O cinema que pensa
O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (20 a 27 de setembro) estreia novo formato e, pela primeira vez em sua história, tem um curador, o crítico e cineasta Eduardo Valente, diretor do longa “No meu Lugar”, entre outros filmes, e recentemente o responsável pela área internacional da Ancine. Quem acompanha o festival desde seu nascimento (em 1965, com equipe coordenada por Paulo Emílio Sales Gomes), sabe que filmes de temática política e social costumam mobilizar a vibrante e enorme plateia do Cine Brasília, que terá bons filmes para ver e pensar.
Entre os nove longas selecionados de 132 inscrições, estão produções de seis Estados brasileiros e do Distrito Federal, que estarão disputando, incluindo os curtas-metragens, R$ 340 mil em prêmios. A maior premiação ocorre para produções de longa-metragem.
Cinema de mobilização
A edição deste ano tem dois concorrentes que parecem “mobilizadores” da plateia do Cine Brasília: os documentários “Martírio”, do indigenista e cineasta franco-brasileiro Vincent Carelli, e “Vinte Anos”, da carioca Alice Andrade. Carelli, que trinta anos atrás criou o projeto Vídeo nas Aldeias, é autor de, pelo menos, dois filmes arrebatadores: o média-metragem “A Arca dos Zo’é” e o longa “Corumbiara”. “Martírio” é um mergulho na “luta dos índios brasileiros contra a poderosa elite do agronegócio”. Se o filme tiver a mesma potência artística de “Corumbiara” (narrativa condensada em 118 minutos, contra os 180 de agora), o Cine Brasília vai ferver.
Alice Andrade, filha do cineasta Joaquim Pedro, tem, como Carelli, sua história muito ligada à França, país onde viveu (e estudou) por 17 anos. Ela é também muito ligada a Cuba, pois aprofundou seus estudos cinematográficos na EICTV. “Vinte Anos” lança um novo olhar sobre Cuba. Não a Cuba heroica dos “Noticeros”, mas a Cuba dos últimos e difíceis vinte anos. Alice realizou, em parceria com a Costa Rica, “um filme sobre o amor e o tempo que passa, numa Cuba onde o tempo parecia não passar”. O filme narra as “histórias de amor de três casais cubanos, filmadas ao longo de duas décadas”, ao som de um dos maiores sucessos do Buena Vista Social Club.
Dramas urbanos
A cineasta mineira Marília Rocha chega a Brasília com seu quarto longa, “A Cidade Onde Envelheço”, coprodução Brasil-Portugal. A autora de “Aboio” (2005), “Acácio” (2008) e “A Falta que me Faz” (2009), que circularam por diversos festivais brasileiros, traz um filme dramático, fotografado pelo craque Ivo Lopes Araújo e protagonizado por duas jovens portuguesas. Uma delas, Francisca, mora há um ano no Brasil e recebe sua conterrânea Teresa, com quem tinha perdido contato. Enquanto Teresa vive momentos de descoberta e encantamento com o novo país, onde deseja instalar-se, Francisca deseja regressar a Lisboa.
O representante de Brasília, “Malícia”, terceiro longa-metragem de Jimi Figueiredo, soma em seu elenco rostos conhecidos da televisão (Vivianne Pasmanter, João Baldasserini e Marisol Ribeiro) a reconhecidos atores candangos (Sérgio Sartório, Murilo Grossi e Alexandre Ribondi). “Malícia” registra, em 87 minutos, a história de um dono de restaurante que tenta quitar suas dívidas por meio de propina, sem saber que é vigiado pelo ex-marido de sua mulher. Além de assinar o roteiro com Ana Saggese, Jimi divide a montagem com Vitor Teles.
Amazônia e Sertão
Os diretores Sérgio Andrade e Fábio Baldo traz à Brasília o longa ficcional “Antes o Tempo Não Acabava”. O filme, que participou do Festival de Berlim, registra, com olhar contemporâneo, as andanças de Anderson, jovem indígena em conflito com os líderes de sua comunidade, localizada na periferia de Manaus. Ele não se identifica com as tradições mantidas por seu povo, por senti-las como anacrônicas e, portanto, distantes da vida que leva. Em busca de autoafirmação, Anderson abandona sua comunidade para viver sozinho no centro urbano, onde experimenta novos sentimentos e enfrenta outros desafios. No entanto, o Velho Pajé planeja trazê-lo de volta para mais um ritual. À frente do elenco, Anderson Tikuna, que contracena com Severiano Kedassere, Fidelis Baniwa (da minissérie “Mad Maria”, da Rede Globo), entre outros.
“Deserto”, o segundo representante do Rio na competição brasiliense, marca a estreia do ator paranaense Guilherme Weber na direção cinematográfica. Ele o faz com a retaguarda da competente produtora mineira-carioca, Vânia Catani, parceira de Matheus Nachtergaele (“Festa da Menina Morta”) e Selton Mello (“O Palhaço” e “O Filme da minha Vida”). O diretor escreveu o roteiro de “Deserto” em parceria com Ana Paula Maia. E ambientou sua história no sertão brasileiro (com filmagens em solo paraibano). O enredo narra um grupo de velhos artistas que chega a um pequeno vilarejo para mais uma apresentação. Velhos e cansados da vida errante, os oito artistas decidem ficar neste vilarejo e quixotescamente fundar ali uma nova sociedade. O elenco mobilizado por Weber soma o astro global Lima Duarte e a “cantriz” Cida Moreira a grandes nomes do teatro paraibano, Everaldo Pontes e Fernando Teixeira.
Ceará, Rio Grande do Sul e Minas
Três diretores do coletivo Alumbramento, Luiz Pretti, Ricardo Pretti e Pedro Diógenes, estão em Brasília com o longa “O Último Trago”, fotografado por outro nome de proa do coletivo, Ivo Lopes Araújo. Os três diretores constroem uma narrativa que se passa em três épocas distintas, durante as quais “trava-se luta contra a opressão”. No elenco, a escultural Mariana Nunes, de “Febre do Rato”, Ana Luiz Rios, Larissa Siqueira, Samya de Lavor, Rodrigo Fischer, Rômulo Braga, Elisa Porto e Stephane Brodt. Os três diretores assinam o roteiro com Francis Vogner dos Reis. A montagem é de Clarissa Campolina.
O gaúcho Davi Pretto, diretor do bem recebido “Castanho”, chega a Brasília com seu segundo longa-metragem, “Rifle”, classificado como obra ficcional. “Castanho” também era definido assim, mas passou por alguns festivais como obra documental. No filme, Davi Pretto acompanha Dione, jovem misterioso que vive com uma família em região rural e remota. A tranquilidade da região é afetada quando um rico fazendeiro tenta comprar a pequena propriedade onde Dione e a família vivem. No elenco, Dione Ávila de Oliveira, Evaristo e Andressa Pimentel Goularte, Sofia Ferreira e Francisco Fabrício Dutra dos Santos.
O mineiro Ricardo Alves Jr., que mostrou dois de seus curtas, “Convite para Jantar com o Camarada Stalin” e “Tremor”, no Festival de Brasília, chega agora à competição de longas-metragens, com “Elon Não Acredita na Morte”. Trata-se de ficção fotografada por outro craque da nova geração, Matheus Rocha, integrante da trupe Filmes do Caixote e responsável pelas imagens de “Trabalhar Cansa”.
Alves Jr., único estreante no longa-metragem presente na competição, resume a trama (ou atmosfera) de “Elon Não Acredita na Morte” numa jornada insone pelos cantos mais sombrios da cidade, buscando entender o que pode ter acontecido com Madalena, sua esposa, que desapareceu misteriosamente.
A competição de curtas tem 12 concorrentes, também de diferentes Estados do Brasil, selecionados entre 473 inscritos.
Por Maria do Rosário Caetano