“Malasartes” traz efeitos para roteiro e inverte processo de produção
Depois de quase 30 anos, está saindo do papel o projeto mais antigo e ambicioso do diretor Paulo Morelli. E não se trata apenas de um roteiro que finalmente começou a ser rodado. “Malasartes e o Duelo com a Morte” está sendo produzido como um filme que será um “divisor de águas” dentro da O2 Filmes por agregar técnicas e pensar a pós-produção desde a elaboração do roteiro, como se fosse o primeiro “Senhor dos Anéis” a ser realizado no Brasil. Para alcançar esse objeto, uma equipe de mais de 40 profissionais, liderada por especialistas brasileiros que já passaram por estúdios americanos e participaram de filmes como “Harry Potter e as Relíquias da Morte” e “Resident Evil”, por exemplo, se debruçam nesta área ainda pouco explorada no cinema brasileiro.
O longa-metragem conta a história de Pedro Malasartes, um conhecido personagem do folclore brasileiro originário de Portugal, que apesar de ingênuo leva vantagem em suas peripécias. Mas desta vez terá de enfrentar a Morte, que pretende tirar férias e colocá-lo em seu lugar. No papel principal, está Jesuíta Barbosa que, segundo Paulo Morelli, “nasceu para ser o Malasartes”. Segundo o diretor, “ainda bem que esse projeto levou tanto tempo, porque assim eu pude ter o Jesuíta no papel principal”. No elenco principal, também estão Julio Andrade, Milhem Cortaz, Isis Valverde, Leandro Hassum e Vera Holtz.
A grande novidade é que apenas um terço do longa foi filmado em locações reais, em duas fazendas de Jaguariúna, no interior de São Paulo, em maio de 2015. O restante é todo produzido em estúdio, com paredes verdes como se fossem imensos chroma keys, no qual os atores contracenam, mas principalmente imaginam o cenário de um mundo mágico. Durante a escritura do roteiro, as possibilidades do que seria viável ou não na pós-produção foram determinantes para definir inclusive a existência das cenas. Vários objetos foram elaborados em computação gráfica, produzidos em impressora 3D e pintados à mão para utilização na locação e no estúdio. Com isso, a comédia mistura dois “mundos”, o caipira e o fantástico, buscando uma naturalidade própria e bem brasileira, de acordo com Morelli.
Ambiente digital
Para chegar a esse ambiente e fazer a transposição, a equipe de pós-produção acompanhou as filmagens nas locações e trabalhou o conceito de cada detalhe desse novo mundo que seria gerado na tela dos computadores. “Precisávamos definir, inicialmente, qual seria a distância entre um morro e outro, o que teria ali embaixo, qual seria a cor desse mundo, se era dia, se era noite, como desenharíamos o campo de velas, se o movimento seria em ondas ou uma espécie de choque elétrico”, descreve Paulo Barcellos, diretor de pós-produção da O2.
Também foram criados dublês digitais – espécie de bonecos iguais aos atores, com o rosto deles colados em computação gráfica – para que nem todas as cenas precisassem ser filmadas com o elenco, e que foram viáveis por meio de sensores de captura de movimento. Para essa técnica, o ator vestia a sua roupa real, fazia o movimento e esse movimento era replicado graficamente. Ou seja, “a atuação está presente naquele boneco até para deixar a cena o mais real e precisa possível”, conta Barcellos.
Dentro dos estúdios, os atores trabalharam em três grandes cenários, feitos de cimento e suspensos a dois metros do chão. Em algumas cenas, eles foram deslocados por cabos de aço para simular movimentos mais extensos e suntuosos. O grande desafio era mesmo imaginar o que estaria em volta, todo o tempo. “O cara tem que ser muito bom para abstrair e é difícil”, reconhece Barcellos. Mas a tecnologia também deu uma ajuda ao elenco e à equipe: “Desenvolvemos um software que a gente conseguiu filmar e assistir na sequência para conseguir ver o fundo, para que ao menos o diretor e o fotógrafo não precisassem abstrair tanto. Então, fazíamos a cena, assistíamos, fazíamos uns testes, e os atores falavam: ah, entendi”.
Além dos atores, que não tinham feito um trabalho desse tipo e nessa envergadura, a novidade também se estendeu para toda a equipe e “foi um aprendizado para todos”, esclarece Barcellos. As decisões artísticas foram tomadas junto com as decisões técnicas para ser “o mais assertivo possível”.
Tecnologia aliada à produção
O trabalho da equipe começou em janeiro de 2015, quatro meses antes do início das filmagens, coisa rara no Brasil. “Até pouco tempo atrás, os filmes eram apenas finalizados. Isto é, você filmava, montava, chegava à pós-produção, botava os letreiros, fazia uma correção de cor, apagava alguma coisa, arrumava outra. Era um processo de embelezamento final para entregar o trabalho. No ‘Malasartes’, a pós-produção interferiu diretamente no roteiro. Era impossível de ser pensado depois de filmar”.
A tecnologia em si não é completamente nova. O que mudou mesmo foi a inversão do processo de produção, agregando toda a equipe desde o começo e até aplicando os recursos do orçamento de forma diferente. Ao invés de comprar objetos, eles foram produzidos em computação gráfica, e os custos de pós-produção foram contabilizados e utilizados já na pré-produção. Nas palavras de Barcellos: “A tecnologia, nós já tínhamos há um tempo, mas agora é o poder de fogo mesmo para fazer um filme desse tamanho, que vai ocupar a casa por mais de ano”.
O “poder de fogo” da O2 ao qual ele se refere é uma equipe de cerca de 40 profissionais contratados e focados exclusivamente na produção de “Malasartes”. Além, é claro, da experiência anterior com a produção de “Zoom”, longa-metragem de Pedro Morelli (filho de Paulo Morelli) que utiliza a técnica de rotoscopia, com desenhos a partir dos frames filmados, que concorreu ao Canadian Screen Awards na categoria de efeitos visuais. Nessa coprodução Brasil-Canadá, lançada em abril nos cinemas, 100% da pós-produção, inclusive a correção de cor, foi realizada no Brasil. Apenas o áudio foi feito no Canadá.
Know-how de Hollywood
Na equipe do “Malasartes”, cuja produção é 100% brasileira, muitos dos técnicos passaram pela experiência do “Zoom” e por estúdios americanos e finalizadoras nacionais. O próprio diretor de pós, Paulo Barcellos, morou em Nova York e no Canadá. O coordenador de animação e pós-produção, Diego Batista, trabalhou no “Zoom” e passou pela Casablanca Efeitos antes de integrar a equipe da O2 Pós. Ricardo Bardal é supervisor de efeitos 3D no “Malasartes” e também trabalhou na Casablanca Animation. Michel Zigaib, diretor técnico de efeitos visuais, manipula efeitos em 3D há mais de dez anos e integrou a equipe Pixar Canadá, além de ter participado de “Resident Evil 5: Retribuição”. Outro componente da equipe é Sandro di Segni, que trabalhou em superproduções como “O Homem de Aço” e “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2”. Dentre outros talentos, também estão João Bizzaro e Emerson Bonadias.
A ideia é quase repatriar e incorporar outros profissionais desse calibre, que também passaram por experiências semelhantes no exterior e nas demais produções de peso nacionais para a equipe da O2 Pós, segundo Barcellos. Contudo, o escopo maior da linha de produção de “Malasartes” será composto por freelancers, muitos dos quais com créditos na produção de “Zoom”. A equipe inteira deve começar a pós-produzir a todo vapor assim que as definições estéticas de todo o mundo mágico e fantástico estiverem completamente definidas. Ao contrário de “Zoom”, esse processo é mais demorado, porque depende de detalhes gráficos bem mais específicos.
“O Zoom era muito mais fácil de controlar, porque você dava uma meta de quantos frames a pessoa precisava desenhar por semana. Se ela tivesse desenhando menos, a gente sabia que ia atrasar. Se estivesse desenhando mais, a gente sabia que ia adiantar. Era muito fácil de controlar. O desenho já estava ali, você já sabia mais ou menos o ritmo que deveria sair. Agora, no ‘Malasartes’, eu não tenho como dar uma meta de frames por semana para uma pessoa que está definindo se a vela é uma onda, se essa onda ficou bonita ou falsa, se a gente tem que refazer a animação da onda, se eu preciso contratar um outro animador para ajudar. É muito mais complexo”, detalha o diretor de pós.
Acúmulo de experiência da O2 Pós
A O2 Pós começou a operar durante a produção de “Ensaio sobre a Cegueira” (2008), de Fernando Meirelles. Na época, o diretor chegou a orçar nos países coprodutores (Canadá e Japão), porém os preços abusivos levaram Meirelles a tentar fazer o processo aqui mesmo no Brasil. “Na época, ele pensou: será que com esse dinheiro eu não abro uma finalizadora aqui no Brasil?”, conta Barcellos. A partir daí, foram comprados os equipamentos e, depois de “Ensaio sobre a Cegueira”, a pós-produção passou a atender principalmente à publicidade. Em 2012, quando Barcellos assumiu a direção, a equipe abriu as portas da O2 Pós para outras produtoras. Com isso, conseguiu manter os talentos principais trabalhando na casa, aprendendo e aperfeiçoando as técnicas, e colocando a marca da empresa nos créditos de grandes produções nacionais.
“A O2 não faz blockbuster de comédia, mas todos os blockbusters de comédia passaram por aqui. As cinco maiores bilheterias foram finalizadas por nós. Conseguimos participar do mercado de uma maneira muito mais ativa do que só sendo uma produtora. Ou seja, não nos vemos como concorrência, e sim como uma empresa que ajuda a outra produtora a fazer o filme dela”, explica Barcellos.
Pretensão internacional
A meta da O2, a partir de “Malasartes e o Duelo com a Morte”, é expandir essa prestação de serviço também para o mercado internacional, aproveitando o momento de crise para tornar o Brasil competitivo nos Estados Unidos. “É um divisor de águas, sem dúvida. Depois desse filme, sairemos uma outra empresa e em pé de igualdade para competir no exterior”, acredita ele.
A previsão de estreia é para 2017 e a possibilidade de lançar “Malasartes” em IMAX também é factível e está nos planos da O2. Por mais que não tenha sido filmado em uma câmera IMAX, se a pós-produção for realizada em 4K, as chances são bem reais e concretas. Depende apenas do tempo que ainda será necessário para definir os detalhes técnicos para a otimização dos estágios de produção para um processamento hábil dos frames. Hoje, o filme demora 40 horas para render um fotograma, mas a equipe está calculando que, em poucos meses, esse tempo seja reduzido para apenas quatro horas.
Paulo Morelli, que já esperou três décadas, comemora a evolução da tecnologia para “realizar voos mais altos” e finalizar o projeto. “Essa história pedia muita pós-produção e, agora, é possível realizar com qualidade. O filme demorou a ser feito, mas foi feito na hora certa”.
Por Belisa Figueiró
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