Gramado mostra “Hebe, a Estrela do Brasil”

Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado (RS)

“Hebe, a Estrela do Brasil”, sexto longa-metragem de Maurício Farias, é uma cinebiografia da apresentadora de TV, famosa por manter animadas conversas com seus convidados em vistoso sofá.

O filme, quinto concorrente brasileiro aos troféus Kikito do Festival de Gramado, tem em duas mulheres seus pilares: a atriz Andréa Beltrão, que interpreta “a estrela do Brasil”, e Carolina Kotscho, a roteirista, que assinou, sozinha ou com parceiros, cinebiografias de Zezé de Camargo e Luciano (“Dois Filhos de Francisco”) e Paulo Coelho (“Não Pare na Pista”).

Para narrar parte da história de Hebe Camargo (1929-2012), Carolina se deteve apenas nos momentos em que a apresentadora, já famosa, mantinha seu programa na TV Bandeirantes, então comandada por um Walter Clark pós-Globo, e depois no SBT de Silvio Santos. Não há flashbacks da infância, nem da juventude. Sempre coberta de joias e envolta em tecidos brilhantes (os figurinos e adereços são do acervo da própria apresentadora), surge uma Hebe que enfrenta a Censura e milita em defesa de gays e travestis.

Conhecida por suas posições conservadoras (ela era eleitora e amiga pessoal de Paulo Maluf), no filme, Hebe Camargo aparenta ser progressista. Afinal, faz questão de abrir espaço aos LGBTs, custe o que custar (até, se preciso for, seu posto de rainha do sofá televisivo). Entre os gays que ela apoia estão Patricio Bisso, encarnado na personagem Olga del Volga, e Roberta Close, sem falar em seu apoio a seu amigo-e-cabeleireiro, Carlucho (Ivo Muller), vítima de Aids, no período epidêmico da doença. O que, na vida real, deve ter sido relação afetivo-profissional (principalmente com o cabeleireiro), no filme, vira engajamento e bandeira.

No campo político, que o filme trata superficialmente, aparece uma apresentadora decidida, que enfrenta militares censores e até o Congresso Nacional. Na época da Assembléia Nacional Constituinte (1987/88), Hebe usou seu programa para atacar o Parlamento. A instituição representativa, na figura de Ulisses Guimarães, resolveu processá-la. Se fosse condenada, poderia pegar até oito anos de prisão. A ação foi retirada.

Andréa Beltrão entra no páreo pelo Kikito de melhor atriz, mas Marcélia Cartaxo (“Pacarrete”) segue como favorita. Uma terceira concorrente (a espanhola Carmen Maura) entra no páreo na noite desta quinta-feira, 22 de agosto, quando será exibido o sexto longa nacional, “Veneza”, de Miguel Falabella. Marco Ricca, que interpreta o empresário Lélio Ravagnani, segundo marido de Hebe, está excelente e é forte candidato a ator coadjuvante. Assim como Danton Mello, intérprete de sobrinho e fiel secretário da tia famosa.

Se a cinebiografia de Hebe falha pela superficialidade política, o mesmo não se pode dizer de sua parte familiar. As relações de Hebe com o marido Lélio, um milionário ciumento e cafona, são mostradas em boas sequências. É possível afirmar, sem risco de erro, que “Hebe, a Estrela do Brasil” é o filme brasileiro em cujos cenários mais desfilam copos de uísque. O que se consome deste líquido ao longo dos 112 minutos de narrativa daria para encher muitos tonéis. O grande ensaísta e professor de cinema dos EUA Robert Stam, costumava lembrar que filmes brasileiros apresentavam dificuldades ao encenar cenas de briga e cenas protagonizadas por bêbados. Destes dois males, o filme de Maurício Farias não padece.

Hebe era fã apaixonada de Roberto Carlos. Eram amigos e ela o levou ao programa que marcou sua aguardada estreia no SBT. Lélio foi festejá-la com um buquê de rosas vermelhas, a cor da paixão. Mas deparou-se, antes de entregá-lo, com dois buquês de rosas (vermelhas!), maiores que o seu e enviados por… Roberto Carlos. Alimentado por doses e doses de uísque e tomado por ciúme shakespeariano, Lélio via na troca de afagos (à vista de milhares de espectadores) da apresentadora com o rei da canção romântica (com direito a selinho nos lábios) indícios de traição. Resultado: brigas homéricas, separações e, depois, reconciliações. Ficaram casados por 27 anos (até a morte dele, em 2000).

A relação de Hebe com Marcello Capuano (Caio Horowicz), filho único de um primeiro casamento (ela faria abortos, depois, mas este assunto não aparece no filme) é mostrada com certa sensibilidade. Mas a homossexualidade latente do jovem nunca é tema de conversa entre mãe e filho. Ela o mima com dezenas de presentes e torce para que ele se entenda com o pai ausente (rápida participação de Gabriel Braga Nunes). Se Hebe era uma defensora da causa LGTB, por que nunca conversa sobre o assunto com o próprio filho?

Andrea Beltrão tem presença marcante em todas as cenas e, apesar de bem mais magra que a apresentadora e da reduzida semelhança física, carrega o filme nas costas. Todos os papéis se tornam pequenos, mínimos até, perto dela. Mesmo assim, há participações dignas de nota. O caso mais notável é o de Karine Teles, como uma fugaz Lolita Rodrigues.

Quem acompanhou Hebe Camargo, a jovem morena que chegou de Taubaté e depois virou loura platinada, desde o início de sua carreira, gostará de vê-la em seu primeiro ofício: o de cantora. A Hebe de celulóide (ou digital) canta “Começar de Novo”, de Gonzaguinha, para dizer que faria tudo outra vez. A Hebe real canta, com a própria voz, “Fascinação”, versão brasileira deste imenso sucesso internacional. O público de Gramado recebeu o filme com aplausos protocolares.

A sexta noite do festival gaúcho foi movimentada. Além de “Hebe, a Estrela do Brasil”, foram exibidos dois curtas, o pernambucano “O Balido do Inferno”, de Éder Deó, e o brasiliense “Invasão Espacial”, de Thiago Foresti, e o longa uruguaio “En el Pozo”(No Poço), dos irmãos Bernardo e Rafael Antonacci. E houve homenagem ao quadrinista Mauricio de Sousa, que recebeu o Troféu Cidade de Gramado. Aos 83 anos, o pai da Turma da Mônica soma 60 anos de carreira e 440 personagens que povoam revistinhas, tiras de jornal e filmes. O último, “Turma na Mônica – Laços”, o primeiro com atores, foi visto por mais de 2 milhões de espectadores e deve ganhar duas sequências. No palco, Maurício lembrou que sua produtora de quadrinhos emprega 350 funcionários.

Mauricio de Sousa recebe o Trofeu Cidade de Gramado © Edison Vara

Um dos produtores de “Hebe, a Estrela do Brasil”, por sua vez, lembrou que este filme criou 1.267 empregos diretos e indiretos. Maurício Farias, integrante de um verdadeiro e produtivo clã cinematográfico (Roberto Farias, Riva, Reginaldo, Lui, Marise, Mauro e ele próprio) ponderou que sua família tem 70 anos de dedicação ao audiovisual brasileiro e que vê com imensa preocupação os rumos impostos ao setor pelo novo governo. Principalmente, destacou, “o dirigismo cultural” que quer impor filtros à criação artística.

O curta brasiliense “Invasão Espacial” abordou outro tema controvertido e caro ao programa do novo governo: o ataque a povos originários (indígenas e quilombolas). Foi muito aplaudido, assim como o discurso de sua equipe, que clamou por um novo modelo de desenvolvimento. Um modelo que “não extermine povos originários em nome de um capitalismo predatório”. Já “O Balido do Inferno” é narrativa que opõe jovem dona de barraca de ervas medicinais numa feira (e que tem um bode como animal de estimação), a um dono de outra barraca (de imagens religiosas), que vê no bicho uma encarnação do demônio.

“En el Pozo”, o representante do Uruguai, é um thriller ambientado, quase por inteiro, em uma única locação: poço profundo, encravado numa pedreira de sólidos e vermelhos paredões. Com imagens belíssimas, o filme reúne quatro amigos em escaldante dia de veraneio. São três rapazes e uma moça. O namorado dela, tomado pelo ciúme, moverá o dispositivo que irá perturbar, de forma brutal, o passeio. A ideia é boa, mas o roteiro merecia maior aprofundamento psicológico e menos coincidências.

FILMOGRAFIA DE MAURÍCIO FARIAS

2019 – Hebe, a Estrela do Brasil
2016 – Vai que Dá Certo 2
2013 – Vai que Dá Certo
2009 – Verônica
2007 – A Grande Família, o Filme
2005 – O Coronel e o Lobisomem

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