Olhar de Cinema 2019
Por Maria do Rosário Caetano
O Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba inaugura sua oitava edição na noite desta quarta-feira, 5 de junho, com longa-metragem inédito, que revisita a obra de Eduardo Coutinho (1933-2014), o mais respeitado dos documentaristas brasileiros. Três salas do Espaço Itaú de Cinema, no Shopping Crystal, exibirão, para convidados, “Banquete Coutinho”, de Josafá Veloso, produzido por Eugenio Puppo, em parceria com o Canal Curta!
O festival curitibano, que prossegue até o dia 13, com exibição de 90 filmes contemporâneos (sem esquecer os clássicos), seminários, debates e oficinas, entregará prêmios aos melhores de suas mostras competitivas na quarta-feira, dia 12, quando será exibido “Breve História de um do Planeta Verde”, de Santiago Loza, coprodução entre Argentina, Alemanha, Brasil e Espanha. Na quinta-feira, 13, o público poderá conferir todos os filmes premiados, em reprises especiais.
Para sua oitiva edição, o Olhar de Cinema convocou um time de 36 profissionais dos mais reconhecidos do nosso audiovisual para comandar a primeira edição dos “Encontros de Cinema de Curitiba”. Caso das atrizes Maeve Jinkings, de “O Som ao Redor”, e da afro-lusitano-brasileira Isabél Zuaa, de “As Boas Maneiras”, dos cineastas Karim Aïnouz, que acaba de vencer a mostra Um Certo Olhar, em Cannes com “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, e Gabriel Martins, do inédito “No Coração do Mundo”, Affonso Uchoa, do premiadíssimo “Arábia”, Gustavo Pizzi, de “Benzinho”, e Gabriel Mascaro, de “Divino Amor”.
A este grupo se somarão produtores com grande folha de serviços prestados ao cinema brasileiro: Rachel Daisy Ellis, da Desvia, com know-how em coproduções internacionais (como “Vemelho Sol”), a carioca Mariza Leão, da Morena Filmes, e o produtor Rodrigo Teixeira, dono de carteira de produções que vai de “O Cheiro do Ralo” a “Wasp Network”, o novíssimo filme do francês Olivier Assayas.
A presença de Mariza Leão no grupo é das mais estimulantes, pois mostra que o Olhar de Cinema, comprometido com o cinema independente (e experimental) contemporâneo, reconhece também a importância de projetos que buscam diálogo com o grande público. Caso dos filmes morenos “Zuzu Angel“ e “Meu Nome Não é Johnny”. Além do mais, Mariza assumiu, nos últimos meses, forte liderança na luta contra a avassaladora (e pouco saudável) presença de blockbusters na quase totalidade do circuito exibidor brasileiro (o último “Vingadores” ocupou, sozinho, 92% de nossas salas). Junto com Luiz Carlos Barreto, já nonagenário, a produtora carioca se assume como combativa militante do PCB (Partido do Cinema Brasileiro).
Outra área em que o Olhar de Cinema vem se notabilizando é aquela que mira, amorosamente, os clássicos da era muda somados a retrospectivas de cineastas-inventores ou movimentos artísticos que ajudaram a engradecer o cinema planetário.
Filmes seminais como o germânico “Gente no Domingo”, que revelou futuros artífices da grandeza de Billy Wilder, somados a “O Manuscrito de Saragoza“, do polonês Wojciech Has, à obra de Friedrich “Aurora” Murnau e de Jean “Jaguar” Rouch, fontes de permanente (e renovador) diálogo, já mobilizaram, no Olhar, plateias tão interessadas quanto as dos filmes contemporâneos.
Para a mostra Olhar Clássico deste ano, o comando do festival selecionou filmes de exílio, centrados, em especial, na obra do chileno Raul Ruiz (1941-2011). O cineasta atuava em seu país natal, quando do triunfo do golpe militar que depôs o presidente Salvador Allende. Partiu para o exílio, na França, onde realizou parte significativa de sua obra. O festival curitibano vai mostrar oito filmes chilenos e europeus de Ruiz e, também, produções de diretores brasileiros “realizadas em passagens pelo exílio”.
O propósito da mostra é apresentar “diálogos entre as histórias recentes de dois países de nosso continente, o Chile e o Brasil, já que ambas viveram sob ditaduras militares em tempos próximos (o Brasil, de 1964 a 1985, o Chile, de 1973 a 1990). Convidados apresentarão seus filme e refletirão, com o público, sobre “os significados desse legado transnacional, dentro do contexto de mostra, cujo nome se inspira no filme ‘Diálogos dos Exilados’, o primeiro longa de Ruiz concluído na França, após sua fuga do Chile para a Europa”.
Dos outros sete filmes de Ruiz (no Brasil, só conhecemos sua fase ficcional francesa), a maioria programada em cópias digitais restauradas, seis são preciosas raridades. Caso de “Três Tristes Tigres”, de 1968, “A Vocação Suspensa”, de 1977, “As Divisões da Natureza”, 1978, “A Hipótese do Quadro Roubado”, 1979, “Dos Grandes Eventos e Pessoas Comuns”, de 1979, e “O Teto da Baleia” (Holanda, 1982). Dos filmes programados, só um chegou ao circuito de arte brasileiro, “As Três Coroas do Marinheiro”(França, 1983). Mas é mais que bem-vinda sua exibição para novas gerações.
Boa parte dos filmes de Ruiz chega a Curitiba graças ao trabalho de restauro empreendido pelo INA (Instituto Nacional de Arquivos), pela Cinemateca Francesa e pela Cinemateca da Holanda.
Aos oito filmes chilenos, se somarão dez realizações de brasileiros: Ruy Guerra, com “Mueda, Memória e Massacre”(1979), e Murilo Sales (“Estas São as Armas”, 1978), ambos realizados em Moçambique, “O Leão de Sete Cabeças” (Glauber Rocha, 1970, realizado na África),“Meio-dia” (1970), e “A Dupla Jornada” (1975), ambos de Helena Solberg, este sobre o trabalho feminino em vários países da América Latina, “Un Séjour”, de Carlos Diegues, (França, 1970), “Não é Hora de Chorar”(Luiz Alberto Sanz e Pedro Chaskel, realizado no Chile, em 1971), “Memórias de um Estrangulador de Loiras” (Júlio Bressane, 1971, realizado na Inglaterra), “O Pequeno Exército Louco”, de Lúcia Murat e Paulo Adário, 1984, realizado na Nicarágua, e “Fragmentos do Exílio” (2003), obra memorialística de Silvio Tendler, que viveu seu exílio no Chile, onde trabalhou com Chris Marker no seminal “La Spirale”.
E tem mais filmes entre os Clássicos: “Os Renegados”, de Agnès Varda, “Conhecendo o Grande e Vasto Mundo“, de Kira Muratova, “O Conformista”, de Bernardo Bertolucci, “Cantando na Chuva”, de Stanley Donen, “Memórias do Cárcere”, de Nelson Pereira dos Santos, “A Longa Caminhada”, de Nicolas Roeg, e “Reminiscências de uma Viagem à Lituânia”, de Jonas Mekas, sete realizadores que partiram em tempos recentes. Para completar, um clássico da cinefilia: “Programa Germaine Dulac”, com “Celles Qui s’en Font”, “La Cigarette” e “Danses Espagnoles”, todos dirigidos pela pioneira do cinema feminino francês (além de crítica e teórica de cinema), nascida em Amiens, em 1882, e falecida em Paris, em 1942.
A principal mostra competitiva do Festival de Curitiba é a de longas e curtas-metragens internacionais, “composta por um conjunto de apostas, e também descobertas, de filmes recém-chegados ao mundo e ainda inéditos no Brasil”. A curadoria garante ter buscado “equilíbrio entre inventividade, abordagem de temas contemporâneos e potencial de comunicação com o público”. Convenhamos, uma mistura formidável.
Entre os onze longas concorrentes, três são brasileiros e 100% femininos: “Casa”, de Letícia Simões, “Chão”, de Camila Freitas, e “Diz a Ela que me Viu Chorar”, de Maíra Bühler. Eles vão disputar os prêmios (simbolizados num círculo de madeira no qual um par de óculos estilizado se propõe a aguçar nossa visão) com o argentino “De Novo Outra Vez”, de Romina Paula, o espanhol “Entre Duas Águas”, de Isaki Lacuesta, a coprodução EUA-México “Família da Madrugada”, de Luke Lorentzen, o belga “Etangs Noirs”, de Pieter Dumoulin e Timeau de Keyser, o francês “Seguir Filmando”, de Ghiath Ayoub e Saeed Al Batal, o isralense (parceria com França e Bélgica) “Tel Aviv em Chamas”, de Sameh Zoabi, e o chinês “Pretérito.Imperfeito”, de Shengze Zhu (parceria com os EUA).
Na competitiva de curtas e médias-metragens, dois são brasileiros – “Thinya”, de Lia Letícia, e “Sete Anos em Maio”, de Affonso Uchôa – e sete internacionais.
“Aqueles que Dejan”, de Elena López Riera, vem da Espanha, “Atalhos”, de Daniela Delgado, do Equador, “Aziza”, de Kaadan Soudade, do Líbano (parceria com a Síria), “Entropia”, de Flóra Buda, da Hungria, “Em Caso de Fofo”, de Tomás Marques, de Portugal, “Presente”, de Aditya Ahmad, da Indonésia, e “Terras do Mar”, de Azucena Losana, da Argentina (parceria com o Chile).
A segunda das mostras competitivas, a “Novos Olhares”, propõe-se a tornar conhecidos “trabalhos que exploram e tentam expandir os limites dos gêneros cinematográficos desafiando o espectador a pensar o seu lugar frente a obras instigantes”. São seis os concorrentes – um deles, o brasileiro “A Noite Amarela”, de Ramon Porto Mota. Da Espanha, chega “A Cidade Escondida”, de Victor Moreno; do Japão, “Domínios”, de Natsuka Kusano; da França, “Não Pense que Vou Gritar”, de Frank Beauvais; do Canadá, “Ms Slavic”, de Deragh Campbell e Sofia Bohdanowicz; e da Índia, “Levando Doces ao Cavalo”, de Anamika Haksar.
Por fim, vem a mostra “Outros Olhares”, segmento no qual “o festival reflete de maneira ampla sobre os dilemas sociais e humanos, que marcam o nosso tempo e encontram no cinema a caixa de ressonância mais forte”. Assim como nas outras mostras – pondera a curadoria – “aqui também temos filmes de destaque internacional, que combinam ficções e documentários dos mais diferentes lugares”.
O Brasil conta com quatro representantes – “A Cor Branca”, de Afonso Nunes, “Enquanto Estamos Aqui”, de Clarissa Campolina e Luiz Pretti, “Espero tua (Re)Volta”, de Eliza Capai, e “Indiara”, de Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa. Eles disputam com oito títulos internacionais: os franceses “Cinzas e Brasas”, de Manon Ott, e “Daniel”, de Atlan Marine, o chinês “No Alto da Montanha”, de Yang Zhang, os belgas “No Salão Jolie”, de Rosine Mbakam, e “Segunda Vez”, de Dora García (parceria com a Noruega), o norte-americano “Pahokee”, de Ivete Lucas e Patrick Bresnan, o mexicano “Uma Corrente Selvagem”, de Nuria Ibáñez Castañeda, e o coreano (do sul) “Uma Noite de Inverno”, de Woo-Jin Jang.
Os curtas da “Outros Olhares” são os brasileiros “Caranguejo Rei”, de Enock Carvalho e Matheus Farias, “Polis”, de Rafael Baptista, “Quebramar”, de Cris Lyra, “Sabá”, de Sérgio Carvalho, e “Tudo que É Apertado Rasga”, de Fábio Rodrigues, os cubanos “Aurora” de Everlane Moraes, e “Na Boca da Mina”, de Brandán Cerviño, o português “Uma História Africana”, de Billy Woodberry, o vietnamita “Terra Abençoada”, de Phan Ngoc , o espanhol “Enclausurado”, de Sol Prado, o norte-americano “Instruções para Fazer um Filme”, de Nazli Dincel, o suíço “Linhas de Riso”, de Patricia Wenger, e os franceses “Make it Soul”, de Jean-Charles Mbotti Malolo, e “Omarska”, de Varun Sasindran.
A oitava edição do Olhar de Cinema apresentará, ainda, no segmento “Exibições Especiais”, longas e curtas de diversos países. Entre eles, “A Portuguesa”, de Rita Azevedo Gomes, “Sedução da Carne”, de Júlio Bressane, que se fará acompanhar do premiado curta de Carlos Adriano “Sem Título #5: A Rotina Terá seu Enquanto”, “A Mulher da Luz Própria”, de Sinai Sganzerla, que presta homenagem à sua mãe, a atriz e cineasta Helena Ignez, e “Uma Fábrica de Pão”, do norte-americano Patrick Wang. Uma sessão com seis curtas, dois da realizadora homoafetiva Barbara Hammer (1939-2019) – “Dyketactics” e “Força Dupla” – e um tributo a ela – “Vever (para Barbara)” –, estarão em diálogo com três curtas brasileiros contemporâneos – “Boca de Loba”, de Barbara Cabeça, “Latifúndio”, de Érica Sarmet, e “X-Manas”, de Clarissa Ribeiro.
Por fim, uma novidade instituída este ano: a mostra “Olhares Brasil”. Serão apresentados filmes que se destacaram em festivais nacionais e internacionais (cinco longas-metragens e quatro curtas). Os longas são “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”, de Marcelo Gomes, “Rosa Azul de Novalis”, de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro, “Bimi Shu Ykaya”, de três realizadores indígenas (Isaka Huni Kuin, Zezinho Yube Huni Kuin e Siã Huni Kuin), “Ilha”, de Ary Rosa e Glenda Nicácio, e “Bloqueio”, de Quentin Delaroche e Victória Álvares. Os curtas e médias-metragens são “Vaga Carne”, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr, “Antes de Ontem”, de Caio Franco, “Um Ensaio sobre a Ausência”, de David Aynan, e “Prefiro Não Ser Identificada”, de Juliana Muniz.
O Olhar de Cinema tem direção geral e artística de Antônio Junior e duas comissões curatoriais, uma de longas-metragens (Carla Italiano, Eduardo Valente e Aaron Cutler) e uma de curtas-metragens, 100% feminina, com Marisa Merlo, na coordenação, e Carol Almeida, Camila Macedo e Kariny Martins como integrantes.