Terceiro longa-metragem de Paulo Sacramento vai estrear na Mostra SP
O cineasta, montador e produtor paulista, Paulo Sacramento, depois de ler matéria da Revista de CINEMA sobre os filmes selecionados para a edição 2018 do Festival do Rio (de primeiro a onze de novembro), enviou-nos a seguinte carta-artigo, na qual tece, com sua elegância e argumentação costumeiros, verdadeira profissão de fé nos valores estéticos e éticos de seu terceiro longa-metragem, “O Olho e a Faca”, filmado em uma plataforma de petróleo, com os atores Rodrigo Lombardi, Maria Luiza Mendonça e Luiz Mello. Seus longas anteriores são o premiadíssimo documentário “O Prisioneiro da Grade de Ferro”, vencedor das fases brasileira e internacional do Festival é Tudo Verdade-SP, em 2003, e o ficcional “Riocorrente” (2013).
Segue a íntegra do texto, endereçado à repórter Maria do Rosário Caetano.
Rosário querida,
Com muita alegria, queria lhe avisar que, finalmente, estrearemos o meu novo filme (O Olho e a Faca) na Mostra de SP. Para mim, não haveria melhor lugar para fazê-lo, afinal ali foi o meu “berço”, onde aprendi a amar o cinema e, especialmente, um tipo de cinema que abre janelas ao invés de fecha-las.
Nesse filme, tentei sair da minha área de conforto e fazer um filme diferente, dentro de uma grande estrutura de produção, e vivi intimamente esse embate todos os dias dos últimos 3 ou 4 anos. Algo no mínimo angustiante, mas que me provocou e me fez crescer, ainda que à custa de muito sofrimento. Saio modificado e não sei absolutamente dos meus próximos passos. Sei somente que utilizei o cinema como ferramenta do conhecimento, e para muito além do “gostei”/ “não gostei”, penso que o filme propõe uma reflexão que apesar de fora de moda é importante e atemporal – isso enquanto ainda pudermos assumir nossas fragilidades e encarar a vida como um grande exercício de experiências. E a arte como uma via privilegiada para esse exercício, é claro.
Não preciso falar da época de trevas que vivemos. Não há espaço algum para diálogo, não há nenhuma aceitação das diferenças, apenas uma beligerância que se espalha a cada dia mais, corroendo ambos os lados e nossa própria unidade, que chamamos carinhosamente de país. Em tempos de tamanho radicalismo, não vejo mesmo nenhum espaço para esse filme, que propõe um trânsito e um espanto que se mostram a cada dia impossíveis. Assim, sou arremessado de volta à utopia, esse espaço que sempre me foi tão caro. Talvez, seja uma jornada solitária, talvez, apenas singular. Mas enfim, é hora de ligar o projetor e compartilhar minhas angústias, minha poética e também meus defeitos ou impossibilidades. A cada dia, me apego mais a eles, é verdade.
Nunca fiz um cinema confortável e sempre busquei provocar algum incômodo nos espectadores. É o que eu sempre espero, também, dos filmes que vejo. Difícil encontrar o equilíbrio nessa provocação, tocar o limite individual de cada um, fazer razão e emoção se chocarem e produzir algum movimento interno. Faço mais uma tentativa, que seja (in)útil a alguém.
Espero vê-la na Mostra e rogo que o filme estimule conversas não circunscritas apenas ao que chamamos linguagem (faceta que é incontornável), mas principalmente para além dela. Afinal, os filmes revelam não a si mesmos, mas a nós que os assistimos. E mais do que nunca precisamos nos enxergar.
Um grande beijo, Paulo
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