Cinema brasileiro perde Chico Teixeira

Por Maria do Rosário Caetano

O cineasta carioca, radicado em São Paulo, Chico Teixeira, morreu nesta quinta-feira, 12 de dezembro, aos 61 anos, vítima de câncer no pulmão. Ele enfrentava a doença há cinco anos. Em 2014, seu segundo longa-metragem, “Ausência”, coprodução Brasil-Chile, participou do Festival de Gramado. Ele não pôde comparecer, mas, depois, posou, em foto doméstica, com dois dos quatro troféus Kikito conquistados por seu belo filme.

Em dezembro do mesmo ano, Teixeira conseguiu participar do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, em João Pessoa, na Paraíba, e cumpriu, com sua discreta generosidade, suas “obrigações”: apresentou a sessão oficial do filme e esteve nos debates. E aproveitou o tempo para conversar com amigos, em especial com Jean-Claude Bernardet, a quem admirava muito.

A obra de Chico Teixeira é compacta e de grande qualidade. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em março de 1958, estudou Economia, pós-graduou-se na respeitada FGV (Fundação Getúlio Vargas), mas só se realizou como diretor de cinema. Seus dois primeiros curtas-metragens (“Favelas”, de 1989, e “Velhice”, de 1991) não causaram impacto especial. Mas mostraram que o rapaz, nascido em família rica, tinha sensibilidade especial para acompanhar vidas pequenas, de favelados, idosos e, como mostrariam seus filmes seguintes – os mais notáveis – anões, manicures de subúrbio, feirantes, gente de circos mambembes.

O reconhecimento de Chico Teixeira deu-se no ano do centenário do cinema (1995), quando seu curta-metragem, de 21 minutos, “Criaturas que Nasciam em Segredo”, produzido por Zita Carvalhosa, estourou nos festivais. Venceu a competição da Mostra em 16 Milímetros, em Gramado (a mesma que revelou “Superoutro”, de Edgard Navarro) e acumulou prêmios em Brasília, Cine Ceará, Cuiabá, Jornada da Bahia, Guarnicê do Maranhão, Festival de Recife, Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e triunfou em Huesca, na Espanha (melhor filme ibero-americano).

O curta, nem tão curto assim, revelava, com imensa criatividade, a vida destas pessoas (cinco anões) que, como bufões medievais, carregavam o estigma de, por serem diferentes, garantir a diversão de outros, tidos como normais.

Em 2000, Teixeira voltou a outro tema marcado pela originalidade: os gêmeos. Com apenas 60 minutos, o filme, que teve Jean-Claude Bernardet como assistente de direção, acabou em situação indefinida: era um longa-metragem? Ou um média-metragem? Não conquistou os 21 prêmios de sua pequena obra-prima (“Criaturas que Nasciam em Segredo”), mas confirmou sua condição de documentarista inventivo e de temas originais. E – registre-se – autor de títulos de forte acento simbólico, nunca banais. “Carrego Comigo” estreou na seleção oficial do Festival É Tudo Verdade e integrou a programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O filme acompanha o cotidiano de treze pares de gêmeos idênticos, entre eles os cartunistas Chico e Paulo Caruso, as cantoras Celma e Célia, somados a nomes menos conhecidos. Teixeira construiu narrativa que revela a complexa vida dos irmãos gêmeos, feita com regras próprias, que começa com a festa do nascimento, quando encantam pais e vizinhos, prossegue com brincadeiras de infância (um passar-se pelo outro), depois a luta pela individuação e, até, o desejo (em alguns casos) de afastar-se para que cada um tenha sua própria vida.

Depois de quatro documentários, Teixeira resolveu realizar sua estreia na ficção. Escreveu (com parceiros) e dirigiu o belíssimo “A Casa de Alice”. Com elenco notável, liderado por sua protagonista, Carla Ribas, o filme participou de dezenas de festivais internacionais (ganhou o Prêmio Fipresci – Federação Internacional de Críticos de Cinema, em Guadalajara-México) e brasileiros (melhor atriz para Carla Ribas no Festival do Rio e na Mostra Internacional de São Paulo).

A quarentona Alice é uma manicure de bairro esquecido de São Paulo. Casada há 20 anos com o taxista Lindomar (Zé Carlos Machado), que vive atrás de meninas jovens para casos extraconjugais, ela desfruta da companhia da mãe idosa (Berta Zemel), conversa com as amigas e, também, procura parceiros. Um deles é vivido pelo ótimo ator black, Luciano Quirino.

Nos filmes de Teixeira, pequenas vidas se revelam em suas (in)significâncias e nos encantam. O diretor filma(va) rente aos corpos de seus atores, buscando proximidade sensorial e envolvimento. “A Casa de Alice” é um filme que merece ser visto e revisto, sempre.

“Ausência”, agora o último longa ficcional de Chico Teixeira, foi produzido por Paula Cosenza, em parceria com Andres Wood, o grande cineasta chileno (“Histórias de Futebol”, “Machuca” e “Violeta que Estás nos Céus”). Tanto que convidou para seu elenco a atriz Francisca Gavillán, aquela que deu vida à cantora Violeta Parra no notável longa woodsiano.

Depois de um filme feminino (“A Casa de Alice”), Teixeira resolveu mergulhar no universo masculino e, discretamente, como era de seu feitio, no universo da homo-afetivo. Os protagonistas são o adolescente Serginho (Matheus Fagundes) e Irandhir Santos (o professor Ney). O garoto vive com a mãe (Gilda Nomacce), que bebe muito, desde que foi abandonada pelo marido. Ele trabalha na feira de hortifutigranjeiros e torna-se arrimo de família. Nos momentos de folga, convive com os amigos Mudinho e Silvinha.

Não há grandes reviravoltas nas tramas de Teixeira. Em “Ausência”, naquele momento em que vive-se a passagem para a fase adulta, Serginho não sabe bem quais são seus reais desejos sexuais, seu afetos, seu projeto de vida. Passa, então, a viver (ou melhor, a buscar) relação confusa com o professor Ney. Tudo no filme é fruto de sutileza e aposta na complexidade dos sentimentos.

Vencedor de quatro prêmios no Festival de Gramado 2014 (melhor filme, diretor, roteiro e tilha sonora), “Ausência” fez sua estreia na Mostra Panorama, no Festival Internacional de Berlim, e ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival do Rio.

O cineasta carioca, que desenvolveu sua breve carreira (de menos de 30 anos) em São Paulo, deixa escrito o roteiro de “Dolores”, projeto no qual trabalhou intensamente. O longa-metragem deve ser realizado por seu amigo e parceiro de trabalho, o pernambucano Marcelo Gomes, diretor de filmes notáveis como “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”.

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