Coprodução minoritária com Portugal pode ser um bom negócio

O Brasil está mergulhando na onda das coproduções minoritárias com maior fôlego e os efeitos desse investimento já começam a brilhar nos números do mercado cinematográfico. A boa notícia que chega de Portugal é que “Pedro e Inês, o Amor Não Descansa” foi o filme nacional mais visto pelos portugueses em 2018 e trata-se, justamente, de uma coprodução com o Brasil e a França. Além das estatísticas bastante favoráveis, vale a pena analisar por aqui quais são as oportunidades que se abrem nessa modalidade ao incluir dois ou mais sócios estrangeiros.

O filme estreou no dia 18 de outubro de 2018, em 40 salas de Portugal, e continua em cartaz. Os dados mais recentes apontam para 46.758 espectadores até 9 de janeiro de 2019 e pode aumentar ainda mais. Em termos de comparação, podemos lembrar outra coprodução minoritária brasileira: “Tabu”, de Miguel Gomes, teve première internacional no Festival de Berlim em 2012, ganhou o prêmio da crítica e vendeu 23.817 ingressos em Portugal, segundo o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). Ou seja, um pouco mais da metade do que “Pedro e Inês” conseguiu em apenas três meses e sem ter estreado em nenhum grande festival internacional.

A narrativa gira em torno de uma lenda que envolve o jovem rei Dom Pedro I e a sua amante Inês de Castro. Os livros relatam que ele teria desenterrado o corpo da jovem para nomeá-la rainha e o mito é conhecido em Portugal como “a mais gloriosa história de amor portuguesa”, tal como a distribuidora local reforça bem no trailer. Na imprensa portuguesa, é possível encontrar analogias ainda mais pop, como “o Romeu e Julieta português”.

O roteiro também se baseia na obra “A Trança de Inês”, de Rosa Lobato de Faria, e é contado em três tempos paralelos: na época medieval, na atualidade e em um futuro distópico. A direção é de António Ferreira, que estreou na Cinéfondation do Festival de Cannes com o média-metragem “Respirar Debaixo d’Água”, em 2000, entrando para o rol de realizadores da família cannoise.

A produção majoritária de “Pedro e Inês” é da portuguesa Persona Non Grata Pictures. A França entrou no projeto por meio da MPM Film e a parte brasileira ficou por conta da Refinaria Filmes, a qual possui 20% da coprodução e é uma das empresas que está investindo nessa ponte luso-brasileira há bastante tempo.

Além de “Pedro e Inês”, a Refinaria é coprodutora minoritária de “Raiva”, do cineasta Sérgio Tréfaut e que deve estrear em março nas telas brasileiras. Em Portugal, o filme foi lançado em outubro e contabiliza 7.344 espectadores. Eles também coproduziram os documentários “O Manuscrito Perdido” (2010), de José Barahona (diretor português radicado no Brasil e sócio da própria Refinaria Filmes) e “A Arca do Éden” (2011), de Marcelo Félix. Como majoritários, a coprodução luso-brasileira do catálogo é “Estive em Lisboa e Lembrei de Você” (2016), de Barahona.

Partilha dos lucros 

Em termos de negócios cinematográficos, depois do filme pronto, fica bastante claro pelos acordos oficiais de coprodução como é feita a partilha dos ganhos. A bilheteria é dividida da seguinte forma: cada um dos países coprodutores recebe os valores correspondentes ao seu território. O resto do mundo é partilhado de acordo com a porcentagem que cada um detém nesse projeto. No caso de “Pedro e Inês”, Portugal é o majoritário e fica com a bilheteria portuguesa e a maior fatia das vendas internacionais. O Brasil recebe a bilheteria brasileira e 20% das exportações, e a França é reembolsada com a bilheteria francesa e uma menor parcela do internacional.

Onde está a vantagem desse investimento financeiro e artístico de longos anos então?

Ainda analisando “Pedro e Inês” – que só deve estrear no Brasil em meados deste ano ou no segundo semestre –, a primeira possibilidade é ter um público razoável nas salas brasileiras, visto que ele deve desembarcar por aqui com essa bela chancela de “o filme português mais visto em Portugal em 2018”. E essa deverá ser a marca internacional.

Dito de outra forma, mesmo que ele não tenha sido exibido em um grande festival, o trunfo para conquistar os compradores internacionais, que poderão distribuir o filme em seus países, será exatamente esse. No mercado cinematográfico, ostentar o maior público nacional do ano vende muito bem o filme para o resto do mundo. Não é uma regra infalível, há vários outros fatores em jogo, mas costuma funcionar. E quanto mais países se interessarem pela obra, mais aqueles 20% da coprodução minoritária brasileira poderão render.

Pelas informações da Ancine, é possível verificar que as produtoras brasileiras estão buscando, cada vez mais, sócios portugueses para estabelecer uma coprodução. De 2005 a 2017, Portugal aparece em 35 coproduções, 19 nas quais o Brasil é majoritário (54,28%) e 16 na modalidade minoritária (45,71%). Isto é quase metade delas e demonstra essa constância. Se ampliarmos ainda mais as minoritárias, veremos que 10 desses 16 filmes foram realizados somente entre produtores brasileiros e portugueses (62,5%). Quando um terceiro país é incluído, a Espanha é a mais recorrente: são quatro dos 16 filmes; em seguida vem a França, com três.

A título de curiosidade: depois de Portugal, o Brasil tem mais coproduções minoritárias com a Argentina (são 14 filmes no mesmo período, segundo a Ancine), Espanha (10 filmes) e França (9 filmes).

Importante lembrar também que os próprios editais de coprodução bilaterais lançados pela Ancine nos últimos anos estimulam essa regularidade. Em 2007, foi lançado o primeiro concurso para coprodução entre produtores brasileiros e portugueses, e ele segue até hoje, com convocatórias anuais. A Argentina foi o segundo país contemplado nesse estímulo direto, em 2010. Desde então, outros protocolos foram assinados com outros países e o próximo passo é o edital Coprodução Mundo, que já foi analisado por aqui.

Portanto, trata-se de um mecanismo que vem se estabelecendo como uma política pública para o cinema brasileiro, com resultados que começam a demonstrar sinais de amadurecimento ao gerar público, dividendos e boas perspectivas em termos de internacionalização. Com menos dinheiro investido, é cada vez mais possível alcançar esses objetivos por meio das coproduções minoritárias, abrindo fronteiras mais regulares. Nesse sentido, além de Portugal ser um dos parceiros mais antigos do Brasil, é uma das portas de entrada para os fundos europeus e o acesso às cotas de tela locais, indispensáveis em um cenário de exportação do nosso cinema e audiovisual.

 

Por Belisa Figueiró, autora do livro “Coprodução de Cinema com a França: Mercado e Internacionalização”.

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