso e vistoso estilista mineiro, ela escolheu modelo feito com renda renascença, tradição que artesãs pernambucanas aperfeiçoam há gerações. Por que optaram (ministra e estilista) justo por modelo apresentado na SP Fashion Week? Ana responde: “sou fã do Ronaldo há muito tempo e era normal que eu quisesse um vestido especialmente bonito para ocasião tão rara. Além disso, não nego que o fato de Ronaldo Fraga trabalhar com motivos culturais brasileiros, no caso usando o trabalho de artesãs do Nordeste, pesou na minha escolha”.
Ana de Hollanda tem uma grande bagagem cultural. É compositora e cantora e administradora cultural. É filha de Sérgio Buarque, intelectual conceituado, autor de “Raízes do Brasil”, irmã de Miúcha, Chico e Cristina Buarque, tia das atrizes Sílvia e Luísa Buarque e da cantora Bebel Gilberto. E, por afinidade, tia do ator Chico Diaz e do cantor Carlinhos Brown. Hollanda foi coordenadora de Música do CCSP (Centro Cultural São Paulo), secretária de Cultura do município de Osasco (de 1986 a 1988) e dirigiu a área musical da Funarte, cuidando do resgate do Projeto Pixinguinha, um dos mais bem-sucedidos programas de política pública do país.
Ocupada com múltiplas reuniões de sua nova equipe – algumas têm entrado pelos finais de semana – e com pesada agenda de trabalho, a ministra encontrou tempo para conversar com a Revista de CINEMA sobre a área do Audiovisual e as Indústrias Criativas.
Revista de CINEMA – É pública e notória a divisão verificada no meio cinematográfico brasileiro. Uma parcela quer os recursos do Estado para fomentar projeto “industrial”, centralizado no eixo Rio-SP, grande centro de produção e exibição. Outra parte, que apoiou com vigor as gestões Gil/Juca, defende a descentralização e vê o cinema como espaço de experimentação e ação cultural. A senhora pretende estimular a reformulação dos organismos de fomento ao cinema no Brasil (Ancine e SAv)?
Ana de Hollanda – Eu já comecei a me encontrar com representantes do setor de cinema e as queixas são inúmeras, entre elas destaca-se a questão da descentralização, em contraponto ao fortalecimento das grandes produções. Reconheço a importância das duas coexistirem e de se investir no fomento às produções regionais, inclusive considerando o conteúdo dos canais públicos de TV já existentes e dos que serão abertos. O MinC participa do grupo de Ministérios que está estudando o conteúdo para o Plano Nacional do Ministério das Comunicações. Estou fechando uma agenda, para breve, com representantes de segmentos de documentaristas, cinema de pequeno e médio orçamento, curtas e médias-metragens, etc. Só poderei falar de reformulações depois de conversar com todos os setores e escutar suas sugestões.
Revista de CINEMA – Durante os dois governos Lula, gestores culturais do audiovisual prometeram fomentar a construção de cinemas nas grandes periferias urbanas. O MinC (via Ancine) e o BNDES abriram linhas de crédito e muito pouco foi feito. Criou-se até projeto para atender a cidades pequenas (até 100 mil habitantes). Os resultados também foram insatisfatórios. Depois, veio o projeto “Cinema Perto de Você”. O país dispõe de cinemas em apenas 8% de seus municípios. Mesmo cineclubes, de operacionalização mais simples, estão presentes em apenas 4,2% de nossas cidades. Como mudar essas estatísticas e ampliar a difusão do cinema brasileiro?
Ana de Hollanda – Um dos projetos a que você se refere está contido na Medida Provisória que institui o Programa “Cinema Perto de Você”. Como ele foi assinado pelo Presidente Lula no final de junho de 2010, mas não foi votado em tempo hábil no ano passado, terá que ser encaminhado novamente ao Congresso. Acredito que essa lei tenha tudo para ajudar a equacionar o problema, mas acho que teremos que criar uma campanha para sensibilizar o empresariado local para a ampliação do circuito exibidor em áreas mais necessitadas.
Revista de CINEMA – A senhora escolheu para titular da SAv (Secretaria do Audiovisual) uma advogada, funcionária de carreira do MinC, sem passagem pela produção, distribuição ou exibição cinematográfica. O que a levou a esta escolha?
Ana de Hollanda – Convidei para o cargo de secretária do Audiovisual, Ana Paula Santana, uma pessoa que, mais do que a formação em Direito, trabalha nesta Secretaria há onze anos e conhece profundamente todo processo de produção, distribuição ou exibição cinematográfica, além dos gargalos e demandas do setor. Ela conviveu com vários secretários, aprendeu e se destacou profissionalmente nessa Secretaria a ponto de eu ter recebido cumprimentos pela escolha por parte de muitos dos ex-titulares da SAv. Inclusive de pessoas que estavam sendo cogitadas publicamente para o cargo. Ela lida diretamente com as questões do setor e, pelo tratamento que dá aos profissionais e aos seus projetos, conquistou um apoio quase unânime da classe.
Revista de CINEMA – Sua gestão quer valorizar, como vem fazendo o Governo do Estado do Rio (inspirado em experiência inglesa), a chamada “Economia Criativa”. O MinC até ganhou, em sua nova estrutura, uma Secretaria da Economia Criativa. O que podemos esperar dessa nova pasta em termos de políticas públicas de fomento cultural?
Ana de Hollanda – A Secretaria da Economia Criativa será um organismo com atuação transversal dentro do MinC. Ela foi criada para atender a todos os produtos e serviços relacionados ao conhecimento e à criação. Isso engloba, por exemplo, indústrias criativas como as editoriais, audiovisuais, fonográficas, da moda, do design, da arquitetura, mas também o artesanato, o teatro, o circo, as artes plásticas, a música, etc. Essa secretaria pretende criar metodologias que meçam a economia criativa com maior precisão. Queremos mostrar a força do setor criativo na economia brasileira, o peso do PIB da cultura na economia nacional. Por outro lado, ela visa encontrar caminhos capazes de ajudar o criador artístico a emancipar-se economicamente, de forma que ele passe a sustentar-se regularmente com seu ofício, sua profissão. Para isso, a recém-criada Secretaria da Economia Criativa vai ter que dialogar, é claro, com outros ministérios. Os resultados, em grande parte, só serão sentidos em médio prazo. Mas sua função atual é estratégica.