O mundo de aventuras de Helvécio Ratton

Em finalização de seu oitavo longa-metragem, “O Segredo dos Diamantes”, sobre Ângelo, um garoto de 14 anos, que, ao lado de dois amigos, procura um tesouro de diamantes do século 18 para salvar a vida do pai, que sofreu um grave acidente, o cineasta mineiro Helvécio Ratton retorna a um tipo de filme que lhe levou à fama: a aventura infanto-juvenil.

Curiosamente, a gênese do filme remonta ao seu primeiro longa e primeira aventura infanto-juvenil, “A Dança dos Bonecos” (1986). “Quando estava filmando ‘A Dança dos Bonecos’ em Diamantina/MG, ouvi uma história da boca de um homem que passou a vida inteira atrás de um tesouro de diamantes e foi essa história que desencadeou minha imaginação. Desde criança, ouço histórias assim e uma vez quase derrubamos a casa de minha avó em São João Del Rei atrás de um tesouro. A verdade é que havia muito ouro e pedras preciosas por aqui e muita gente escondia aquilo que achava”, comenta Ratton, que tem Monteiro Lobato, Mark Twain, Julio Verne, Conan Doyle, Robert Stevenson, entre outros, como referências no filme.

Helvécio Ratton tem um papel importante por sua ousadia de colocar no cinema brasileiro filmes para jovens e crianças. © Estevam Avellar

Cinema de gênero

Filmes de aventura são geralmente associados ao cinema de gênero, por ter certas estruturas pré-concebidas, e ser feito com forte cunho popular. Não à toa, é raro vê-los em nossa cinematografia, já que a cultura cinematográfica brasileira geralmente demonstra grande preconceito com esse fazer cinema. “O cinema brasileiro carece de filmes que dialoguem com os espectadores em todos os gêneros. Filmes de aventura sempre atraíram o público e temos ótimas histórias aqui, tanto adultas quanto infantis, basta olhar para nossa literatura. O que não temos é o costume de fazer filmes assim, parece que não sabemos, ou melhor, que não podemos, como se houvesse uma interdição. Esse raciocínio equivocado leva a um estreitamento da temática do cinema brasileiro, a uma repetição cíclica daquilo que supostamente dá certo. Acho que estamos vivendo um momento no cinema brasileiro em que temos que alargar nosso horizonte criativo e perder de vez o medo e o preconceito de lidar com certos gêneros. A atração pela aventura, pelo mistério, pelo acaso, está no DNA do homem, seja criança ou adulto, e por isso bate forte na tela. O que temos de encontrar é uma forma própria, a nossa linguagem para filmes assim”, aponta Helvécio Ratton, que já transitou por vários gêneros em sua carreira, do drama político em “Batismo de Sangue” (2004) ao documentário em “O Mineiro e o Queijo” (2011), à comédia dramática “Amor & Cia” (1998), entre outros, sem falar nos juvenis, como “O Menino Maluquinho” (1995). “A ideia de ‘O Segredo dos Diamantes’ é colocar conteúdo brasileiro em um tipo de narrativa dominado pelos filmes estrangeiros”, complementa.

Outro gosto de Ratton é fazer filmes voltados ao público infanto-juvenil; gosto esse que nasceu com a irritação que tinha com a qualidade do produto enlatado similar que assistia ao levar as filhas para o cinema. “Minha vontade de contar no cinema histórias infanto-juvenis bem filmadas e com sotaque brasileiro nasceu daí, filmes que mexessem com a inteligência, com a emoção desse público e que, ao mesmo tempo, fizessem parte de seu universo cultural. A verdade é que me divirto muito, é algo que me faz viajar no tempo, me sentir garoto outra vez, juntar realidade e fantasia”, conta.

E apostar no cinema de gênero, na aventura infanto-juvenil, é pensar sempre no público. “Em todos os meus filmes há este desejo de falar para o público, de conquistar espectadores que frequentam as salas de cinema. Penso que o cinema é uma arte cara demais para servir apenas a impulsos narcisistas e não consigo deixar de pensar que produzimos filmes com dinheiro público”, explica.

A questão, parece, é tentar definir nos dias de hoje o que é exatamente um cinema popular e como chegar de fato ao público. “Jamais teremos um cinema forte, em termos artísticos e econômicos, se este cinema não for popular. Mas aí batemos de frente numa barreira que é o fato de não termos um circuito popular de salas de cinema. De que adianta buscar um cinema popular se filmes feitos com essa intenção não terão como encontrar seu público? O caminho para um cinema popular brasileiro passa pela produção de filmes e também pela criação de mais salas no interior do país e nos bairros populares das grandes cidades. A ascensão econômica das classes C e D ainda não levou a mudanças expressivas no perfil da exibição e da produção de cinema no Brasil”, pontua.

Trabalhando com crianças e em Minas

“O Segredo dos Diamantes” é protagonizado por três adolescentes, Mateus Abreu, Rachel Pimentel e Alberto Gouveia, encontrados após muitos testes realizados pela equipe em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Helvécio Ratton, que já revelou Samuel Costa, em “O Menino Maluquinho”, entre outros garotos, gosta do desafio. “Trabalhar com atores não profissionais exige sempre um cuidado maior e uma delicadeza por parte de toda a equipe. É preciso criar um clima descontraído no set para evitar que os garotos fiquem tensos no momento de rodar. Em ‘O Segredo dos Diamantes’, contei com a colaboração altamente profissional da Silvana Mateussi, que cuidou da preparação do elenco juvenil. Antes do início das filmagens, estabeleci com ela nosso método de trabalho, o que esperava de cada garoto/personagem e como deveríamos atuar no set”, explica Ratton seu método de trabalho com o elenco, que ainda conta com Dira Paes e Rui Resende entre os veteranos.

O diretor Helvécio Ratton orienta os garotos Rachel Pimentel e Matheus Abreu, nas filmagens de “O Segredo dos Diamantes”. © Bianca Aun

Rodado com R$ 3 milhões, em cidades do interior mineiro, tendo como principal locação a cidade do Serro e seus arredores, como Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras, “O Segredo dos Diamantes” se passa em uma região de pedras, onde foram achados muito ouro e diamantes, tendo como princípio norteador de que partiriam do cartão postal e, na medida em que a história avança, entrariam com os garotos no avesso da cidade, nos fundos, nos porões. “A escolha das locações para mim é fundamental; às vezes são elas que inspiram a própria história. Quando fiz ‘A Dança dos Bonecos’, a ideia surgiu depois que conheci a cidade de Biribiri, perto de Diamantina”, relata.

Muito por conta disso, Helvécio Ratton continua filmando em Minas Gerais. “É um lugar de ótimas locações, paisagens diversas, cidades antigas e modernas, e um custo de produção menor que Rio e São Paulo. Este é o lado objetivo de ter feito aqui a maior parte dos meus filmes. No subjetivo, acabei descobrindo como a cultura produzida aqui era importante para mim, como fazia parte da minha visão do mundo. O complicado num país como o Brasil é que tudo o que é feito fora do eixo Rio-São Paulo é visto como regional, ao passo que uma produção paulista ou carioca, por mais local e provinciana que seja, se torna nacional. Isso tem a ver diretamente com a concentração da mídia nesses estados”, pontua o diretor, natural de Divinópolis/MG.

Filme digital

“O primeiro filme em digital a gente nunca esquece”, comenta Ratton, que estreia no suporte com “O Segredo dos Diamantes”. O longa, que conta com fotografia de Lauro Escorel, foi todo rodado com a câmera Alexa, a principal atualmente no mercado, usando o snowflake, um laboratório móvel digital, que possibilita revelar, conferir e preparar de forma apropriada a imagem digital para a pós-produção, no próprio local da filmagem. Por ora, o cineasta só tem elogios ao sistema. “Você tem uma liberdade enorme para rodar o que for preciso, sem a limitação do custo de negativo e de laboratório, o que pode ser importante quando você tem atores adolescentes. Pode rever na hora o que filmou e é possível, inclusive, aplicar no próprio set um primeiro tratamento no material para já ir sentindo a cara do filme. Além disso, quando você filma no interior do Brasil, tem todo o processo de mandar o negativo para o laboratório, que está a muitas horas de distância do set, e ficar esperando o relatório para saber se está tudo bem. Às vezes essa agonia dura três longos dias. Com o digital, você já vê na hora se está tudo bem, pode desproduzir uma locação, por exemplo, e trabalha com muito mais segurança”, comenta Ratton, que acha que dificilmente voltará à película.

Enquanto finaliza “O Segredo dos Diamantes”, previsto para chegar aos cinemas em 2013, mas sem distribuidor ainda, Ratton já pensa no próximo projeto, uma mistura de documentário e ficção em torno da obra do escritor Murilo Rubião. “Quero filmar alguns contos dele e ao mesmo tempo investigar seu processo de criação, esmiuçar o universo dele. A ideia é produzirmos esse docudrama antes de partirmos para mais um longa de ficção”, conclui.

 

Por Gabriel Carneiro

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