CineOP 2017 – Noite afro-ameríndia e filme sobre Alice Gonzaga movimentam abertura da Mostra de Ouro Preto
Por Maria do Rosário Caetano, de Ouro Preto
Poucos anos atrás, um coletivo de artistas negros de Minas Gerais movimentou a abertura da Mostra CineBH, na capital mineira, com cartazes que exigiam presença de afro-brasileiros em nossa produção audiovisual e na vitrine dos festivais.
A CineBH é uma mostra organizada pela produtora Universo, assim como a CineOP (Cinema, Patrimônio e Educação de Ouro Preto), e a Mostra de Tiradentes, esta dedicada ao cinema contemporâneo. Quem esteve, na noite de quinta-feira, 22 de junho, no Cine Vila Rica, assistiu a um espetáculo afro-ameríndio. Artistas negros e indígenas subiram ao palco para apresentar a festa ou receber homenagem. E, as rainhas da noite foram as integrantes do Coletivo Negras Autoras, cantoras, instrumentistas e “recitadoras” de versos e evocações a mulheres afro-brasileiras da estirpe de Clementina de Jesus, Zezé Motta, Conceição Evaristo e Mãe Menininha do Gantois.
Elas deram o tom da programação que homenageou a inventiva montadora black Cristina Amaral, parceira de Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci e Carlos Adriano. Cristina, com sua discreta elegância e discurso enxuto (afinal, ela edita imagens e… palavras) subiu ao palco acompanhada pela irmã Maria do Carmo Amaral. E recebeu o Troféu Vila Rica das mãos do crítico e curador Francis Vogner dos Reis (que falou um pouco além da conta: Cristina teria enxugado o discurso dele na mesa de edição).
A segunda homenagem da noite foi dirigida ao coletivo Vídeo nas Aldeias, representado por uma índia, Para Yxa Pi (o cineasta Ernesto de Carvalho, da trupe de Vincent Carelli, subiu ao palco com ela, mas fez questão de ser um mero coadjuvante!). O Troféu Vila Rica e o discurso ficaram com a representante indígena. Yxa Pi emitiu a frase mais contundente da noite: “todos os brasileiros têm sangue indígena nas veias, no coração ou nas mãos”. Na imensa tela do centenário cinema, poderosas imagens indígenas iluminavam a noite. Este ano, a festa inaugural da CineOP lembrou a mais belas das já realizadas por um festival brasileiro, a de Gramado 2016, com seus feéricos e informativos painéis de imagens e luzes.
O terceiro homenageado da CineOP, o pesquisador e dicionarista Antônio Leão, recebeu seu Troféu Vila Rica das mãos de dois cineastas e pesquisadores mineiros: Geraldo Veloso (“Perdidos e Malditos”) e Paulo Augusto Gomes (“Idolatrada”). Os três, homenageado e homenageadores, invocaram a importância de se armazenar, além de filmes, a informação registrada “em palavras”. Foram destacadas duas características de Antônio Leão: a labuta diária em seu ofício, sem contar com recursos públicos, e a abrangência e importância de seus dicionários (sobre astros e estrelas, diretores de fotografia, filmes de longa, média e curta-metragem e, o mais recente, sobre a produção brasileira em Super-8).
Depois das homenagens, a cineasta Betse de Paula, 55 anos, subiu ao palco com Alice Gonzaga, 82 anos, a herdeira da Cinédia, estúdio, produtora e arquivo, criado em 1930 pelo polivalente Adhemar Gonzaga (empresário, cineasta, pesquisador e coautor, com Paulo Emilio Salles Gomes, do livro “70 Anos de Cinema Brasileiro”). As duas apresentaram o documentário “Desconstruindo Alice”, realizado em parceria com o canal Curta!.
O filme não está atrás de inovações, mas sim de informações. De preferência, temperadas com boas doses de humor, paixão de Betse e de outros integrantes de seu clã artístico, o Anysio Palmeira de Paula (do qual brotou Chico Anysio). Como Alice é uma grande narradora, Betse só deu corda. A filha de Adhemar Gonzaga fala como o homem da cobra abre centenas de gavetas, apresenta uma infinidade de fotos, documentos e recortes de jornal, emite ideias provocadoras e questionáveis. Um exemplo: “Limite é um filme de Edgard Brazil!”. Ou seja, dá mais autoria ao diretor de fotografia que ao realizador, Mário Peixoto.
Ao longo de 75 minutos, Alice faz graça, para alegria de Betse, que a acompanha ao jazigo da família Gonzaga em cemitério carioca (a pesquisadora, neta de milionário, cuja herança bancou os sonhos do filho-cineasta-produtor, compara as gavetas funerárias a gavetas do arquivo Cinédia) e a vários e outros espaços. Juntas, caminham pelos labirintos do centro de documentação gonzaguiano, pelas imensas casas que já sediaram o estúdio-produtora-arquivo, e vão à praia. Nas águas do Atlântico, a octogenária Alice garante que “as velhinhas praieiras” são as que “vivem mais e melhor”. Ah, detalhe importante: a filha de Adhemar Gonzaga, que se define como uma “mandona” educada pelo Colégio Sion, de Petrópolis, abre reduzidos espaços para suas três filhas, ajudantes e coadjuvantes. Ao marido, companheiro por mais de 60 anos, resta o silêncio carinhoso.
Depois de “Desarquivando Alice”, escolha perfeita e em sintonia com os temas que justificam a existência da CineOP (memória, patrimônio, educação e cinema), quem teve energia foi ao moderno Centro de Convenções de Ouro Preto, participar de festa de abertura musical-culinária intitulada Sangue Latino. No cardápio de melodias, as cúmbias de Javier Galindo e os sons latinos da Orquestra Atípica Lhamas e da Union Latina.
Agora, o programa dos próximos quatro dias, consiste em subir e descer ladeiras de Ouro Preto, cidade tombada como Patrimônio da Humanidade, para acompanhar dezenas de seminários, debates e mesas-redondas. A CineOP é uma espécie de “SPBC da reflexão sobre Cinema e Patrimônio Audiovisual”. Aqui se vêem filmes, sim, mas o foco principal ilumina prioritariamente a reflexão.
E vale, por fim, enfatizar e dar um viva ao Coletivo Negras Autoras, responsáveis pelas mais belas imagens e sons da noite de abertura. Unidas por uma saia coletiva, iluminada por chamativo vermelho, suas cinco integrantes coloriram a fria noite ouro-pretana. Comoveram a todos com seus versos e evocações. E com seus tambores. A Minas do ouro e dos diamantes, devorados pelos colonizadores lusitanos (e ingleses), se fez preta e índia em uma de suas cidades fundadoras.
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