Complexa aproximação

Amos Gitai é o cineasta israelense mais conhecido no Brasil. Parte significativa de sua obra foi exibida tanto Mostra de Cinema de São Paulo quanto no Festival de Cinema Judaico, eventos que se estabeleceram no calendário cultural paulistano. Diretor dos cultuados “Kadosh”, “Kip­pur” e “Free Zone”, destaca-se principalmente por se situar na contracorrente do lobby judaico de Hollywood e exibir um cinema que pendula entre questões de conteúdo crítico da sociedade israelense e dramas existenciais com acento na representação de personagens femininos.

Esse é o caso de “Aproximação” (2007), disponível agora em DVD pela Imovision. Aqui, o ponto de vista político se faz presente com a desocupação de um assentamento judaico na Faixa de Gaza. Para isso, serviu-lhe de inspiração um episódio que ocorreu de fato em 2005. Já o drama pessoal é expresso pelo encontro de Uli (Liron Levo) e Anna (Juliette Binoche). Israelense, judeu e membro do Exército, ele é seu irmão adotivo que vai à França velar o corpo do pai. Ao tomarem ciência do testamento do pai, ambos ficam sabendo que seus bens seriam herdados por uma filha que Anna tivera quando adolescente e que abandonara. A condição para receber a herança é que esta seja comunicada à filha pela própria Anna. A filha de Anna, contudo, mora no assentamento a ser desocupado com a participação de Uli.

Após o enterro, Uli precisa voltar a Israel e Anna segue com ele para encontrar a filha. Ao chegarem a Israel, contudo, ambos se separam. Ele se integra ao Exército e às forças incumbidas da desocupação; ela, com a colaboração de um amigo dele, tenta encontrar a filha num clima de forte tensão: com a eminência da desocupação, barreiras do Exército impedem a entrada de qualquer estranho no local. “Aproximação”, então, oscila entre sequências documentais dos métodos a serem utilizados na ação e o esforço de Anna para chegar à filha.

Com respeito à questão política, Gitai situa a trama de “Aproximação” num plano que evidencia as dificuldades de diálogo na região. O Exército prepara-se para uma ação que no limite implica no uso de força física contra os próprios judeus estabelecidos no Kibutz. Embora sejam feitos esforços para que isso não aconteça, o diálogo é vão. O que se vê, bem explicitado com a presença de palestinos do outro lado da cerca do Kibutz, são sinais de que a força de lei se impõe com resistência. Portanto, não se trata de pensar que, no sentido mais amplo, haja de fato uma aproximação. Gitai, com isso, se não apresenta uma visão pessimista, revela a enorme complexidade pela presença de judeus na Faixa de Gaza.

Ocorre que fazer valer acordos no plano político implica em perdas pessoais, e Gitai não é imune aos dramas que delas decorrem. Anna se aproxima da filha para no mesmo instante dela se separar. A herança, que ao final é rejeitada pela filha, revela-se no fundo um pretexto para Anna expiar sua culpa. Gitai, com isso, espelha o conflito político no drama pessoal: a complexidade das relações humanas trai o desejo de aproximação.

Por Humberto Pereira da Silva