Cinema Novo em DVD

O Cinema Novo foi o mais importante, controverso e influente movimento de cinema no Brasil. A figura de Glauber Rocha se impôs e, em sentido negativo, deixa a ideia de um movimento com filmes herméticos, tanto quanto faz sombra sobre destacados integrantes do movimento. Ao lado de Glauber, Joaquim Pedro de Andrade está na origem do movimento que separa o cinema brasileiro em antes de depois. Por isso, a relevância do lançamento em DVD, pela Videofilmes, de sua filmografia completa. Oportunidade para as novas gerações conhecerem um nome que, hoje, não tem o prestígio que merece.

A caixa reúne seis DVDs. Nela, além da restauração digital de seus filmes, destacado material de extras, que incluem documentários, entrevistas de Joaquim Pedro, depoimentos de críticos como Jean-Claude Bernardet e de historiadores como Heloisa Buarque de Hollanda, e rico material de making of. Das novidades da caixa, uma nota inicial para a oportunidade de se ver o documentário “Brasília: Contradições de uma Cidade Nova”.

Realizado em 1967, esteve por muito tempo engavetado, em razão de entrevero com a Olivetti, que o havia patrocinado. Em plena ditadura Costa e Silva (pré AI-5), a visão crítica das distorções sociais filmadas por Joaquim Pedro não agradou aos militares, que recomendaram cortes em sua edição. Joaquim Pedro, no entanto, num ato de rebeldia, o exibiu de surpresa no Festival de Brasília daquele ano e depois escondeu a película, para que a censura não a destruísse.

No conjunto da produção cinemanovista, a obra de Joaquim Pedro é oscilante. Insere-se inicialmente no CPC (Centro Popular de Cultura), onde realiza “Couro de Gato”, um dos episódios do seminal “Cinco Vezes Favela” (1962). Em seguida, faz o documentário “Garrincha: Alegria do Povo” (1963), sobre o então craque do Botafogo. Um retrato que parece prenunciar o desfecho triste de um dos maiores jogadores da história do futebol. Sua trajetória seguinte inclui a temática intimista “O Padre e a Moça” (1965), a releitura de “Macunaíma” (1969), de Mario de Andrade, o matiz histórico nos anos de chumbo da ditadura, “Os Inconfidentes” (1972), e a queda pela pornochanchada, “Guerra Conjugal” (1975), quando o programa cinemanovista havia sucumbido diante dos órgãos de censura.

Além de Garrincha, Joaquim Pedro será invariavelmente lembrado pela adaptação de “Macunaíma”, seu filme mais popular, que tanto impressionou o cineasta alemão Werner Herzog. A partir da rapsódia modernista, uma alegoria sobre o Brasil da época. As aventuras de Macunaíma, herói sem nenhum caráter, trazem à cena um personagem absurdo, num ambiente carnavalesco, grotesco, no qual tudo gira em torno do “jeitinho brasileiro”, da vantagem circunstancial e do estranhamento com o que se passa ao redor.

Nessa obra, marcadamente satírica, Joaquim Pedro exibe um personagem fadado a conviver na ilusão, na mistificação, com problemas debaixo do tapete (ou da rede de dormir, para lembrar imagem recorrente no filme), enquanto a realidade, cruel, o devora sem dó nem piedade. No veio satírico – incomum ao Cinema Novo – um dado que diferencia seu Macunaíma; por isso, uma obra capital em nossa filmografia, realizada num dos momentos mais conturbados de nossa história. “Macunaíma”, de fato, fecha o ciclo. Vê-lo hoje instiga a pensar sobre as saídas para se fazer cinema naqueles anos, sobre as possibilidades de retratar o país, tanto quanto os rumos que este, assim como o cinema, tomou desde então.

 

Por Humberto Pereira da Silva

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