Festival de Brasília 51: edição politizada
Guardem os nomes destes filmes: “Domingo”, “Torre das Donzelas”, “Bixa Travesty”, “América Armada” e “Excelentíssimos”. Eles devem transformar o Cine Brasília em caldeirão de aplausos febris (ou vaias), durante a quinquagésima-primeira edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que acontece em plena campanha eleitoral, a partir desta sexta-feira, 14 de setembro.
Já na noite inaugural, será exibido o longa-metragem carioca “Domingo”, de Clara Linhart e Felippe Barbosa, que participou de mostra paralela no Festival de Veneza. Sob título de aparência serena (“Domingo”), desenvolve-se trama ambientada em mansão rural do Rio Grande do Sul, no primeiro dia de 2003, data da posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Duas famílias gaúchas encontram-se para um conflituoso churrasco. A matriarca é interpretada por Íttala Nandi. A atriz, aliás, receberá, do festival candango, o Prêmio Leila Diniz, destinado à trajetória de mulheres (atrizes, diretoras ou técnicas) que ajudaram a construir o cinema brasileiro. Ela e a montadora Cristina Amaral.
Vale lembrar que Clara e Fellipe têm seus nomes inscritos em dois outros títulos marcantes: “Casa Grande” (que formou com “Aquarius” e “Que Horas Ela Volta?” o trio de maior visibilidade na recente repolitização do cinema brasileiro) e no vigoroso “Gabriel e a Montanha”, ele na direção e ela em diversas funcões.
“América Armada”, dos cariocas Alice Lanari e Pedro Asbeg, documentário convidado para a sessão de encerramento (dia 23 de setembro), tem na escalada da violência seu tema principal. O filme lança mão de personagens marcantes em nossos dias recentes para estabelecer paralelos da realidade brasileira com as convulsivas situações da Colômbia e do México. E no ponto fulcral de sua narrativa está a questão do armamento de populações civis. Em que medida, refletem os dois diretores, o culto e o acesso às armas atingem e modificam a vida social?
Entre “Domingo” e “América Armada”, serão exibidos mais de cem filmes de curta, média e longa-metragem. Dois deles vão deixar parte da plateia, a mais conservadora, de cabelo em pé: “Bixa Travesty”, de Cláudia Priscila e Kiko Goifman, sobre Linn da Quebrada e sua trupe que ignora o sexo binário, e “Torre das Donzelas”, de Susanna Lira, sobre o passado da ex-presidenta Dilma Roussef, vista com suas colegas de juventude, encarcerada, no final dos anos 1960, começo dos 70, na ala feminina do Presídio (paulistano) Tiradentes. As presas políticas deram ao local o apelido de “Torre das Donzelas”.
Outro título que deve incendiar a jovem e politizada plateia do Cine Brasília é “Excelentíssimos”, de Douglas Duarte, que participa da mostra paralela Onde Estamos para Onde Vamos. O filme integra a prolífica safra de reflexões a quente sobre o impeachment, que gerou, entre muitos outros, o festejado “O Processo”, de Maria Augusta Ramos, bem-recebido no Festival de Berlim e com significativa bilheteria no Brasil (70 mil ingressos). Os “excelentíssimos” do título são quem vocês estão pensando: os parlamentares brasileiros, protagonistas de grotesco show no dia da votação do impeachment de Dilma Roussef.
Além da mostra principal, que distribui os tradicionais troféus Candangos e prêmios em dinheiro (a Petrobras dará R$200 mil ao melhor filme, segundo o júri popular, para sua futura distribuição), o festival contará, este ano, com quatro mostras paralelas. A que inclui “Excelentíssimos” reúne, ainda, “Elegia de um Crime”, de Cristiano Burlan, “Nós”, de Pedro Arantes, e “Parque Oeste”, de Fabiana Assis.
Quatro documentários foram reunidos em A Arte da Vida. Um deles constitui programa obrigatório para os cinéfilos interessados na vida do pioneiro de Volta Grande e Cataguases, Humberto Mauro (1897-1983). O diretor de “Ganga Bruta”, “O Canto da Saudade” e de dezenas de curtas educativos (destaque para o inventivo “A Velha a Fiar”) ganha cinebiografia documental, que carrega apenas seu nome: “Humberto Mauro”. O filme, dirigido pelo ator André di Mauro, sobrinho-neto do patriarca do patriarca de nosso audiovisual, teve sua pré-estreia mundial em fórum nobre, a mostra Veneza Classics, no influente festival italiano. Completam este segmento paralelo, os filmes “Frans Krajcberg: Manifesto”, de Regina Jehá, “Orin: Música para Orixás”, de Henrique Duarte, e “A Roda da Vida”, de William Alves e Zefel Coff.
Já a mostra Caleidoscópio soma cinco títulos: “Calypso”, de Rodrigo Lima e Lucas Parente, “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diogenes, “O Pequeno Mal”, de Lucas de Barros e Nicolas Zetune, “Os Jovens Baumann”, de Bruna Carvalho Almeida, e “Os Sonâmbulos”, de Tiago Mata Machado.
No último segmento – Festival dos Festivais –, serão exibidos “Dias Vazios”, de Robney Bruno Almeida, “Espera”, de Cao Guimarães, “Fabiana”, de Brunna Laboissière, “Lembro Mais dos Corvos”, de Gustavo Vinagre, e “Sol Alegria”, de Tavinho Teixeira e Mariah Teixeira.
O Prêmio Paulo Emílio Salles Gomes, que homenageia o criador do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (primeira edição em 1965, o que faz dele o mais antigo do país), será entregue este ano a Ismail Xavier, professor da USP e autor de importantes livros de reflexão sobre nosso cinema. Receberá a laurea, também, o baiano-brasiliense de primeira hora, Walter Mello, um dos mais ativos integrantes da equipe que concebeu o festival candango.
Competição de Longa-metragem: Torre das Donzelas, de Susanna Lira, Bixa Travesty, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman (SP) e Bloqueio, de Quentin Delaroche e Victória Álvares (PE), os três documentários; Ilha, de Ary Rosa e Glenda Nicácio (BA), Sombra do Pai, de Gabriela Amaral Almeida (SP), Temporada, de André Novais Oliveira (MG), Los Silencios, de Beatriz Seigner (SP/Colômbia/França), Luna, de Cris Azzi (MG), New Life S.A., de André Carvalheira (DF), todos ficcionais.
Competição de Curta-metragem: Aulas que Matei, de Amanda Devulsky e Pedro B. Garcia (DF), Boca de Loba, de Bárbara Cabeça (CE), Br3, de Bruno Ribeiro (RJ), Eu, minha Mãe e Wallace, de Irmãos Carvalho (SP/RJ), Kairo, de Fabio Rodrigo (SP), Mesmo com Tanta Agonia, de Alice Andrade Drummond (SP), Plano Controle, de Juliana Antunes (MG), Reforma, de Fábio Leal (PE), todos ficcionais; Guaxuma, de Nara Normande (PE), animação, e Conte Isso Àqueles que Dizem que Fomos Derrotados, de Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo e Pedro Maia de Brito (PE/MG), Liberdade, de Pedro Nishi e Vinicius Silva (SP), e Sempre Verei Cores no seu Cinza, de Anabela Roque (RJ), todos documentários.
Candangão (Mostra Competitiva Câmara Legislativa do DF) – com prêmios no valor de R$240 mil, mais Prêmio Petrobras no valor de R$100 mil ao escolhido pelo Júri Popular: Longas-metragens: O Outro Lado da Memória, de André Luiz Oliveira, Marés, ficção de João Paulo Procópio, e New Life S.A. + Curtas e médias-metragens: A Praga do Cinema Brasileiro, de William Alves e Zefel Coff, A Roda da Fortuna, de Luciano Porto, À Tona, de Daniela Conenberg, Brasilha, de Rafael Morbeck, Cabeças, de Bruna Carolli, Casa de Praia, de Duda Affonso, Entre Parentes, de Tiago de Aragão, In Memorian, de Gustavo Fontele Dourado e Thiago Campelo, Me Deixe Não Ser, de Kleber Macedo, Monstros, de Douro Moura, Noroeste, de Lucas Ferreira Gesser, O Homem Banco, de Cícero Fraga, O Mistério da Carne, de Rafaela Camelo, Para minha Gata Mieze, de Wesley Gondim, Presos que Menstruam, de Alisson Sbrana, Riscados pela Memória, de Alex Vidigal, Sinucada, de Rafael Stadniki Morato, e Terras Brasileiras, de Dulce Queiroz.
Por Maria do Rosário Caetano