À procura do lamem perfeito
Finalmente chega ao mercado de DVD brasileiro um dos maiores sucessos do cinema japonês no ocidente: “Tampopo – Os Brutos Também Comem Spaghetti” (1986), pela Cult Classics. O longa de Juzo Itami é uma comédia que gira em torno dos costumes e hábitos alimentares dos japoneses, usando muito da linguagem dos filmes norte-americanos. Protagonizado pela esposa do diretor, Nobuko Miyamoto, e com Tsutomu Yamazaki e Ken Watanabe – que ficou famoso mundialmente com “O Último Samurai” –, “Tampopo” conta a história da dona de uma casa de lamem que, ao se defrontar com um forasteiro, resolve aprimorar sua técnica e fazer o melhor macarrão lamem da região.
Itami era um diretor-roteirista que partia sempre de observações do cotidiano, buscando entender os costumes nipônicos através de suas comédias, muitas vezes satíricas – desde sua estreia em “O Funeral”, de 1984, até sua despedida em “Marutai no Onna” (1997), o que o fez se tornar sinônimo de público no Ocidente, o primeiro após Akira Kurosawa. Em “Tampopo”, todas as situações partem da gastronomia e se relacionam com ela. Para construir tal fábula, Itami utilizou diversas referências metalinguísticas, como o cinema mudo. Na primeira cena, ele já ganha o espectador cinéfilo ao colocar um gangster ameaçando um sujeito, dentro do cinema, que comia um pacote de batatas fritas em alto volume – tristemente, a cena não poderia ser mais atual; e isso porque nem havia celular na época. Outra grande influência é o faroeste – ele mesmo definia o filme como um “western noodle”, parodiando a vertente italiana do gênero tipicamente norte-americano. A relação com o faroeste também explica o subtítulo nacional, uma brincadeira com o filme “Os Brutos Também Amam”, de George Stevens.
As referências não parecem gratuitas. Juzo Itami nasceu e cresceu no cinema. Filho do diretor e roteirista Mansaku Itami, Juzo trabalhou muito como ator, entre os anos 1960 e 1980, inclusive em filmes americanos, como “55 Dias em Pequim” (1963), de Nicholas Ray. Começou a dirigir apenas em 1984, e fez 10 longas, como “A Arte da Extorsão” (1993). Foi também um dos mentores de Kiyoshi Kurosawa (sem parentesco com Akira), notável diretor contemporâneo. A morte de Itami, aos 64 anos, em 1997, até hoje é muito mal explicada: a versão oficial é suicídio, mas cogita-se assassinato, uma vez que era perseguido pela Yakuza.
“Tampopo” tem uma estrutura narrativa muito curiosa, o que talvez seja seu principal atributo. Mesmo que o foco seja a dona da casa de lamem e a transformação de sua culinária, o filme se permite devaneios, passeios com a câmera, acompanhando personagens que não parecem ter importância alguma para história, mas que completam um panorama dos costumes japoneses, em quase esquetes cômicas, caso de quando dois amantes usam a comida como forma de excitação sexual. O curioso em “Tampopo” é que a comédia não busca fazer o espectador gargalhar, pois ela é fruto de um estranhamento com as situações absurdas, que lembram inclusive o cinema de Luis Buñuel, o que garante um sorriso constante.Por Gabriel Carneiro