Festival Latino-Americano de São Paulo homenageia Jeferson De
Pela primeira vez, em seus 13 anos de história, o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo vai homenagear um cineasta negro: o paulista, de Taubaté, Jeferson De, criador do manifesto Dogma Feijoada e diretor de filmes e séries com temática e protagonistas afro-brasileiros.
Na noite inaugural do festival, dia 25 deste mês de julho, o Memorial da América Latina festejará o cineasta e promoverá a pré-estreia de seu terceiro longa, “Correndo Atrás”. Jeferson acompanhará a exibição de todos os seus curtas-metragens (destaque para “Carolina”, sobre a escritora Carolina de Jesus, protagonizado por Zezé Motta) e longas, em especial “Bróder”, filme que teve o Festival de Berlim como primeira vitrine e participou de alguns dos principais festivais brasileiros.
Jeferson De, de 49 anos, participará também de debate sobre “A Criação Audiovisual nos Filmes de Realizadores Afro-Descendentes”, no mesmo Memorial da América Latina (dia 27, às 19h), com os colegas Camila de Moraes e Daniel Solá Santiago. Sua participação será importante, pois ele vai discutir a atualidade, ou defasagem, do Dogma Feijoada. O manifesto black, lançado em 2000, foi fruto de pesquisa acadêmica realizada na Escola de Comunicação e Arte, a ECA-USP, instituição em que se formou.
Os mandamentos do Dogma Feijoada são apenas seis: 1. O filme deve ser dirigido por um realizador negro brasileiro, 2. O protagonista deve ser negro, 3. A temática tem de estar relacionada com a realidade do negro brasileiro, 4. O filme deve ter um cronograma exequível, 5. São proibidos os personagens estereotipados (negros ou não), e 6. O roteiro deve privilegiar o negro comum brasileiro (heróis ou bandidos devem ser evitados).
Primeiro a festa, depois o debate. Na festa em que receberá homenagem do festival paulistano, Jeferson vai agradecer “a todos que vieram antes de mim”. Ou seja, “ao pioneiro cineasta, ator e palhaço negro Benjamin de Oliveira (1870-1954), a “Zózimo Bulbul, Odilon Lopes e uma série de realizadores, menos conhecidos do público, mas muito importantes na minha construção cinematográfica”. Sem esquecer “aqueles grandes realizadores, Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, em especial, ligados ao povo, ao nosso cinema popular, e a uma imensa vontade de retratar o Brasil. Eles me tocam muito”.
O homenageado vai lembrar, ainda, em seu agradecimento, “todos os realizadores do cinema brasileiro” que “se juntam à coletividade e à diversidade”. E citará “Antônio Pitanga e Lázaro Ramos”, depois de constatar que só está ali no palco do Memorial da América Latina, porque teve “o incentivo essencial de Zózimo Bulbul”. Jeferson vai agradecer, também, “aos pais, irmãos, esposa e filhas”. Afinal, “a primeira aprovação que tive veio deste âmbito muito pequeno, específico, nuclear, que é a família”.
E o Dogma Feijoada? Algum de seus mandamentos foi superado, passados 18 anos de seu lançamento?
Jeferson responde categórico: “eu não mudaria absolutamente nada no Dogma Feijoada”. Depois da promissora estreia com “Bróder”, potente filme realizado na periferia paulistana (com Caio Blat encarnando um mano, amigo dos personagens de Jonathan Haaggensen e Sílvio Guindane), e de várias séries para TV (dirigiu episódios de “Pedro & Bianca”, “Conexões Urbanas”, “Condomínio Jaqueline”), Jeferson namorou o cinema “branco”. Em Santa Catarina, realizou um filme (“O Amuleto”) que se propunha a dialogar com o gênero do terror e escalou a alva Bruna Linzmeyer para liderar o elenco. O resultado não foi bem avaliado pela crítica, nem conquistou o público.
Agora, o cineasta está de volta, duplamente, ao universo que motivou seu manifesto black e que ganhou destaque no título de seu livro — publicado em 2005, pela Coleção Aplauso da Imprensa Oficial de SP) — “Jeferson De – Dogma Feijoada e o Cinema Negro Brasileiro”.
Com “Correndo Atrás”, baseado em texto do humorista e ator black Hélio de la Peña e protagonizado por Ailton Graça, Jeferson regressa a porto seguro. “Consigo, hoje, apresentar mais uma realização plena do que foi definido no Dogma Feijoada: um filme em que os negros são protagonistas e não estereotipados, não são bandidos, nem mocinhos, mas pessoas comuns, com suas alegrias e sofrimentos, parte de suas rotinas diárias”. E arremata: “Paulo Ventania (Airton Graça) e Jurema (Juliana Alves) são representantes da família brasileira no seu dia-a-dia, com seus defeitos e virtudes”. E o Dogma Feijoada se apresenta afirmativo. “’Correndo Atrás’ traz a afirmação do ‘lugar de fala’ no âmbito cinematográfico”.
Jeferson está filmando seu quarto-longa-metragem, “M8″, com produção de Iafa Britz, da Migdal, a partir de livro homônimo de Salomão Polack. Em foco, a história de Maurício (Juan Paiva), estudante de Medicina, único negro em sala de aula. Ele constata que todos os corpos estudados nas aulas de anatomia são negros. Em paralelo, mães de jovens negros assassinados em chacinas no Rio de Janeiro se unem para denunciar a barbárie.
Para esquentar o debate que refletirá sobre a criação de realizadores afro-brasileiros no Festival da América Latina, Jeferson vai apresentar um trailer da série, ainda inédita, “Malês”, que codirigiu com Belisário Franca.
A décima terceira edição do festival acontecerá no CineSesc, no CCBB, no Instituto CPFL e no Memorial da América Latina, de 25 de julho a primeiro de agosto, com pré-estreias de filmes brasileiros e hispano-americanos, e homenagem também à atriz argentina Inés Efron, de 34 anos. Ela atuou em filmes como “XYZ”, de Lucia Puenzo (no qual interpretou uma jovem hermafrodita), “A Mulher sem Cabeça”, de Lucrécia Martel, “Ninho Vazio”, de Daniel Burman, “Dias de Vinil”, de Gabriel Nesci, “Glue – Historia Adolescente en Medio a la Nada”, de Alexis dos Santos, e “Amorosa Soledad”, de Victoria Galardi e Martin Caranza.
O Fest Latino-Americano exibirá dezenas de filmes e promoverá oficinas, encontros (um deles, sobre “Núcleos Criativos”, contará com participação do ator uruguaio Cesar Troncoso e sarau com o grupo “Los Orientales”), seminário (sobre o saboroso título de “A Cozinha nas Emoções e Sentimentos no Cinema Latino-Americano”) e um Cinema da Vela Especial (o charmoso projeto do CineSesc, que mantém o debate aceso enquanto durar a chama de uma vela). Em pauta: “O Cinema no Feminino”, com a atriz Inés Efron e a cineasta colombiana Viviana Gómez Echeverry (dia 31 de julho, 19h30).
Por Maria do Rosário Caetano
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