A receita antes do bolo
Greg Mottola começou no cinema com o pé direito. Depois de estrear na telona com um drama familiar independente (“Um Dia em Nova York”, 1996), Mottola dedicar-se-ia à TV e, com a série “Undeclared” (2001-2002), de Judd Apatow (“O Virgem de 40 Anos” e “Ligeiramente Grávidos”), entraria para um grupo então nascente de atores, roteiristas e diretores que anos mais tarde assinariam as melhores comédias americanas em algum tempo. Uma dessas viria em 2007. Com roteiro de Seth Rogen e Evan Goldberg, “Superbad”, uma história sobre o valor da amizade, fazia, como bem disse Francis Vogner dos Reis, uma “arqueologia da experiência adolescente sobre o prazer e o ilícito”. “Adventureland” (2009) viria em seguida. Desta vez com Mottola assinando o roteiro e lançando seu olhar mais uma vez sobre a classe média adolescente suburbana dos EUA e as angústias comuns de quem parece estar na iminência de cair no mundo, embora em um retrato de tons menores e bem mais melancólico. É bem curioso, pois a trajetória de Mottola indica obras cuja autoria não deve ser buscada na direção, mas no roteiro, em um projeto estético e narrativo anterior ao set de filmagem. Isto ainda vale para este seu quarto longa, “Paul”, escrito pela dupla de comediantes ingleses Simon Pegg e Nick Frost.
“Paul” nos conta a história de dois nerds ingleses, Graeme (Simon Pegg) e Clive (Nick Frost) que embarcam em sua viagem de sonho. O destino? A Comic-Con, em San Diego, EUA, a maior feira relacionada a games e revistas em quadrinhos do mundo. Graeme e Clive são o que em inglês chamamos de “fan boys”, e se parecem bastante com os adolescentes de “Adventureland” e “Superbab”, entre uma inocência quase infantil e o senso de responsabilidade da vida adulta. A viagem, no entanto, não se restringiria a Comic-Con. A dupla aluga um enorme trailer e pega a estrada, com paradas estratégicas em lugares como Roswell, entre outros espaços em que supostamente ocorreram contatos imediatos de terceiro grau. Em plena Área 51, eles esbarram em Paul, um inteligente e irônico alienígena que está tentando voltar para seu planeta. Ao longo do caminho, o trio será perseguido por misteriosos homens de preto (Jason Bateman, Joe Lo Truglio e Bill Hader) e encontrarão a religiosa Ruth Buggs (Kristen Wiig), para quem a existência de um extraterrestre representa um desafio considerável para o criacionismo.
Logo vem à mente os filmes “Todo Mundo Quase Morto” (2005) e “Chumbo Grosso” (2007), ambos estrelados e escritos por Simon Pegg e Nick Frost, cada um satirizando um gênero cinematográfico (zombies e policial, respectivamente). “Paul”, como seus pares, trabalha um enorme manancial de referências. Algumas até mesmo os mais desatentos perceberão (os homens de preto, Sigourney Weaver, Steven Spielberg, etc.), e outras tantas são destinadas aos iniciados (como o final do longa). “Todo Mundo Quase Morto” e “Chumbo Grosso”, no entanto, foram dirigidos por Edgar Wright. E “Paul” parece talvez sentir falta de sua presença. Pois, ao contrário dos outros dois filmes, este novo longa parece por vezes contentar-se em fazer referências, jamais se decidindo entre a paródia e a reverência pura e simples.
É possível identificar ao longo do filme certas armações e estratégias narrativas recentemente consagradas pelas comédias de Judd Apatow e sua turma. Mottola, como dissemos, faz parte dela. No entanto, essas armações e estratégias (a entrada definitiva no mundo adulto; o valor da amizade masculina; a comédia física e politicamente incorreta) parecem por vezes bula de remédio, visam uma pré-suposta eficiência. É como se a receita se sobrepusesse ao bolo. Os atores, é preciso dizer, são o grande destaque de “Paul”– embora Paul, sempre previsível na voz e gestual de Seth Rogen, não me pareça alienígena o suficiente –, da dupla protagonista a Bill Hader, e, em especial, Kristen Wiig, talvez a melhor comediante em atividade hoje .
Eles dão vida a personagens curiosos que o filme, no entanto, em favor da manutenção de um ritmo narrativo irredutivelmente acelerado e da metralhadora de piadas, não explora a contento. Eles parecem sempre acorrentados às necessidades didáticas do roteiro de nunca deixar brechas. É estranho: “Paul” não parece lá muito interessado em seus personagens.
Paul (EUA/Reino Unido, 2011)
Direção: Greg Mottola
Distribuição: Paramount
Por Julio Bezerra