A sustentabilidade do mercado cinematográfico

Bruno Wainer é um distribuidor atrevido e é quem mais se arrisca na distribuição de filmes brasileiros. Sua distribuidora, a Downtown Filmes, é dedicada 100% ao cinema nacional. Mas sua ousadia deu resultado ao associar-se, no ano passado, com a Paris Filmes, com lançamentos de comédias que fizeram a grande audiência, entre elas “Até que a Sorte nos Separe” e “E Aí… Comeu?”. Seus lançamentos, que incluíram seis dos sete filmes nacionais de maior audiência, no final de 2012, conquistaram 65% das bilheterias. Mas o cinema brasileiro anda perdendo público e está cada vez mais difícil produzir filmes de sucesso fora das comédias.

Em entrevista à Revista de CINEMA, Bruno esboça explicações para a baixa taxa de market share da produção nacional em 2012, que ficou em torno de 10%, lamenta os “anacronismos” do modelo brasileiro, “baseado em editais e não em financiamentos automáticos e meritocráticos”, e atribuiu parte da culpa às forças que “criticam as comédias” capazes de mobilizar milhões de espectadores. “Nosso inimigo mais perigoso somos nós mesmos”.

Revista de CINEMA – Por que, no ano passado, não atingimos nem 11% do nosso mercado? Os mecanismos de fomento mostram esgotamento?
Bruno Wainer – Os modelos de financiamento baseados em editais, comissões julgadoras etc. são anacrônicos. Para ocupar mais market share, seria preciso que os mecanismos de financiamento fossem automáticos e meritocráticos, como se dá nos países que têm market share expressivo. Isto é de uma obviedade ululante. E é irritante o tempo que estamos perdendo.

Revista de CINEMA – Por que não conseguimos, depois de 2003, passar dos 21% de market share?
Bruno Wainer – Eu já respondi a esta pergunta mais de 100 vezes. Respondo de novo. Porque dos 80/100 filmes produzidos por ano, só 8/10 (com boa vontade) almejam de verdade vender ingresso. A imensa maioria do que se produz aqui não tem compromisso com venda de ingresso. Isso é consequência da maioria das linhas de financiamento existentes. Mas isso está mudando.

Revista de CINEMA – Que conquistas a presença de distribuidoras brasileiras (Down­town, Paris etc.), cada vez mais fortes, trará para o cinema brasileiro em seu diálogo com o público?
Bruno Wainer – Toda cinematografia local forte, tem seu modelo estratégico baseado em distribuidoras locais fortes. É assim na França, Coréia do Sul, Japão, Índia e até na Turquia. Entre as distribuidoras ditas nacionais, a Downtown é especial, pois é a única dedicada 100% ao cinema nacional. Ela paga suas contas com resultado gerado exclusivamente por filmes nacionais, diferentemente de todas as outras distribuidoras (majors e independentes) que têm seu negócio principal montado na exploração comercial do filme estrangeiro. Mas as independentes já sacaram (e a Paris sacou antes das outras) que cinema nacional pode ser uma alternativa ainda melhor que filme independente estrangeiro, que não tem um fornecimento confiável de títulos fortes, por isso elas buscam cada vez mais fazer negócio com filme nacional.

Revista de CINEMA – Uma cinematografia que quer ganhar força comercial pode viver só de um gênero, comédia, por exemplo?
Bruno Wainer – A comédia brasileira só está chamando a atenção, porque é o primeiro gênero totalmente profissionalizado, pelas seguintes razões: comediantes e roteiristas muito competentes e talentosos, treinados em outras mídias, teatro, sobretudo (e não TV como certa imprensa ignorante quer fazer crer), diretores e produtores super profissionais, e orçamentos adequados às fontes de financiamento. Mas o público brasileiro gosta de outros gêneros tanto quanto a comédia – é só ver o ranking: nos top 5 tem “Tropa de Elite 2”, “Dois Filhos de Francisco” e “Nosso Lar”. Acontece que os autores desses outros gêneros não podem se exercitar nem no teatro nem na TV (o que acontece raramente) e os orçamentos são mais caros, por isso não há fornecimento regular.

Revista de CINEMA – Você vê no filme que dialoga com a MPB um filão capaz de atrair público qualificado? Ou não temos elementos que confirmem esta “intuição”?
Bruno Wainer – Aposto nas “bios” de ídolos da MPB, porque intuo que podem atingir um vasto público e não somente um público qualificado.

Revista de CINEMA – Por que a Paris Filmes está se destacando tanto no mercado brasileiro? Por estabelecer boas parcerias? Por tino para os negócios?
Bruno Wainer – A Paris está se destacando porque se associou à Downtown e o Márcio Fraccaroli, à frente da empresa, aprende rápido. Em 2011, os dois maiores sucessos do ano, “De Pernas pro Ar” e “Cilada.com”, foram filmes em que a Downtown foi a principal distribuidora, e a Paris, a codistribuidora, convidada por mim. Em 2012, as duas maiores bilheterias “Até que a Sorte nos Separe” e “E Aí… Comeu?”, foram filmes em que a Paris foi a distribuidora principal e a Downtown a codistribuidora, retribuição do Márcio. Mas se você for notar a ficha técnica dos dois filmes de 2012, verá que, em “Até que a Sorte nos Separe”, o diretor e o roteirista são os mesmos de “De Pernas pro Ar”, e que no “E Aí… Comeu?” o produtor e o talento principal (Casé e Bruno Mazzeo) são os mesmos de “Cilada.com”.

E não se esqueça que a Downtown investiu em outros gêneros como “Xingu” e “Gonzaga de Pai pra Filho”, sendo que este último vendeu 1,5 milhão de ingressos e foi quarta maior bilheteria do ano. Em 2013, a Downtown é a distribuidora principal “De Pernas pro Ar 2”, de novo tendo a Paris como codistribuidora, um filme de 5 milhões de ingressos.

A verdade é que a Paris, atualmente, é a mais importante distribuidora independente de filmes estrangeiros e com seu atual poder financeiro, tecnicamente, não precisava estar associada à Downtown para se desenvolver no cinema nacional. Há pouco tempo, perguntei ao Márcio por que ele estimulava essa aliança já que a Paris poderia ir sozinha ficando com todas as receitas para si. Ele me respondeu que preferia me ter como parceiro do que como concorrente, e era melhor ter menos de muito do que muito de pouco. Provou ser um empresário de visão. E, com isso, essa parceria alcançou mais de 65% do market share do cinema nacional de 2012 com quase 9,5 milhões de ingressos vendidos.

Mas, diante da sua pergunta, parece que ainda não está claro para todos que, a partir de 2012, a Down­town e a Paris resolveram unificar seus line-ups dos filmes nacionais. Correto é dizer que esta aliança está se destacando no cinema nacional. Juntamos expertises e capacidade de investimento. Esse é um negócio concentrado, e quanto mais concentração, mais possibilidade de êxito. Demonstramos isso, costurando essa aliança, que envolve outros top players – Downtown, Paris, Globo Filmes, Riofilme e Telecine. Se as fontes de financiamento forem azeitadas, privilegiando o mérito (a Riofilme partiu na frente esse ano), temos a chance de criar uma empresa com força para enfrentar qualquer major e sonhar em vender mais de 25 milhões de ingressos por ano, com filmes de todos os gêneros, mas tendo em comum a busca pela comunicação com o grande público.

Revista de CINEMA – Como você vê o quadro em 2013? Há prenúncios de uma taxa de ocupação mais significativa?
Bruno Wainer – O ano de 2013 vai ser melhor que 2012 sem dúvida. Já começamos com um único filme vendendo quase 1/3 do que foi vendido durante todo o 2012. Mas ainda não temos um modelo sustentável. Os filmes competitivos poderão aumentar um pouco mais, mas ao final ficarão ali pelos 12 títulos, o que é ridículo, quando se produz mais de 80 filmes nacionais por ano e diante da importação de mais de 300 filmes estrangeiros, a maioria produzida em Hollywood. A verdade é que existe um potencial enorme de ocupação de mercado, dezenas de projetos de potencial incrível. Só a aliança Downtown-Paris está envolvida em mais de 50 projetos, todos de alto potencial popular, e de todos os gêneros. E se os mecanismos de financiamento passarem a valorizar o mérito, reconhecerem quem tem relevância, tanto do ponto de vista artístico quanto comercial, quando as linhas de financiamento automáticas forem implantadas, vamos finalmente explodir.

Mas quando vejo a proliferação de debates opondo “De Pernas pro Ar 2” e “O Som ao Redor”, os dois sendo filmes de sucesso cada um na sua seara e nem um pouco excludentes, quando vejo o esforço sistemático para diminuir o feito das comédias nacionais, levando milhões aos cinemas para assistir a filmes nacionais ao invés de filmes made in Hollywood, com argumentos preconceituosos e ignorantes (me refiro às análises que caracterizam esses filmes como subprodutos televisivos), me convenço de que o inimigo mais perigoso somos nós mesmos.

 

Por Maria do Rosário Caetano

2 thoughts on “A sustentabilidade do mercado cinematográfico

  • 17 de abril de 2013 em 17:41
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    Bela matéria.Peço ao Bruno,meu companheiro de sets,hoje gde distribuidor,que mande os filmes para outras praças,estou morando em Montes Claros,minha terra natal, e os filmes,só os da Grobo,não chegam as salas daqui.Oxalá minha sugestão seja acolhida. abs.

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  • 18 de abril de 2013 em 16:40
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    Anacronismo e meritocráticos? Essa cara tá doidão? Críticas as comédias? Não se há críticas as comédias, o que há é uma crítica a um modelo e formato de filmes estabelecidos no Brasil, no qual esse Senhor se apodera. É um grande cínico carregar a bandeira de “dedicado 100% ao cinema nacional”, e por acaso esses mesmo filmes que ele chama de anacrônicos também não são voltados “100%” ao cinema nacional? Há várias maneiras de se fazer humor, e nós, simpatizantes do “anacronismo”, estamos fartos desse humor apelativo e caricato, desses a TV está cheio. De modo que se há hoje os “anacrônicos”, esse senhor faz parte do que poderíamos chamar de “mais do mesmo”.

    Resposta

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