A inovação e a evolução em “Louie”

Louis C.K. é o maior exemplo da importância do criador ser o showrunner da série. Ele é o showrunner da série “Louie” (FX), além disso, escreve, dirige, atua e monta a série. Tamanho controle e liberdade permite que essa seja a série mais inovadora atualmente, tanto em formato quanto em conteúdo.

Louis C.K. começou a carreira no stand-up nos anos 80, passando para a televisão, onde se apresentava como convidado em diversos programas até virar roteirista, escrevendo para programas como “Late Show With David Letterman”, “The Chris Rock Show”, entre outros. Em 2006, lançou sua primeira sitcom, “Lucky Louie”, que teve apenas uma temporada exibida na HBO.

“Louie” estreou na FX em 2010 com a premissa de criar uma releitura de sitcom. Fez isso com sucesso, mas depois de algumas temporadas se radicalizou e mudou seu formato, virou um veículo para Louis C.K. exercitar sua imaginação e sua capacidade cinematográfica.

Seguindo um enredo parecido com “Seinfeld”, “Louie” retrata cenas do cotidiano de um comediante solteiro de stand-up, alternando com trechos de suas “apresentações”.

Para não fracassar como aconteceu com “Lucky Louie”, Louis C.K. inovou em tudo que podia: na temática, trouxe humor negro, situações surreais e temas polêmicos e controversos. A série ultrapassa os limites ao explorar temáticas incômodas e muitas vezes ultrapassando o consenso geral. Sexo, religião, racismo, pedofilia, estupros, homossexualismo são sempre apresentados sob seu ponto de vista controverso.

Louie alterna gêneros, momentos sarcásticos de seus stand-ups com sua vida cotidiana miserável que sempre lhe causa estresse e aborrecimento. Essa alternância entre comédia e drama é exemplificada no reencontro de Louie com seu pai no episódio “Dad”. Devido a traumas que não são apresentados, Louie não quer reencontrar o pai, mas é empurrado por todos para isso, até que resolve encarar de frente a situação, viaja para se encontrar com ele, toca a campainha da casa do pai e quando a silhueta dele vem atender a porta, Louie sai correndo, pula em uma moto, vai até o cais, entra numa lancha e sai em disparada até parar no meio do oceano. O episódio faz a alternância entre o drama e o humor surreal, sem concluir o episódio dramaturgicamente; a esquete de humor surreal faz o encerramento sem outras explicações. Essa estranheza causada é bem peculiar da série; um dos episódios mais centrados no drama é “Duckling”, episódio de uma hora de duração, o dobro da duração normal, e que se passa no Iraque. Louie é chamado para entreter os soldados americanos que estão na guerra, quando surge um eminente conflito entre os soldados americanos e afegãos. Louie resolve o conflito com um humor físico, um pastelão. Ele cai tentando segurar um patinho que sua filha lhe deu de presente e todos caem na gargalhada.

Na parte estética, Louie optou por filmar sempre em locação, câmera na mão para dar a impressão de “real” do cotidiano, e imageticamente não fazendo economias na produção. A série se mostra grandiosa em momentos como: simulação de um furacão, utilização de helicópteros, lanchas, filmagem no exterior, a reprodução do Afeganistão, digna de “Game of Thrones”.

Louie mostra que as regras de gênero foram feitas para serem quebradas. Nesse universo, que ao mesmo tempo seria a representação do real, nada é o que parece ser, Louie inova quebrando a barreira da diegese, como Deus ex-machina, ele tira, ressuscita, muda personagens, troca os atores que os interpretam, coloca atores de características físicas e idades inadequadas para os papéis, ao mesmo tempo em que mantém a série esteticamente presa a impressão do real.

Para entender melhor essa radicalização, as séries de longevidade na televisão americana têm um formato rígido, seguem uma estrutura rígida para todos os episódios. O conteúdo pode mudar, mas o formato, nunca. Séries como “Friends”, “C.S.I”, “E.R.”, “House” são exemplos. O exemplo mais claro foi “Lei e Ordem”, de Dick Wolf. O formato era tão importante, que não importava se mudavam os protagonistas ou os temas, a única certeza era a estrutura: divisão em dois blocos iguais e distintos, investigação policial e o julgamento.

Tanta inovação fez com que Louie alcançasse grande sucesso de crítica. Ele criou o que quase todos os showrunners querem: alcançar um formato de sucesso que pode render a longevidade da série.

Mas Louis C.K. não se contentou apenas com isso. Aos poucos, ele foi mudando o formato da série. Ao longo das quatro temporadas, Louie praticamente abandonou as cenas de stand-up, deixou pontuais as situações surreais, introduziu o drama, diminui o humor. Abandonou esquetes para tramas mais longas e elaboradas. Na direção, as mise-en-scènes ficaram mais elaboradas, os planos sequências ficaram mais frequentes, a série se aproximou do cinema.

Na terceira temporada, Louie começou a fazer tramas mais elaboradas, com destaque para a obra-prima “Late Show”, trama dividida em três episódios, em que Louie é convidado para substituir David Letterman no “Tonight Show”, sendo treinado por David Lynch, entrevistando Susan Sarandon e tendo a concorrência do Seinfeld e Chris Rock para o cargo.

Para a quarta temporada, Louis C.K. resolveu tirar um hiato, levou dois anos para voltar. O motivo alegado por ele foi de que ele queria que a série continuasse a evoluir. Com esse tempo extra, resolveu priorizar ainda mais os temas longos: “Elevator” (seis episódios), “Pamela” (três episódios) e “In the Woods” (dois episódios) ocuparam 11 episódios de uma temporada de 14 episódios.

Louis C.K. está dando exemplo de como em time que está ganhando também se mexe. Ele leva sua série para além dos limites, misturando gêneros, referências, evoluindo em tramas e na qualidade cinematográfica de suas obras. Infelizmente, ele só conseguiu isso sendo showrunner da própria série, algo que no Brasil é impensável.

Comparando o nível de controle e liberdade que Louis C.K. tem sobre sua série, podemos dizer que ele é o Woody Allen dos seriados.

 

Por Marcos Takeda e Newton Cannito, roteiristas

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