Um pequeno segredo vai ao cinema
Nos anos 1980, a família Schurmann ficou bastante famosa por ser a primeira tripulação brasileira a dar a volta ao mundo em um veleiro. A empreitada, iniciada em 1984, durou dez anos e formou os filhos Wilhelm, Pierre e David, que aos poucos foram deixando o veleiro para cursarem faculdade. David desembarcou na Nova Zelândia, onde estudou cinema e televisão, e a partir daí sua missão passou a ser documentar as aventuras da família, mas também buscar outras aventuras no campo da ficção. Em 2006, fez sua estreia com o documentário “O Mundo em Duas Voltas” (2006), onde demonstrou explorar muito mais que as aventuras da família.
Depois da mal sucedida passagem pelo horror, no filme de baixíssimo orçamento, “Desaparecidos” (2011), David finalmente coloca na lata o seu mais novo filme, “Pequeno Segredo”, onde explora um tema sensível, baseado em fatos ocorridos com sua família, de um longo processo de uma criança rumo à morte anunciada, e que transforma a vida de todos à sua volta, especialmente, porque entre eles havia um segredo. “Pequeno Segredo” foi filmado no Brasil e na Nova Zelândia, e tem previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2016 com distribuição da Diamond Films.
A difícil escolha
David relata que não foi fácil realizar um filme envolvendo sua família com um tema muito tabu para a época. “Quando essa história aconteceu, já imaginava algo incrível. Um neozelandês é enviado para a Amazônia para prospectar gás numa vilazinha, e em um mês se apaixona por uma cabocla. Leva-a para conhecer o mundo, vão até a Nova Zelândia. Nossa família chega nessa comunidade da Nova Zelândia, o primeiro veleiro brasileiro a chegar lá. Forma-se uma amizade, um elo tão forte, que, três anos depois, ele pede para que meus pais adotassem sua filha. Foi uma história tão forte quando aconteceu e meus pais decidiram adotar a Kat; era tão incrível que parecia coisa de filme. Na época, comentei com meus pais que queria fazer um filme a respeito. Só que tinha uma questão – e por isso o título do filme –, a Kat, pequena, tinha HIV e nós não queríamos que as pessoas soubessem para que não houvesse preconceito contra ela. Naquela época, começo dos anos 1990, ainda havia bastante preconceito. Respeitei esse segredo da família, tanto que, em ‘O Mundo em Duas Voltas’, tem toda a história da Kat, mas não tem o HIV”, conta David, que rodou “Pequeno Segredo” ao longo de oito semanas, em Florianópolis, no Pará e na Nova Zelândia, com produção de Vilfredo Schurmann e de João Roni.
Roteiro multiplot
Para escrever o roteiro, depois de fazer dezessete tratamentos ao lado de um grupo e não se sentir satisfeito com o resultado, David convidou Marcos Bernstein, com quem o cineasta enfim se acertou. Para a pesquisa sobre o assunto, o roteirista ouviu a história de Kat pelas versões dos pais Vilfredo e Heloísa e de David, bem como relatos de convivência com a menina, vídeos e o diário da garota. Teve acesso também aos manuscritos do livro de Heloísa sobre Kat, escrito paralelamente à feitura do roteiro, intitulado “Pequeno Segredo – A Lição de Vida de Kat para a Família Schurmann” e lançado em 2012. Bernstein também pesquisou a história de Robert e Jeanne, e da Barbara.
O longa foi estruturado em três tramas paralelas: uma história de amor vivida entre Robert (Erroll Shand) e Jeanne (Maria Flor), “que virou uma grande tragédia”; Vilfredo (Marcello Antony) e Heloísa (Julia Lemmertz), “que parece uma família de comercial de margarina, mas que se começa a perceber que tem muito mais em ebulição embaixo”; e a história de Barbara (Fionnula Flanagan), sobre a redescoberta do amor. “Queria começar com um desafio e contar essa história de forma não linear, na linha de filmes como ‘Crash – No Limite’ (2005) e ‘Babel’ (2006), multiplots que se cruzam”, conta o diretor. “As histórias eram muito intensas e resolvemos entrelaçá-las. E tem uma coisa: nossa vida não é linear. Sempre me interessou formas diferentes de contar uma história, em que você tenta juntar os pedaços. Um dos desafios do roteiro foi o de não deixá-lo complexo demais, para que não ficasse confuso, e nem totalmente manipulador, em que o multiplot não fosse apenas um artifício, em que a histórias realmente se integrassem”, complementa.
Filme sobre a família
Para David, é mais do que natural fazer filmes sobre sua família, seja em documentários, seja na ficção. “Temos muitas histórias e até hoje elas me fascinam”, conta. Trabalhando com o tema há quase vinte anos, o cineasta tem procurado cada vez mais aprimorar a relação entre David, membro da família Schurmann, e David, o cineasta. “Como diretor, me coloco muito numa posição de contador de histórias, me excluo da família, falo da família Schurmann. Esse é um exercício de anos e que deu muito certo. E o fato de eu conhecer muito bem essa história, deixa-a mais natural para quando eu vou dirigi-la. Continuo me interessando em contar histórias da família”, comenta. Em “Pequeno Segredo”, o diretor aparece em sua versão ficcionalizada em dois momentos, com 15 e com 20 e poucos anos.
O cineasta não vê problemas éticos em retratar sua família em conflito. “Com a família, tenho uma intimidade, uma liberdade de mostrar uma verdade como ela é. Na nossa família, temos uma confiança, sabem que vou mostrar o que aconteceu. Nunca pedi permissão. Aí estaria traindo minha arte se cortasse algo porque meus pais não gostariam. E tem coisas que certamente não vão gostar. A única coisa que resguardei, para não virar um grande melodrama, é que não é um filme sobre Aids, é sobre essas três famílias que se misturam, em que o HIV faz parte disso”, aponta.
Equipe internacional
David cresceu no mundo e é mais natural que sua produção tenha pessoas de vários países. Para contar a história de Kat, que se desdobra em diferentes partes ao redor do mundo, e que envolve pessoas de diferentes nacionalidades e sotaques, David fez questão de trabalhar com um elenco global em “Pequeno Segredo”, orçado em R$ 10 milhões – R$ 6 milhões dos quais já consumidos nas filmagens, captados via leis de incentivo e investidores privados. Além dos brasileiros Julia Lemmertz, Marcello Antony, Maria Flor e Mariana Goulart – menina que dá vida a Kat, escolhida entre mais de 300, ao longo de dois anos de produção –, o filme conta com o neozelandês Erroll Shand (de “Meu Monstro de Estimação”/2007) e com a irlandesa Fionnula Flanagan (de “Os Outros”/2001) no elenco.
A equipe também tem nomes internacionais. O fotógrafo é o peruano Inti Briones, de “O Planeta Solitário” (2011) e “Exilados do Vulcão” (2013), vencedor do prêmio Fedeora, em Veneza, pelo filme “Las Niñas Quispe” (2013). Já a direção de arte é assinada pela alemã radicada no México Brigitte Broch, vencedora do Oscar pela cenografia de “Moulin Rouge – Amor em Vermelho” (2001) e responsável por “Babel” e “O Leitor” (2008), entre outros.
Enquanto David Schurmann se preparava para filmar “Pequeno Segredo”, sua família embarcou na terceira volta ao mundo. Também filmada e transmitida, a “Expedição Oriente” busca retraçar o suposto caminho feito pelos chineses para chegarem à América em 1421. David novamente encabeça a direção audiovisual da expedição e preparou por dois anos uma equipe para tocar as gravações enquanto estava absorvido pela pré e produção do longa de ficção. Atualmente, concilia ambos os projetos.
Além de “Pequeno Segredo”, em fase de montagem, e de “Expedição Oriente”, o cineasta finaliza o documentário de longa-metragem “U-513 – Em Busca do Lobo Solitário”, previsto para lançamento em festivais e nos cinemas ainda em 2015, com distribuição própria. O filme aborda o submarino alemão afundado na costa brasileira durante a Segunda Guerra Mundial, encontrado pela Família Schurmann em 2011.
Por Gabriel Carneiro
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