Dos medos e das solidões

Se em seu segundo longa, “Mãe e Filha”, o cearense Petrus Cariry se inspirou numa notícia de jornal sobre uma mulher que carregava o filho morto de um hospital para casa, o ponto de partida para o seu terceiro longa foi bem diferente. Para “Clarisse (Ou Alguma Coisa sobre Nós Dois)”, ele partiu da obsessão por uma imagem surrealista que não lhe saía da cabeça: uma vara de porcos sai pela porta de uma casa, enquanto uma mulher entra por ela toda coberta de sangue.

Veio daí a história da moça que volta de Fortaleza para a casa do pai moribundo para visitá-lo, descobre segredos de infância envolvendo um irmão que morreu e mergulha num turbilhão emocional. Petrus desenvolve aí uma combinação rara no cinema brasileiro: a de um cinema de horror, de clima tenso e claustrofóbico, com um certo cinema existencial. “A gente acaba somando muitas referências. Este filme tem muito de Buñuel, de Bergman. Mas eu seria injusto se não incluísse igualmente John Carpenter ou os filmes de terror japonês”, diz o diretor de 37 anos, de curtas premiados como “Dos Restos e das Solidões” (2006) e “O Som do Tempo” (2010), que estreou em longas-metragens com o aclamado “O Grão” (2007).

Imagens do inconsciente

Para Petrus, “Clarisse” é o encerramento de uma trilogia da morte, mas vista por seu olhar muito pessoal. “A morte aqui é relacionada ao círculo da vida, o fechamento de um ciclo. Clarisse começa a sangrar, mas esse sangue de alguma forma significa a vida”, explica ele. Em seus filmes, gravitam sempre os fantasmas que brotam do seu inconsciente: a criança morta em “Mãe e Filha”, um irmão morto no novo filme.

Para a protagonista, Petrus escolheu a paulista Sabrina Greve, que surgiu no cinema em 2001 como a protagonista de “Uma Vida em Segredo”, de Suzana Amaral. Petrus a escolheu depois de vê-la no curta de terror “O Duplo”, de Juliana Rojas – cineasta com quem ele compartilha o gosto pelo insólito. “A máscara do rosto dela me interessou de cara”, conta. No papel do pai, trabalha pela primeira vez com o paraibano Everaldo Pontes, o São Jerônimo de Julio Bressane, presença constante nos últimos anos em filmes como “Abril Despedaçado”, “Sudoeste” e “Os Pobres Diabos”, longa mais recente do pai de Petrus, Rosemberg Cariry.

Se em “Mãe e Filha” a locação explorada foi a cidade-fantasma de Cococi, a pouco mais de 400 quilômetros de Fortaleza, agora Petrus fecha o seu foco em uma cabana de madeira no meio do mato em Maranguape, a apenas 30 quilômetros da capital – a locação tem mesmo uma vista para as luzes de Fortaleza. Se no longa anterior o processo foi rápido – duas semanas de filmagem –, em “Clarisse” foram cinco semanas, após 15 dias de preparação do elenco.

“Clarisse” deveria ser o segundo longa de Petrus, mas ele sabia que só poderia realizá-lo com o orçamento certo (um BO de R$ 1 milhão). Passou o projeto de “Mãe e Filha” à frente, até conseguir o dinheiro certo para “Clarisse”. Sua meta é aguardar o segundo semestre para tentar incluir o filme na seleção de algum grande festival internacional.

Everaldo Pontes e Verônica Cavalcanti, em “Clarisse”: atuações guiadas pelo peso da existência

 

Opção por um cinema mais radical

Com diversos curtas e três longas numa carreira ainda tão curta, é difícil imaginar que ele se formou em análise de sistemas antes de mergulhar de vez na carreira de cineasta – fruto de certa “pressão da família para estudar algo mais sério”, brinca. Mas a própria influência da família falou mais alto: o menino cresceu em meio à imensa videoteca do pai, viu Rosemberg montar em casa inúmeros de seus filmes e lembra-se de visitar os sets de filmagem do pai quando criança. Aos 12, enfrentou o sol de Santana do Acaraú quando Rosemberg filmava seu primeiro longa de ficção, “A Saga do Guerreiro Alumioso” (1993). Aos 17, acompanhou o pai a Quixadá para as fimagens de “Corisco & Dadá” (1996), um dos marcos da retomada.

Depois de três longas sombrios, seu próximo projeto será mais solar. Petrus roda até o fim do ano “O Barco”, baseado num conto fantástico do escritor cearense Carlos Emílio Corrêa Lima. Na história, um casal que mora numa vila de pescadores tem 23 filhos, cada um batizado com uma letra do alfabeto. A mãe consegue decifrar o futuro a partir deles. Um dia, os filhos trabalham na construção de um barco e A deve partir, mas a mãe não poderá mais saber o futuro se um deles for embora. O desafio é imenso: Petrus pretende rodar todo o longa sem diálogos, aprofundando um cinema radical que é hoje um dos mais instigantes do país.

 

Por Thiago Stivaletti

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