Nem meia solução
O projeto de lei que institui o Estatuto da Juventude foi aprovado no mês de julho pela Câmara dos Deputados e aguarda sanção da presidenta Dilma Rousseff. Seu texto estatui que jovens são aqueles compreendidos na faixa etária entre 15 e 29 anos de idade, que agora têm a seu favor um marco legal que lhes assegura direitos e oferece parâmetros para políticas públicas específicas. Chamou a atenção, contudo, o novo disciplinamento dado à meia-entrada em eventos culturais que, ao mesmo tempo em que amplia, restringe tremendamente o benefício.
Assim o é porque aos jovens de até 29 anos que estejam inscritos em cadastro oficial como pessoas de baixa renda é estendido o benefício que até então só era oferecido a estudantes. Por outro lado, o Estatuto impõe um limite de 40% do total de ingressos disponíveis a cada evento.
Em termos ilustrativos, somando-se a centralização dos aparelhos culturais e as conhecidas dificuldades do transporte público, o jovem de baixa renda que se aventurar em ir ao cinema, por exemplo, pode se deparar com o esgotamento dos ingressos a meia-entrada, vez que ele estará concorrendo com os demais jovens de baixa renda e com estudantes de todas as idades pela cota. São previstos na lei vagos mecanismos de fiscalização (a ser regulamentada posteriormente) que dificilmente garantirão que todos os estabelecimentos respeitem os ingressos reservados à meia-entrada. E é possível que outros grupos beneficiados (idosos e professores, por exemplo) entrem na dança sem serem convidados e tenham os seus direitos restringidos por tabela.
Tal confusão pode advir porque a imposição dessa cota atinge a todos os estudantes, ou seja, o Estatuto não se limita a instituir medidas voltadas exclusivamente à juventude. A identificação dos beneficiários, hoje alvo de polêmica em razão do alto grau de falsificação, será feita por carteira estudantil expedida preferencialmente por entidades como a UNE e a UBES. O indesejável monopólio dessa atividade por essas entidades, contudo, não será exclusiva e provavelmente cairá no limbo vez que os estudantes continuarão a utilizar as carteiras emitidas pelas entidades de ensino reconhecidas.
Como, ao final, os estudantes e agora jovens não estudantes fruem de um bem inserido no contexto mercadológico, os produtores, exibidores e demais partícipes dessa cadeia econômica sentem-se lesados, porque suas taxas de retorno são prejudicadas em favor de medidas de inserção promovidas pelo Estado – sem que ele diretamente abra os cofres para isso. Ainda que os subsídios estatais à cultura sejam respeitáveis, a meia-entrada é vista como uma ingerência nos negócios privados e o lobby para que a seja extinta segue firme, sendo a disposição do Estatuto da Juventude o passo intermediário para tanto. Não que necessariamente os operadores fiquem com o prejuízo: o pesquisador da USP Carlos Martinelli demonstrou em estudo recente que o valor da inteira subsidia o da meia e que dificilmente o valor do desconto, quando há, é realmente de 50%.
O que o mecanismo da meia-entrada expõe é a nossa miséria: segundo o IBGE (pesquisa de 2009), 61% dos municípios brasileiros com menos de 50 mil habitantes sequer possuem um espaço cultural (como museus, teatros, salas de espetáculos, arquivos públicos, centros de documentação, cinemas e centros culturais). Ou seja, a desigualdade no acesso à cultura acompanha as desigualdades socioeconômica e regional brasileiras. Há de se criar mecanismos efetivos de distribuição de renda que possibilite o acesso à fruição cultural por todos no mesmo passo em que é reduzido o fosso das desigualdades. Não é o caso do Estatuto da Juventude: essas distorções e medidas cosméticas/genéricas por ele oferecidas em nada contribuem com a democratização do acesso à cultura no país.
Por Kleyton Rogério Machado Araújo, advogado do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados, especializado em entretenimento e terceiro setor.