Joel Barcellos, um dos atores emblemáticos do Cinema Novo, morre em Rio das Ostras

O ator e cineasta capixaba, radicado no Rio de Janeiro desde os três anos de idade, Joel Barcellos morreu no último sábado, 10 de novembro, dezessete dias antes de completar 82 anos. Um dos intérpretes mais conhecidos do Cinema Novo, o ator aventurou-se, também, pela direção, com dois longas-metragens, “O Rei dos Milagres” (1971), realizado no Rio e em Roma, na Itália, onde se autoexilou, e “Paraíso no Inferno”, rodado integralmente no Brasil (1977).

A carreira de Barcelos no cinema brasileiro começou para valer no longa “Cinco Vezes Favela”, produzido pelo CPC-UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes), durante o Governo Jango. Ele foi ator do episódio de Leon Hirszman, “Pedreira de São Diogo” (1962). Algum tempo depois, iria para o sertão da Bahia participar de “Os Fuzis”, filme de Ruy Guerra, Urso de Prata no Festival de Berlim/1965. E teria participação pequena, mas significativa, em “A Falecida”, de Leon Hirszman.

Seguiram-se dezenas de longas-metragens, de diretores os mais diversos. Com Neville D’Almeida, atuou no experimental “Jardim de Guerra” e no drama erotizado “Rio Babilônia”, com David Neves fez “Memória de Helena”, “Jardim de Allah” e “Luz del Fuego”, e com Júlio Bressane, “Agonia”. Paulo Thiago o escalou para “Sagarana, o Duelo” e “Batalha de Guararapes”. Joel Barcelos atuou, também, sob o comando de diretores como Paulo Gil Soares (“Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz”), Fernando Coni Campos (“O Homem e sua Jaula”), Geraldo Sarno (“Sítio do Pica-Pau Amarelo”), Paulo Cezar Saraceni (“Anchieta José do Brasil”), Vera Figueiredo (“Feminino Plural”), Hermano Penna (“Fronteira das Almas”), Walter Rogério (“Beijo 2348/72”) e Hugo Carvana (“O Homem Nu”).

Ao longo dos anos 1980, o ator-cineasta estreitou suas relações com Brasília, a capital federal. Em especial, com o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais antigo e duradouro do país (foi criado por Paulo Emilio Salles Gomes, em 1965). Festival, registre-se, que o premiara por seu trabalho em “Jardim de Guerra” e no qual ele assistira ao triunfo de “Memória de Helena”. Este delicado longa-metragem sagrou-se o grande vencedor da quinta edição do Festival de Brasília, em 1969, derrotando o favorito, “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade. Barcelos protagonizou o filme ao lado de Adriana Prieto e Rosa Maria Pena, nesta que é a primeira (e livre) recriação do livro memorialístico “Minha Vida de Menina”, de Helena Morley. O roteiro trazia a assinatura de Paulo Emilio Salles Gomes (então afastado do comando do festival) e de David Neves (em 2003, Helena Solberg faria “Vida de Menina”, desta vez, com pegada mais fiel ao livro).

Em suas constantes passagens por Brasília e por seu festival, Joel Barcelos viveria momentos dignos de lembrança. Em 1989, protagonizou o episódio “Além do Cinema do Além”, de Pedro Anísio, uma das cinco partes do longa-metragem “Brasília, a Última Utopia”, produção de José Pereira, patrocinada pelo então governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira.

No ano seguinte, 1990, na noite de encerramento da vigésima-segunda edição do festival, ele ganhou prêmio inusitado: o de melhor ator coadjuvante por “Beijo 2348”, primeiro longa-metragem de Walter Rogério. O filme, protagonizado por um iluminado Chiquinho Brandão (1952-1991), por Fernanda Torres e Maitê Proença, causara imenso frisson. E ostentava elenco de apoio notável. O talento de Joel Barcelos era inquestionável. Mas seu papel no filme passara despercebido de tão pequeno. Cabia a ele conduzir, num carrinho, calhamaços de páginas judiciais-burocráticas (do processo 2348/72), já no final do “Beijo”. Quando o nome dele foi anunciado como o vencedor, houve perplexidade. O prêmio parecia fruto de atitude humanitária do júri e dera a nítida impressão de ser uma espécie de “Troféu INSS”, ou seja, ajuda financeira em hora difícil. Aliás, há que se lembrar, Barcelos viveu, ao longo de sua vida, muitas dificuldades monetárias. E não as escondeu, em algumas entrevistas.

Luíza Dornas, ex-diretora do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro lembrou, ao saber da morte do amigo, de acontecimento digno de nota na história do ator: ele fora peça-chave na complexa operação que trouxe, à capital federal, o cineasta Bernardo Bertolucci. Em 1994, o festival homenageou a memória de Gianni Amico (1933-1990) com um Troféu Candango especial e ciclo de debates sobre sua significativa colaboração com o cinema brasileiro (ele foi essencial à feitura do documentário “Bahia de Todos os Sambas”, de Hirzman e Saraceni, 1984/1996).

Bernardo Bertolucci viera ao Brasil, graças ao empenho de Joel Barcelos e Paulo Cezar Saraceni (este, colega do futuro diretor de “La Luna” e de Marco Belocchio no Centro Experimental de Cinematografia de Roma), participar do tributo e evocar a memória do amigo. E receber um Candango Especial. Isto, poucos anos depois de conquistar uma dezena de estatuetas (o Oscar da Academia de Hollywood) com o monumental “O Último Imperador”.

Como Joel Barcelos viveu em Roma do final dos anos 1960 até meados dos anos 1970, ele aprofundou relações com Gianni Amico e Bernardo Bertolucci. Apaixonado pelo cinema brasileiro, Amico havia dirigido Barcelos em “Tropici” (Trópicos, 1968), longa-metragem produzido pelo brasileiro (de origem húngara) Thomaz Farkas. O filme, integralmente rodado no Nordeste brasileiro, constituía homenagem explícita aos dramas sociais cinemanovistas.

Quando a barra político-repressiva pesou no Brasil (em especial, com a decretação do Ato Institucional Número 5), Barcelos partiu para Roma, onde finalizou seu primeiro longa como diretor (“O Rei dos Milagres”). O filme tem Glauber Rocha em participação especial como “ator”. Na Europa, Barcelos participou, sem crédito, das filmagens de “O Conformista” (Bertolucci, 1970).

Na TV, o ator-cineasta fez participações em minisséries (“O Pagador de Promessas”, “Teresa Batista”, “Memorial de Maria Moura” e “Engraçadinha: seus Amores e seus Pecados”) e deu vida a um pescador mulherengo de nome Chico Belo em “Mulheres de Areia”, de Ivani Ribeiro.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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