Mercedes Morán, a protagonista de “Família Submersa”
Por Maria do Rosário Caetano
O oscarizado “A História Oficial” nos revelou a grande Norma Aleandro. Pedro Almodóvar colocou Cecília Roth na capa da Cahiers du Cinéma (e nas nossas retinas), com “Tudo sobre minha Mãe”. Agora, os brasileiros estão descobrindo e se encantando com Mercedes Morán, atriz de imenso talento, que nos últimos meses protagonizou três filmes lançados em nosso circuito de arte.
O primeiro, “Sueño Florianópolis”, de Ana Katz, foi filmado na capital catarinense. Nele, Morán atuou ao lado do argentino Gustavo Garzón e dos brasileiros Marco Ricca e Andréa Beltrão. Em seguida, veio “Um Amor Inesperado”, um típico Darín movie. Trata-se de uma simpática, bem-construída e mobilizadora comédia romântica. Na Argentina, o filme vendeu quase 800 mil ingressos. Só perdeu para “O Anjo” (1,3 milhão), quarto longa em que Morán brilha no elenco e que chegará aos cinemas brasileiros no próximo dia 18. Estima-se que o Darín movie, agora vitaminado pela luminosa presença de Mercedes Morán, mobilize perto de 100 mil espectadores brasileiros. Em suas primeiras semanas em cartaz, vendeu 50 mil ingressos.
Chegou, pois, a hora de conferir “Família Submersa”, dirigido pela “menina santa” María Alché. O filme terá pré-estreia paga no Espaço Itaú Augusta, em São Paulo, nesta terça-feira, 2 de abril, às 21h. Para completar o programa – imperdível para os admiradores do cinema latino-americano (e argentino em particular) –, será exibido antes (às 19h), o segundo longa-metragem de Lucrecia “O Pântano” Martel: “A Menina Santa”, de 2004. O programa compõe-se, portanto, com fascinante dobradinha “melliza” (gêmea).
Ver “Família Submersa” e “A Menina Santa” num mesmo programa é um privilégio. Afinal, Mercedes Morán é a protagonista dos dois. No longa lucreciano, ela interpreta Helena, a mãe de Amália, “la niña santa”. Quando fizeram este filme, Morán estava chegando aos 50 anos e María Alché se aproximava dos 21, mas com rosto angelical de uma adolescente. Lucrecia Martel, produzida pela El Deseo, dos irmãos Agustin e Pedro Almodóvar, constrói um de seus potentes, poéticos e corrosivos filmes. Antes que o assédio se tornasse o tema da hora, a realizadora argentina já o enfrentava com perturbadora ambiguidade. Tudo se passa num hotel, onde há uma grande piscina. Durante uma convenção de médicos, que debatem temas ligados à profissão, a jovem e católica Amália, vivendo os inquietantes momentos da puberdade, torna-se objeto de desejo do Dr. Jano (Carlos Belosso). Ele, que é casado, interessa-se também pela mãe da “menina santa”, a bela e esguia Helena (Morán). A menina vê-se dividida entre o desejo sexual e sua devoção religiosa. Como em todos os filmes de Lucrécia, nada será previsível, explícito ou banal.
Já em “Família Submersa” – que depois da sessão dupla paulistana, fará sua estreia nesta quinta-feira, 4 de abril –, mãe e filha lucrecianas assumem novos papéis. María Alché torna-se diretora e roteirista deste que é seu primeiro longa-metragem, e Mercedes Morán dá vida a Marcela, uma dona de casa que, ao perder a irmã Rina, sofre forte abalo emocional. Enquanto vive o luto, ela segue em sua rotina. Ajuda os filhos, desempenha tarefas domésticas e vê-se obrigada a esvaziar o apartamento da irmã. Nacho (Esteban Bigliardi), jovem amigo da filha de Marcela, dará a ela apoio fundamental em momento tão difícil. À medida que o tempo vai correndo, o passado e o presente se entrelaçam e Marcela começa a questionar sua própria natureza.
“Família Submersa” participou de vinte festivais, entre eles o de San Sebastián, na Espanha (prêmio de melhor filme na mostra Horizontes Latinos), Locarno, na Suíça, Valdívia, no Chile, Festival da UNAM, no México (melhor direção) e Gotemburgo, na Suécia (no qual conquistou o Prêmio Ingmar Bergman de melhor filme de diretor estreante). Neste mês de abril, participará do New Directors New Films, em Nova York.
Mercedes Morán, que só agora, aos 63 anos, chega com força total ao nosso circuito de arte, respondeu a breves perguntas da Revista de CINEMA. E reafirmou sua militância feminista. Ao receber prêmio no Festival de Mar del Plata, por sua longa trajetória como atriz de cinema, teatro e TV, ela fez questão de exibir, no punho direito, o lenço verde das defensoras do aborto legal, seguro e gratuito.
Na ocasião, novembro do ano passado, as feministas argentinas lutavam, sem descanso, pela aprovação, via Congresso Nacional, de lei que permitisse a interrupção da gravidez. Perderam, mas a luta foi das mais mobilizadoras, com grandes passeatas na Plaza de Mayo.
Mercedes, você está vivendo o auge de sua carreira cinematográfica. Num só ano, 2018, atuou em quatro filmes, em três deles como protagonista (“Família Submersa”, “Um Amor Inesperado” e “Sueño Florianópolis), sendo “O Anjo”, o quarto. Você recebeu prêmio de melhor atriz no Festival de Karlovy Vary, na República Tcheca (por “Sueño Florianópolis”), e o Festival de Mar del Plata a premiou por sua trajetória. É mais prazeroso conquistar tamanho reconhecimento na maturidade?
Mercedes Morán – Creio que todos os momentos da vida têm seus lados luminosos e escuros….! No meu caso pessoal, tento viver esta etapa com muita consciência. Este momento presente me faz sentir-me muito privilegiada e agradecida por tanto reconhecimento. Na minha juventude, pensava que a paixão pela atuação iria diminuindo com o passar do tempo. Porém, tem se dado exatamente o contrário…
Lucrecia Martel e María Alché são dois nomes femininos importantes em sua trajetória cinematográfica. Com Lucrecia, você fez o seminal “O Pântano” e “A Menina Santa”. Foi neste segundo filme que você conheceu a jovem María Alché? Como se sente, passados 15 anos, como protagonista de um filme dirigido por ela, a “niña santa”?
Mercedes Morán – Isto é algo muito mágico! Que minha filha na ficção de um filme de Lucrecia seja minha diretora em sua ópera prima (filme de estreia). María e Lucrecia mantiveram um forte vínculo ao longo de todo este tempo. Só posso constatar que foi um chiste feliz do destino. Um prazer enorme participar de suas primeiras películas (“La Ciénaga” e “Familia Sumergida”) estar presente neste “nascimento” delas como grandes diretoras. Um privilégio!
Você trabalhou com nomes da linha de frente do cinema latino (Lucrecia, Pablo Larraín, Juan José Campanella, Marcelo Piñeyro, o brasileiro Walter Salles, em “Diário de Motocicleta”, e o italiano Daniele Luchetti, num filme sobre o Papa Francisco). É diferente trabalhar sob a direção de um realizador e de uma realizadora? Ou nunca parou para pensar nisto? As causas feministas a mobilizam?
Mercedes Morán – Cada diretor ou diretora é diferente. Claro que há um entendimento especial com alguns deles. E isto responde a distintos motivos. Porém, quando participo de filmes com histórias de mulheres, ser dirigida por uma mulher torna-se mais fácil. Em geral, os diretores com os quais filmei, não contavam histórias de mulheres…. Sim, sou feminista e me dá muita felicidade ser contemporânea desta ola imparable (esta onda “imparável”).
Família Submersa (María Alché, 2019) e A Menina Santa (Lucrécia Martel, 2004)
Sessão dupla nesta terça-feira, 2 de abril, no Espaço Itaú da Augusta, às 19h (“A Menina Santa”) e às 21h (“Família Submersa”). Um ingresso a R$20,00, a inteira, e R$10,00, a meia, dá direito aos dois filmes.
No Rio de Janeiro (Estação Net Botafogo) será exibido, nesta quarta-feira, 3 de abril, o programa “3 x María Alché”, composto com os curtas “Noelia” e “Gulliver” e o longa “Família Submersa”, às 21h10, seguido de debate com a cineasta argentina. Ingressos a R$27,00 (inteira) e R$13,50 (meia).
“Família Submersa” é uma produção que une Argentina, Alemanha, Noruega e Brasil (Bubbles Project e TvZero). Distribuição da Esfera Filmes.
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