Fest Gramado – “O Silêncio do Céu”, de Marco Dutra, é parceria frutífera com o cinema hispano-americano
Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado
O terceiro concorrente da competição brasileira, O SILÊNCIO DO CÉU, do paulista MARCO DUTRA, por seus protagonistas masculinos (os portenhos Leonardo Sbraglia e Chino Darín, filho do astro Ricardo Darín), por seu idioma (o espanhol), por sua origem (o romance ERA EL CIELO, de Sergio Bizzio) e por sua ambientação (a cidade de Montevideo), se apresentava como um filme mais apropriado à competição LATINA (que aliás, começa hoje, com dois concorrentes: LAS TONINAS VAN AL ESTE e ESPEJUELOS OSCUROS). Mas, depois de visto na tela, temos que admitir: trata-se de filme tão brasileiro quanto argentino-uruguaio. Afinal, seu diretor, MARCO DUTRA (“Trabalhar Cansa”, parceria com Juliana Rojas, e “Quando Eu Era Vivo”) transformou o convite do produtor RODRIGO TEIXEIRA em projeto orgânico e modelo de quão profícua podem ser nossas parcerias com os países hispano-americanos.
Além do diretor e do produtor, são brasileiros o co-roteirista CAETANO GOTARDO, a atriz protagonista Carolina Dieckman e a coadjuvante PAULA CHOEN (filha de pais uruguaios) e o autor da trilha sonora (Guilherme Garbato). A trama envolve personagens uruguaios e duas brasileiras. Dá relevo à língua espanhola, porque as duas brasileiras vivem e trabalham em Montevideo. Quando falam entre si, as duas amigas se expressam em português. Mesma língua utilizada por Diana, personagem de Dieckman, quando mergulha em seus pensamentos e pesadelos.
A harmonia da produção é um de seus grandes trunfos. Estamos longe, muito longe, daqueles filmes que chamamos de “produção internacional genérica”. A assinatura de Marco Dutra é visível na condução da história (fruto de roteiro elaborado pela cineasta Lucia Puenzo e seu marido, o romancista Sérgio Bizzio, e reelaborado por Caetano Gotardo, do coletivo Filmes do Caixote, parceiro constante de Dutra. E, também, no diálogo com o cinema de gênero (desta vez, com o filme de suspense, embora o cineasta lembre que estabeleceu profundo diálogo com a tragédia, no sentido grego do termo), na primorosa direção de atores, no impactante trabalho sonoro e na beleza das imagens.
Rodrigo Teixeira, que vem fazendo da literatura a matéria-prima de suas produções, tem um ótimo filme para dar visibilidade a futuras parcerias com os hermanos. E Dutra prova que é um cineasta autoral, mas capaz de realizar filmes capazes de atrair plateias mais amplas. Ou seja, sair do gueto, o que é mais que desejável, necessário. Se QUANDO EU ERA VIVO, protagonizado por Antonio Fagundes e Sandy, apesar de suas qualidades, não deu certo junto ao grande público, O SILÊNCIO DO CÉU mostra-se mais promissor. Afinal, a história da jovem e bela mãe brasileiro-uruguaia, Diana, vítima de estupro (presenciado pelo marido, o roteirista Mário, interpretado por Leo Sbraglia), fato cercado do mais profundo silêncio, prende a atenção do espectador por sua intensidade.
Um registro: no palco, MARCO DUTRA dedicou a sessão de O SILÊNCIO do CÉU a quatro mulheres, já que não há diretoras no comando de nenhum dos longas da competição brasileira. E as enumerou: Juliana Rojas, sua parceira em muitos curtas e no poderoso TRABALHAR CANSA, Sara Silveira, Maria Raduan e Maria Ionesco.