Artista William Kentridge tem seus trabalhos reunidos em exposição

A Pinacoteca de São Paulo apresenta a exposição William Kentridge: Fortuna, incluindo 38 desenhos, 35 filmes e animações, 184 gravuras, 31 esculturas e duas videoinstalações, produzidas pelo renomado artista sul-africano entre 1989 e 2012, incluindo séries inéditas de trabalhos.

Essa é a primeira grande exposição monográfica sobre Kentridge na América do Sul. A mostra, especialmente concebida para o Brasil, chega ao país graças à parceria entre o Instituto Moreira Salles e a Fundação Iberê Camargo, que já receberam a mostra.

A exposição, com curadoria de Lilian Tone, colocará em evidência o processo de criação pouco convencional do artista em seu estúdio, em Johannesburgo. A escolha das obras, portanto, ao contrário de privilegiar um viés temático, destaca a variedade e o vigor da atividade multifacetada do artista, mostrando como seu trabalho se dissemina por contaminação interna, em diferentes escalas e plataformas – desenhos, gravuras, ópera, esculturas, filmes, teatro e performance.

Kentridge alcançou visibilidade internacional com a série de curtas-metragens Drawings for Projection (Desenhos para projeção). Iniciada em 1989 (o filme mais recente, Other Faces, foi finalizado no ano passado), a série constitui, segundo o artista, o alicerce de sua produção.

Todos os dez filmes serão mostrados pela primeira vez em conjunto, acompanhados por 23 desenhos que o artista executou ao preparar os filmes, criando uma oportunidade única para examinar o diálogo entre desenho e filme e o processo de criação das obras. Os filmes têm uma aparência diferente das animações convencionais, devido a uma técnica caseira, inventada por Kentridge, que o artista descreve como “cinema da idade da pedra”. Kentridge filma, quadro por quadro, alterações que faz sobre um único desenho, realizado em carvão ou pastel. Apaga, adiciona, subtrai, acumula, redesenha. O método, marcado por sucessivas mudanças e redefinições, não só se manifesta na percepção da obra como se incorpora à imagem. Na sequência dos desenhos, marcas brutas tornam-se linhas elegantes, que se transformam, com fluidez, em outras imagens.

Na obra de Kentridge, é constante a utilização de objetos cotidianos, muitas vezes itens que o artista tem à mão em seu estúdio: um pote de café ou uma tesoura. Mais do que apenas o espaço de trabalho, dentro de sua obra, o estúdio assume a função de palco, de mise-en-scène e de sujeito, sendo parte de vários trabalhos que estarão na exposição. Para construir sua obra, Kentridge utiliza elementos reais, referências atuais de lugares, situações e eventos. O mais forte desses elementos é a memória social da África do Sul e seu histórico do Apartheid, mais especificamente na cidade de Johannesburgo, onde Kentridge nasceu, vive e trabalha.

A noção de “fortuna”, princípio guiador do processo artístico de Kentridge, e presente no título da exposição, traz o sentido de acaso, de destino, de devir. Segundo o próprio artista, “fortuna é um termo geral que utilizo para essa gama de agenciamentos, algo diverso da fria probabilidade estatística, no entanto fora do âmbito do controle racional”. Em outras palavras, é possível entender esse conceito como um acaso direcionado, uma engenharia da sorte, em que pré-determinação coexiste com possibilidade. Fortuna refere-se a uma condição do trabalho artístico em estado constante de construção; a um sentido de descoberta, menos do que invenção, à celebração da excentricidade, mas não em detrimento do engajamento político.

Como parte de uma apresentação especial, a Pinacoteca inclui, paralelamente, a obra A Recusa do Tempo, concluída pelo artista no ano passado e ainda inédita no Brasil. Trata-se de uma grande instalação com 5 canais de vídeos incluindo um complexo panorama de som que ocupará toda a área do Octógono. A obra inclui 4 megafones de aço e o que o artista chama de ‘elefante’, uma máquina-objeto concebido pelo artista que parece respirar. A duração do ciclo é de 28 minutos. Aclamada pela critica na última Documenta de Kassel, para a qual foi comissionada, A Recusa do Tempo, foi mostrada no MAXXI em Roma e será apresentada no Metropolitan Museum of Art em Nova York depois de sua temporada em São Paulo.

A Recusa do Tempo surgiu a partir de uma série de conversas entre William Kentridge e o historiador de ciências Peter Galison sobre questões incluindo a história do controle do tempo universal, relatividade, buracos negros, e a teoria das cordas cósmicas, a que faz alusões poéticas. Segundo o artista, “uma série de ideias e metáforas surgiram das conversas com Peter Galison, com cada ideia precisando ser materializada. Sincronicidade usando metrônomos projetados. Tempo sendo expresso através de som. A necessidade de se desenvolver metáforas para tonar ideias visíveis ou audíveis”.

O vídeo que consta da obra foi construído em colaboração com a editora Catherine Meyburgh, com cinco projeções que mostra uma sequência contínua de imagens que trafega ao redor da sala, por vezes sincronizando as imagens, e outras vezes apresentando-as de forma  disjuntiva. O músico sul-africano Philip Miller (que vem colaborando com Kentridge desde o inicio de sua carreira) criou a música e a paisagem sonora para acompanhar a obra, em que camadas diferentes de sons podem ser ouvidos quando se move ao redor da sala, com som emitido tanto a partir de quatro grandes alto-falantes, e de quatro alto-falantes direcionais menores montado dentro de megafones de aço. Na Pinacoteca, os megafones serão montados em tripés distribuídos no espaço expositivo. A grande máquina que respira, ou ‘elefante’, projetada e construí da por Jonas Lundquist e Sabine Theunissen, é o terceiro componente fundamental da instalação.

A obra resulta de uma série de workshops nos estúdios do artista em Johanesburgo, e também em Kassel, na Alemanha. O ‘elefante’ foi construído em Estocolmo, na Suécia. A peça teatral Recusa da Hora surgiu a partir da mesma trajetória de trabalho.

Kentridge nasceu em 1955, em Johannesburgo. Estudou ciências políticas e estudos africanos na Universidade de Johannesburgo antes de entrar na Johannesburg Art Foundation e se voltar para as artes visuais. Durante esse período, dedicou-se intensamente ao teatro, concebendo e atuando em diversas montagens. Seu interesse pelo teatro e pela ópera perpassa toda sua trajetória e indica o caráter dramático e narrativo de sua produção artística, assim como o seu interesse em sintetizar o desenho, a escultura e o filme em uma única linguagem. Após ter influenciado artistas na África do Sul por mais de dez anos, Kentridge ganhou reconhecimento internacional em meados dos anos 1990. Desde então, seu trabalho tem sido incluído em exposições e performances em museus, galerias e teatros em todo o mundo, como a m ostra Documenta, em Kassel, na Alemanha (1997, 2003, 2012), a Bienal de Veneza (1993, 1999, 2005), exposições individuais no MoMA, de Nova York (1998, 2010), no Museu Albertina, em Viena (2010), no Jeu de Paume, em Paris (2011), no Louvre, em Paris (2010), no Metropolitan Museum of Art, em Nova York (2005), e performances no Metropolitan Opera, em Nova York (2010), e no La Scala, em Milão (2011).

Em 2011, Kentridge recebeu o prestigioso Kyoto Prize, em reconhecimento a suas contribuições no campo das artes visuais e da filosofia. No mesmo ano, foi escolhido como Membro Honorário da American Academy of Arts and Letters e recebeu o título de Doutor Honoris Causa da University of London. Em 2012, apresentou as Charles Eliot Norton Lectures, na Universidade de Harvard, em Cambridge; tornou-se membro da American Philosophical Society, da American Academy of Arts and Sciences; foi nomeado para o Dan David Prize, da Tel Aviv University; e recebeu o título de Commandeur dans l’Ordre des Arts et des Lettres do Ministério da Cultura e Comunicação da França.

O vídeo e “flipbook” (livro de artista animado) De Como não Fui Ministro d’Estado, foi feito exclusivamente para a exposição brasileira. O artista faz uma intervenção, desenhando sobre as páginas de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis publicada pelo Clube do Livro, em São Paulo, em 1946. “É um livro que eu li há muitos anos, talvez 20 anos atrás, e me pareceu um grande exemplo de como é possível moldar a narrativa, tomar o absurdo e transformar em algo realista. Eu tinha uma edição de colecionador belíssima, dos anos 1920, mas ela não era boa para desenhar. Usei uma edição muito barata, de larga escala, com papel de má qualidade que no entanto foi belíssima para desenhar”, conta o artista.

No dia 29, às 19h, o artista realizará uma palestra dentro do projeto Sempre às quintas na Pinacoteca.  A mostra também é acompanhada de um catálogo com textos inéditos da curadora e do artista; além de flipbook (livro de artista animado) feito exclusivamente para a exposição brasileira.

 

William Kentridge: Fortuna
Data: de 31 de agosto a 10 de novembro
Terça a domingo das 10h às 17h30 com permanência até as 18h
Às quintas até as 22h. Entrada franca das 18h às 22h
Local: Pinacoteca do Estado de São Paulo – Praça da Luz, 02 – Luz – Tel. 11 3324-1000
Ingresso combinado (Pinacoteca e Estação Pinacoteca): R$ 6,00 e R$ 3,00
Grátis aos sábados. Estudantes com carteirinha pagam meia entrada.
Crianças com até 10 anos e idosos maiores de 60 anos não pagam.

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