Assayas dá ênfase ao feminino em “Wasp Network”

Por Maria do Rosário Caetano

Com três minutos a mais que a versão apresentada na competição ao Leão de Ouro, no Festival Veneza, “Wasp Network” está pronto para chegar ao público, escorado em tema explosivo e elenco estelar, encabeçado por Penélope Cruz, Wagner Moura, Édgar Ramírez, Gael García Bernal, Ana de Armas e Leonardo Sbaraglia.

E qual é o tema explosivo do novo filme do francês Olivier Assayas, 64 anos, diretor do lisérgico e apaixonante “Carlos”? A operação Havana-Miami que, no começo dos anos 90, infiltrou agentes secretos cubanos em grupos anticastristas, radicados na ensolarada Flórida. Na origem deste thriller de base documental, está o livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, do brasileiro Fernando Morais.

Que nenhum espectador espere espiões similares ao emblemático James Bond, com seus carros e armas de última geração. Os cubanos que desembarcam nos EUA como dissidentes são insignificantes proletários. Viverão, em raros momentos especiais, já que são pilotos de avião, do resgate de balseiros no mar do Caribe. Balseiros que fogem de Cuba em frágeis e improvisadas embarcações. Mas, no dia a dia, os pilotos estarão condenados a exercer ofícios (jardineiro, limpador de piscina), que encheriam de envergonha o espião britânico dotado de licença para matar.

Cena de "Wasp Network"

Depois de exibição de gala na abertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Wasp Network” poderá ser visto em mais três sessões: nesta sexta-feira, dia 18, no Cinearte (16h30), no domingo, 20, no Itaú Frei Caneca (21h15), e no sábado, 26, no CineSesc (21h15).

Os participantes da Mostra poderão, ainda, assistir a Retrospectiva (com 15 filmes) de Olivier Assayas, na qual o título mais procurado dever ser “Carlos”. Este filme, nascido como série de TV, é o carro-chefe da Retrospectiva e será exibido em sua versão integral, com mais de cinco horas. Como a adrenalina marca as ações desta narrativa vertiginosa, o espectador não verá o tempo passar.

Na manhã da última quarta-feira, o produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, recebeu Olivier Assayas e os atores Édgar Ramírez, venezuelano, e Leonardo Sbaraglia, argentino, para coletiva de imprensa, no Hotel Renaissance, na Alameda Santos paulistana. Wagner Moura, que era esperado, não pôde comparecer “devido a compromissos nos EUA”.

Leonardo Sbaraglia, Olivier Assayas, Édgar Ramirez e Rodrigo Teixeira © Natali Hernandes

Assayas assegurou que não houve uma “remontagem” de “Wasp Network”, pós-Veneza. “O que fizemos” – esclareceu, “foram alguns ajustes para dar mais clareza à história”. O diretor lembrou que “as filmagens, em Havana, foram encerradas em 4 de maio último. Como Veneza acontece anualmente, no início de setembro, ele teve muito pouco tempo para supervisionar a montagem e cuidar de todos os detalhes de finalização. Mesmo assim, o filme foi selecionado e exibido no festival italiano.

“No pós-Veneza” – explicou Assayas –, “vimos que faltavam detalhes capazes de esclarecer aspectos da política cubana”. Afinal, “o livro de Fernando Morais traz muitas informações, uma infinidade de dados. Para lê-lo e tomar conhecimento real da história que contava, consumi mais de três semanas. Há grupos diferentes entre os anticastristas da Flórida, alguns deles militaristas. Outros não”.

O livro de Fernando Morais conta a história da Rede Vespa, que infiltrou, como se fossem dissidentes, cinco agentes secretos cubanos em meio às comunidades anticastristas de Miami. A estes espiões, somou-se rede de apoio, em solo estadunidense, de mais nove colaboradores pró-Cuba (sete homens e duas mulheres).

Para não complicar muito a história de “Wasp Network”, Assayas escreveu seu roteiro, depois de rigorosa pesquisa, com cirúrgica capacidade de síntese. Preservou a essência dos fatos históricos, condensando-os nas ações de apenas três agentes cubanos: René González (Édgar Ramírez), Juan Pablo Roque (Wagner Moura) e Manuel Viramóntez (Gael García Bernal), o chefe da operação. Dos líderes anticastristas de Miami, o cineasta-roteirista abriu espaço maior para José Basulto (Leonardo Sbaraglia, soberbo em seu matizado desempenho) e menor para Jorge Mas Canosa e Luis Posada Carriles.

Roteirista e realizador de filmes em que mulheres ocupam papel central (caso de “Clean” e “Irma Vep”, protagonizados por sua ex-mulher, a atriz Maggie Cheung, e “Acima das Nuvens”, com Juliette Binoche), Olivier Assayas deu significativo destaque a duas personagens femininas (no livro de Morais, elas são secundárias): Olga Salanueva (Penélope Cruz), a esposa cubana que René abandonou em Havana, e Ana Margarita, a futura e bela esposa (Ana de Armas), a quem Juan Pablo (Wagner Moura, brilhando mais uma vez) se uniria, em Miami, com direito a festa colossal.

A se julgar pelo poderoso fotograma exposto no telão do Auditório Ibirapuera, na badaladíssima noite de abertura da Mostra SP, o filme vai apostar no carisma de Penélope Cruz. Na imagem (abaixo), ela é vista com filha-bebê no colo, em visita ao marido (Édgar Ramírez), preso nos EUA. Um vidro os separa. Mesmo assim eles se dão, simbolicamente, as mãos.

© Claudio Pedroso

A Revista de CINEMA dirigiu à Rodrigo Teixeira, Olivier Assayas e seus atores, uma série de questões.

Rodrigo, quando “Wasp Network” será lançado no Brasil, com quantas cópias e com que nome? Haverá uma tradução para esta rede Wasp (white, anglo-saxã, protestante)?

Rodrigo Teixeira – Ainda estamos negociando com distribuidores internacionais o lançamento do filme. As negociações estão bem adiantadas. Quanto ao nome, ainda estamos estudando. Em Cuba, a operação foi denominada Rede Vespa. Na França, o filme se chamará “Cuban Network”. No Brasil, pensamos em utilizar título que se aproxime mais do livro de Fernando Morais (“Os Últimos Soldados da Guerra Fria”). Mas nada está decidido.

Assayas, gostaria que falasse do relevo dado às personagens femininas. E gostaria, também, de saber se você acha que o filme será exibido no Festival de Havana. Ou haverá censura a ele?

Olivier Assayas – Prefiro que Rodrigo (Teixeira) fale sobre a participação no Festival de Havana.

Rodrigo Teixeira – Não creio que teremos problemas com Cuba e seu festival. Faremos, em breve, uma sessão para importantes integrantes do governo, em Havana. Mostramos o filme ao advogado que, nos EUA, defendeu os cinco agentes secretos cubanos (durante o longo processo que os condenou a duras sentenças, incluindo prisão perpétua) e ele teve uma visão muito positiva. Destacou pontos altos na narrativa, emocionou-se. Então, creio que o filme será exibido no Festival de Havana. Aguardamos a confirmação.

Olivier Assayas – Quando li o livro do Fernando Morais, vi que tinha uma história muito forte para contar. O que mais me interessou foram as relações humanas, a parte emocional dos envolvidos naquela operação (Rede Vespa). Como eu quis colocar ênfase nas emoções humanas, concentrei-me na composição de duas personagens femininas, que viveram esta história de forma singular. Penélope Cruz interpreta uma mulher cubana que, junto com a filha pequena, foi abandonada pelo marido, que partiu inesperadamente para os EUA. Já a personagem interpretada por Ana de Armas casa-se, por amor, com um homem que não é quem ela pensa que é. Me sinto um homem de sorte por ter trabalhado com este elenco maravilhoso. Não sou de muitos ensaios. Mas ter dirigido Penélope Cruz, Ana de Armas, Wagner Moura, Leonardo Sbaraglia, todos pela primeira vez, e ter voltado a trabalhar com Édgar Ramírez foi mesmo um lance de sorte.

Rodrigo Teixeira – Eu, então, nem sei como consegui produzir um filme dirigido por Olivier Assayas e com um elenco destes. Faço questão de dizer que Assayas é um realizador muito especial. Ele não me conhecia. Desejei tê-lo como diretor de “Wasp Network”, porque gosto muito de “Carlos”. Como conhecia um produtor francês que já trabalhara com ele, perguntei se achava que Assayas se interessaria em transformar o livro de Fernando Morais em um longa-metragem. A RT Features participou deste livro desde o início de sua produção, pois financiamos muitas das pesquisas que foram feitas em Cuba e nos EUA. Assayas, mesmo sem me conhecer, me recebeu com imensa generosidade. Desde que se soube que eu tinha os direitos de “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, muitos realizadores (brasileiros, inclusive) me procuraram, interessados em transformar o livro em filme. E vieram com sugestões de grandes nomes do cinema norte-americano para o elenco. Vi que havia ali muito de irreal, não iam conseguir tais nomes. Já Assayas, ao me dizer sim, me explicou como entendia o projeto e ponderou que fazia questão de que só trabalhássemos com atores latino-americanos. Eu sugeri Wagner Moura e Leonardo Sbaraglia. Ele sugeriu Édgar Ramírez, o “Carlos”, e me disse que tinha uma atriz latina em mente, mas não me disse o nome. Quando ela aceitou o papel, ele me contou: era a espanhola Penélope Cruz. Eu fiquei em estado de graça. Hoje, tenho certeza, Fernando Morais deve estar orgulhoso com o resultado do filme. Ele não esperaria tanto: um diretor de prestígio internacional, 14 atores em papéis protagonistas e coadjuvantes vindos de vários países ibero-americanos. Há atores de El Salvador, vários cubanos, um brasileiro, um venezuelano, um mexicano, um argentino. Nem ele (Fernando Morais), nem eu, esperávamos tanto.

Fernando Morais, na noite de abertura da Mostra SP © Natali Hernandes

Édgar, gostaria que você falasse da importância em sua trajetória como ator, de três filmes: “Punto y Raya” (Elia Schneider, 2003), “Carlos” (Assayas, 2010) e “Wasp Network”.

Édgar Ramírez – Primeiro registro minha alegria de estar, pela primeira, em São Paulo para participar de seu festival de cinema. Os três filmes citados são, mesmo, essenciais na minha trajetória. “Punto y Raya” é o início de tudo. Me coube interpretar um personagem que tem a vida atrapada y aplastrada (apanhada e destroçada) por uma guerra hipotética entre Venezuela e Colômbia. Isto foi há 12 ou 13 anos. Quem imaginaria que as aquelas tensões imaginadas pela ficção de Elia Schneider cresceriam e nos perturbariam no presente, agora no plano da realidade? Meu país, a Venezuela, vive um momento terrível. Já “Carlos” foi o princípio de minha carreira internacional, me trouxe uma nova vida. Eu era (e sou) jornalista e ator que fazia filmes e TV num país sul-americano. Depois de “Carlos” multiplicaram-se convites para atuar em grandes produções internacionais (o ator fala inglês, francês, italiano e alemão). Minha vida mudou. Devo muito a Olivier Assayas, mais que um diretor, um amigo, um grande companheiro. “Wasp Network” é esta maravilhosa experiência que terminamos de filmar neste ano e, depois de passar por Veneza, está chegando ao público brasileiro. Agora estou aguardando nossa terceira parceria. Como Assayas me chamou para ser “Carlos” e, agora, um piloto, um grande aventureiro, que foge de Cuba para Miami, creio que em breve ele me convocará para atuar no filme ambientado na Coreia do Norte. Brincadeiras à parte, meu personagem, René, é um homem complexo, tridimensional. É cubano, mas poderia ser de qualquer país, pois o que interessa é sua face humana, como este homem se coloca dentro da mecânica da política e da História. Há muito dele no soldado que interpretei em “Punto y Raya”.

Sbaraglia, como foi para você interpretar um “gusano” (verme, nome com o qual os castristas definem os que deixaram a Ilha depois da Revolução de 1959)?

Leonardo Sbaraglia – Primeiro, quero lembrar que “Wasp Network” me levou a realizar minha primeira viagem a Cuba. Passei duas semanas em Havana. Fui convidado para interpretar José Basulto, um cubano radicado nos EUA e integrante de grupos de decidida oposição aos Irmãos Castro, e aceitei. Mas só tive três dias para treinar o cubanês (espanhol falado com acento cubano). E tive que treinar também meu inglês, que não é tão bom quanto o do Édgar. Então, ele gravou minhas falas em inglês com acento cubano para que eu o imitasse (risos). Estamos até pensando em montar uma peça chamada “O Ventríloquo e o Cubano” (risos). Mas, agora falando sério, nós vivemos uma experiência maravilhosa. Há filmes em que cada um faz sua parte, vivendo no seu mundo particular. No nosso, não, nós formamos uma família, trabalhamos juntos, convivemos uns com os outros diariamente. E tivemos o maravilhoso auxílio de dois grandes nomes do cinema cubano: o ator Patricio Wood e o diretor Arturo Soto. Eles estiveram conosco, nos ajudaram em tudo, corrigiram nosso cubanês, enfim, foram grandes parceiros. Eu só lamento não ter dado um “bezito” em Penélope. Sou amigo de Javier (Bardem, o marido dela), mas continuo querendo fazer par com ela. Mas Assayas deu este direito a Édgar, que pôde beijá-la à vontade. Já eu, fiquei com o “gusano” José Basulto. E olhe que é a segunda vez que trabalho num mesmo filme com Penélope. O primeiro foi “Dor e Glória”, mas Almodóvar me colocou longe dela, no tempo e no espaço. Voltando, de novo, a falar sério, o que me interessa, ao interpretar um personagem, não se ele é um herói ou um traidor, mas sim a proposta do filme. E a proposta de Olivier Assayas consiste em buscar atores para interpretar seres humanos complexos, não caricaturas. E quero, aqui, agradecer a parceria que venho desenvolvendo com Rodrigo (Teixeira). Neste momento, ele coproduz o quinto trabalho em que estou envolvido e que terá filmagens no Rio de Janeiro. Fizemos “O Silêncio do Céu”, de Marco Dutra, a série “O Hipnotizador”, “Wasp Network”… Enfim, um parceiro muito especial na minha carreira.

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