Velho Guerreiro volta a balançar a pança

O cineasta carioca Andrucha Waddington, que fará 49 anos no Réveillon de 2019, lança, nesta quinta-feira, 8 de novembro, seu décimo-segundo longa-metragem, “Chacrinha: O Velho Guerreiro”, em centenas de salas brasileiras.

O filme resgata parte da trajetória (a trama vai de 1939 a 1982) do comunicador pernambucano José Abelardo Barbosa, aquele que buzinava calouros desafinados, jogava bacalhau no (ou para) auditório e balançava a pança. Aquele que notabilizou bordões como “Eu vim para confundir, não para explicar” e “Quem não se comunica, se trumbica”. E que chamava sempre pela “Terezinhaaa??!!”.

O longa de Andrucha não se preocupa com a infância nem a juventude do personagem. Começa com José Abelardo Barbosa (1917-1988) já homem feito (o ator Eduardo Sterblitch), depois de abandonar a faculdade de Medicina, que cursara por dois anos no Recife, iniciando suas aventuras em “bicos” arriscados no Rio de Janeiro. E mostrando sua evidente vocação – ao batalhar postos em emissoras de rádio – como comunicador. Vai passar por muitos apertos, até conhecer a fama na TV, como animador de auditórios. Será pregoeiro de loja popular, fará programa na madrugada de rádio obscura, passará o dia com ração alimentícia mínima.

O Chacrinha famoso, com a imagem que dele retivemos – gordo, com cabelos brancos, roupas extravagantes, buzina e dial de telefone pendurados no pescoço – será visto na pele de Stepan Nercessian.

O elenco de “Chacrinha: O Velho Guerreiro” é o que o filme de Andrucha tem de melhor. Os dois intérpretes do comunicador são ótimos e Thelmo Fernandes cria um Boni (o poderoso comandante da Rede Globo) convincente. Carla Ribas está bem como Dona Florinda, mulher de José Abelardo (embora caiba à personagem ser apenas a esposa negligenciada, que só pensa nos filhos e nas escapadelas extraconjugais do marido), e Laila Garin recria Clara Nunes com seu talento costumeiro.

A modelo Gianne Albertoni não compromete, pois os figurinos e perucas ultra-chamativos que compunham o visual da jurada russo-brasileira Elke Maravilha concentram as atenções do espectador. Rodrigo Pandolfo e Pablo Sanábio, filhos de Chacrinha e Dona Florinda, estão na medida certa. Gustavo Machado e Antônio Grassi interpretam, um com 30 anos, o outro com 60, Oswaldo, espécie de produtor “faz-tudo” de Chacrinha, até ser substituído de forma intempestiva pelos filhos do comunicador. Karen Junqueira é Rita Cadilac (mas, registre-se, as chacretes têm pouco destaque na trama). Só a atriz que interpreta Wanderleia, nora do Velho Guerreiro, não demonstra nenhum carisma, nem a beleza da cantora.

O roteiro de “Chacrinha” foi escrito por Cláudio Paiva, com duas colaboradoras (Julia Spadaccini e Carla Faour). A fotografia, competente, é de Fernando Young e a trilha sonora do craque Antônio Pinto (de “Cidade de Deus”). Há que se lembrar que o filme é fruto de parceria da Conspiração Filmes com dois produtores ítalo-brasileiros (Angelo Salvetti e Cosimo Valerio) e tem Boni (José Bonifácio de Oliveira, de 83 anos) como produtor-associado. E apoio total da Globo Filmes.

Boni e a Globo fizeram exigências? Quiseram “ficar bem na fita”? Em parte, sim. Sem tais parceiros, o filme poderia ser mais crítico e denso. Mas não se pode dizer que o novo longa de Andrucha (ele já tem “O Juízo” quase pronto) é genérico, desfibrado ou edulcorado. O público verá na tela os altos e baixos da carreira de Chacrinha, a prática do jabá (pagamento recebido “por fora” para programar determinados cantores), sua relação promíscua com os anunciantes (o bacalhau que atirava no auditório nasceu para desencalhar sobras de supermercado que patrocinava o programa), não são escondidas suas relações extraconjugais (inclusive com a novata Clara Nunes, por quem ele se apaixonou).

Boni aparece como o conhecemos: um produtor ultra-poderoso da maior emissora de TV do país, atrás de audiência e de um mínimo de compostura-qualidade. Quando Chacrinha apelou para atrações (como um medium que incorporava Seu Sete da Lira), o capo achou que era demais. A emissora, líder de audiência, não devia apelar tanto. Mais tarde, perdoaria o apresentador e o traria de volta às tardes de sábado, na mesma Globo.

Se hoje rememoramos a trajetória de Chacrinha como vitoriosa, portanto, expelida de suas arestas, o filme lembra que, até a sua morte, aos 70 anos, passou por outras emissoras, com infraestrutura precaríssima e que mambembou, com artistas de segunda linha, por palcos de terceira, em caravanas que exigiam longos e cansativos deslocamentos. E que sempre enfrentou muitos problemas de saúde.

Quando a Conspiração lançou “2 Filhos de Francisco”, muitos perceberam que o ótimo filme de Breno Silveira (mais de 5 milhões de espectadores) se preocupara em embalar a dupla Zezé de Camargo e Luciano em trilha sonora sofisticada. Ou seja, em repertório que ia além do sertanejo (ou “breganejo”) e dialogava com a MPB de raízes telúricas.

A Revista de CINEMA perguntou a Andrucha Waddington se ele tivera a mesma preocupação ao escolher, junto com o trilheiro Antônio Pinto e equipe, trilha mais sofisticada para “Chacrinha, o Velho Guerreiro”.

O cineasta respondeu: “Nosso filme apresenta 27 músicas, mais trilha incidental. As canções escolhidas são fieis à alma do personagem, que gostava do brega e do sofisticado. Ele recebia Caetano Veloso e Gilberto Gil em seu programa, e estes o tinham como um grande tropicalista. Chacrinha programava artistas de todas as vertentes. Seria pretensioso dizer que selecionamos mais cantores de uma tendência, que de outra. Lembremos que a trajetória dele deu origem a qualificativos como ‘aberração’, para uns, ou ‘genial’, para outros. E que ele era assistido da classe E à A, portanto, transcendeu o preconceito. Nossa curadoria musical foi fiel a ele”.

Andrucha, que além de diretor, é produtor, reconhece (e preocupa-se com) o risco de se lançar “Chacrinha” neste ano, em que a produção brasileira registra bilheterias modestas para filmes com evidente potencial de diálogo com o público.

O cineasta entende que “estamos vivendo um momento muito difícil, com autoestima baixa e um anunciado retrocesso de 50 anos”. Mesmo assim, acredita que “Chacrinha: O Velho Guerreiro” poderá “trazer algum tipo de alegria aos brasileiros, ser um alento”.

Eduardo Sterblitch e Stepan Nercessian, os dois “Chacrinhas” do filme, distribuído pela poderosa dobradinha Paris Filmes/Downtown, têm relação bem diferente com o personagem que interpretam.

“Eu nasci em 1987”, lembra Eduardo. “Tinha, portanto, menos de um ano quandro Chacrinha morreu. Mas, nos cenários do ‘Pânico’, programa no qual trabalhei por nove anos, havia um bonequinho dele”. Já Stepan Nercessian assistiu a muitas edições de programas do Chacrinha e foi amigo pessoal do produtor Jarbas Barbosa, irmão de José Abelardo. Jarbas produziu, entre outros filmes brasileiros, “Xica da Silva” (Cacá Diegues, 1976), no qual Stepan atuou. No teatro, o ator goiano protagonizou musical sobre o Velho Guerreiro, que fez imenso sucesso e serviu de matéria-prima à sua composição cinematográfica do Velho Guerreiro.

Chacrinha: O Velho Guerreiro
Brasil, 105 minutos, 2018
Direção: Andrucha Waddington
Elenco: Stepan Nercessian, Carla Ribas, Theo Carvalho, Laila Garib, Gianne Albertoni e grande elenco

 

Filmografia de Andrucha Waddington:

1988 – “Os Paralamas em Close Up” (doc)
1999 – “Gêmeas”, 2000
2002 – “Eu Tu Eles”
2005 – “Outros (Doces) Bárbaros” / “Viva São João” (docs)
2007 – “Casa de Areia”, “Maria Bethânia, Pedrinha de Aruanda” (doc)
2011 – “Lope” (ficção internacional)
2012 – “Os Penetras”
2016 – “Sob Pressão”
2017 – “Os Penetras 2 – Quem Dá Mais”
2018 – “Chacrinha: O Velho Guerreiro”
2019 – “O Juízo” (em finalização)

 

Por Maria do Rosário Caetano

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