Cabeça de papel

A versão em papel da Revista de Cinema, publicação bimestral, está completando 15 anos nas bancas e diante de meus olhos. Telefonei para seus diretores, meus amigos Hermes Leal e Julie Tseng, para dar parabéns e eles me contaram sobre as dificuldades em manter a revista em circulação. A quantidade de leitores não diminuiu nessa década e meia e sim aumentou, mas não é na venda avulsa de exemplares e nas assinaturas anuais que jornais e revistas impressas garantem os recursos necessários para sua existência. Essa garantia está na publicidade, nos anúncios que a indústria, o comércio e os governos destinam a essas publicações.

No caso da Revista de Cinema, e de outras revistas brasileiras que se dedicam a análises e críticas das atividades artísticas, praticamente desapareceu o apoio, através de anúncios ou programas de fomento, dos governos federal e estaduais. Esse apoio, com raras exceções, foi o principal esteio dessas publicações nos últimos vinte anos. Atualmente os governos preferem destinar o fomento para os sites que essas revistas mantêm na internet. Ainda bem, mas acontece que revistas, jornais e livros de papel continuam importantíssimos para milhões de pessoas e não têm data de vencimento estabelecida.

Nos novos tempos os textos não estarão em suporte físico? O papel vai desaparecer? Os que acham que sim dão pelo menos mais meio século para que isso aconteça. Os que não acreditam nisso argumentam com a convivência de antigas e novas mídias: o cinema não foi sufocado pela TV e internet, está se renovando com as tecnologias da comunicação; o rádio não desapareceu, ainda é o meio de comunicação mais utilizado por milhões de pessoas; o teatro jamais morrerá porque nada pode substituir a expectativa e o imponderável do encontro real, no mesmo espaço, de seres humanos, do olho no olho.

Nessa perspectiva, o papel impresso, cuja produção não é necessariamente danosa ao meio ambiente, pode sobreviver durante muito tempo porque também ele tem características insubstituíveis como o tato, o cheiro e a comodidade da leitura. Mesmo os mais catastróficos admitem que a leitura no papel é mais prazerosa (25% mais confortável segundo estudos recentes) e induz mais à concentração do que a leitura em e-books, tablets e computadores. Ler em uma tela e ler em uma folha de papel causam sensações distintas.

As revistas de cinema fizeram e continuam fazendo minha cabeça. Desde as cinquentonas Cahiers du Cinéma e Cine Cubano, que marcaram a juventude da minha geração, até a Revista de Cinema do Hermes e da Julie, passando pela Cineaste dos EUA, a Trafic francesa e muitas mais. Inclusive pela Filme Cultura brasileira, criada em 1966, interrompida em 1988 e renascida em 2010 pelas mãos do Gustavo Dahl e sob as asas do Ministério da Cultura. Atualmente, no Brasil, temos Filme Cultura e Revista de Cinema com circulação nacional e algumas boas publicações regionais como a Teorema gaúcha e a Lado C catarinense. Com a possível exceção da revista do Ministério da Cultura, todas vivem tempos difíceis, com verbas escassas por parte do poder público e poucos anúncios. Nos 14 anos deste século muitas nasceram e tiveram vida curta e cito apenas duas como exemplo, a Sinopse da Universidade de São Paulo e a Beta da TZ Editora, as que mais me dão saudade.

Sou um entusiasta das novas tecnologias da comunicação, agradeço aos deuses estar participando da revolução midiática que está acontecendo, mas não acho que temos de apressar as coisas, não temos de promover uma eutanásia da mídia impressa, ainda tão poderosa. Não é porque existem os chats que o ser humano vai abandonar o teatro, não é porque existe o 3D que devemos impedir a circulação de filmes tradicionais. No meu caso, e acho que não estou sozinho, ver um filme em 3D é tão maravilhoso como ver um filme preto-e-branco dos anos 1940 e o que conta nisso é que são emoções diferentes, promovem estados de espírito diferentes. Que viva a diferença.

 

Por Orlando Senna
Texto publicado no Blog Refletor – http://refletor.tal.tv/ponto-de-vista/orlando-senna-cabeca-de-papel, em 16/05/2014 – TAL-Televisión América Latina
Outros textos de Orlando Senna no Blog Refletor – http://refletor.tal.tv/tag/orlando-senna

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.