O cinema no tempo real
A vida de Jia Zhangke se funde com a realidade que o cerca, assim como seus filmes refletem essa realidade em que a cultura ancestral do ser chinês é imposto quase como uma linguagem. A busca por entendimento do sentido dos seus filmes é o teor do livro “O Mundo de Jia Zhangke” (Cosac Naify), organizado por Jean-Michel Frodon, e composto de uma longa entrevista realizada por Walter Salles, na China, nos lugares onde Jia filmou, e de depoimentos que revelam o seu processo criativo, sua juventude e as influências indiretas da Revolução Cultural, que têm deixado uma marca muito forte nos autores, tanto de cinema quanto de literatura, da geração atual.
A ideia do livro vem desde 2007 quando Walter Salles, fã confesso do cineasta, propôs sua realização a Leon Cakoff e Renata de Almeida, a partir de um encontro com Jia na Mostra Internacional de Cinema daquele ano. O livro é resultado de mais de 30 horas de entrevistas, onde os autores investigam detalhadamente sua vida e seus filmes, como se uma coisa não pudesse se desligar da outra. A marca do cinema de Jia, do comportamento dos personagens diante de situações adversas, como se não fossem testemunhas das transformações econômicas e sociais que acontecem à sua volta. O ser permanece inalterado.
Aclamado pela crítica mundial, os dramas de seus filmes são contextualizados nas transformações socioeconômicas que ocorrem na China, que mantinha sua cultura fechada às influências do ocidente por séculos. No entanto, Jia afirma que sobreviver é o tema de todos os seus 18 filmes, 12 longas e seis curtas, entre eles “Plataforma” (2000), “O Mundo” (2004), “Em Busca da Vida” (2006), Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza, e “Um Toque de Pecado” (2013), vencedor de melhor roteiro em Cannes.
Jia é considerado o melhor cineasta chinês da atualidade, é o líder da chamada “sexta geração”, que inclui os cineastas Wang Xiaoshuai e Zhang Yuan, mas que vem trilhando uma carreira muito diferente da de seus colegas. Jia realizou seus primeiros três filmes inspirados na sua província natal, sem apoio do governo chinês, que aos poucos foi conquistando importância internacional. Os críticos criam muitas definições para explicar o discurso de seus filmes, de que é uma obra viva, captada no tempo real, uma pintura moderna ainda inexistente. A curiosidade de Walter Salles em investigar a gênese desses filmes em conversas com o próprio autor nos revela uma biografia de vida com muita aventura, e a constatação intimista de um autor autenticamente original, o que faz diferença nos dias atuais.