A Cinemateca Brasileira pede socorro em carta que traz assinatura de cineastas e ex-gestores
A Cinemateca Brasileira pede socorro. Em carta divulgada na sexta-feira, 15 de maio, final de semana, profissionais ligados à história da instituição, considerada a maior da América do Sul, desenham quadro desesperador. Denunciam grave falta de recursos e de políticas públicas para o setor da memória cinematográfica. Falta que coloca em risco o funcionamento da instituição, criada em 1946, por grupo do qual fizeram parte Paulo Emilio Salles Gomes, Francisco de Almeida Salles, Antonio Candido, Lourival Gomes Machado e Déccio de Almeida Prado.
Entre os signatários do documento, que continua colhendo assinaturas, estão a escritora Lygia Fagundes Telles e Ismail Xavier, ambos ex-presidentes do Conselho da Cinemateca, Carlos Augusto Calil, ex-diretor da instituição, o cineasta Ugo Giorgetti, o diretor de fotografia Lauro Escorel, também cineasta, a professora da USP, Esther Hamburger, e os ex-conselheiros Dora Mourão e Eduardo Morettin.
A Cinemateca Brasileira conta com importante sede situada na Vila Mariana, em São Paulo, com depósitos de filmes da era muda até produções recentes, com poderoso banco de documentos e hemeroteca, além de duas salas de exibição. Enquanto a situação se agrava, centenas de filmes brasileiros – caso de “Os Mendigos”, que Flávio Migiliaccio dirigiu em 1962 e anunciou como a “primeira comédia do Cinema Novo” – correm o risco de desaparecer. Os programas de restauro de filmes ameaçados sofreram brutal solução de continuidade nos sete últimos anos.
Segue, na íntegra, a carta em defesa da Cinemateca Brasileira:
“A Cinemateca Brasileira, maior arquivo de filmes do país, cuja trajetória é reconhecida internacionalmente, enfrenta uma situação limite. Em meados de maio, não recebeu ainda nenhuma parcela do orçamento anual, cujo montante é da ordem de R$ 12 milhões.
Após sofrer uma intervenção do Ministério da Cultura em 2013, que destituiu sua diretoria e retirou-lhe a autonomia operacional, vem enfrentando um processo contínuo de enfraquecimento institucional que culmina na atual ameaça de total paralisia.
A Cinemateca tem sob sua guarda o maior acervo audiovisual da América do Sul, cuja preservação demanda cuidados permanentes de técnicos especializados e manutenção de estritos parâmetros de conservação em baixa temperatura e umidade relativa.
Estão sob sua custódia coleções públicas e privadas que constituem a memória audiovisual do país. Além do seu intrínseco valor cultural, as obras dos produtores nacionais agregam valor econômico; são fonte de renda industrial que mantém a dinâmica do setor. A ameaça que paira sobre a Cinemateca não é a destruição de valores apenas simbólicos, mas igualmente tangíveis.
O contrato do Governo Federal com a Organização Social que a administra – Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP) – foi encerrado por iniciativa do MEC. A atual Secretaria Especial da Cultura, responsável pela Cinemateca, tem seus vínculos administrativos divididos entre os ministérios da Cidadania e do Turismo.
Essa situação esquizofrênica dificulta a atuação do governo com a urgência necessária para impedir a falência da Cinemateca, enquanto a administração pública se dedica a desenhar uma solução de longo prazo. Se o orçamento da Cinemateca não for imediatamente repassado a ACERP, assegurando a manutenção do quadro mínimo de contratados e as condições físicas de conservação, não haverá necessidade de uma perspectiva de fôlego, pois já teremos alcançado a solução final.
O descaso da Secretaria do Audiovisual do extinto Ministério da Cultura para com a Cinemateca acarretou o incêndio de fevereiro de 2016 – o quarto sofrido pela instituição em sua história – em que se perderam definitivamente mil rolos de filmes antigos, fato que na ocasião foi relegado pelas autoridades, que não tomaram nenhuma providência de reparação ou de prevenção de novos acidentes.
Em fevereiro deste ano, as instalações da Cinemateca na Vila Leopoldina (São Paulo), que abrigavam parte do acervo, foram atingidas por uma enchente. Novamente, a Secretaria do Audiovisual se absteve de suas responsabilidades, não esclareceu eventuais perdas, nem adotou medidas para proteger as coleções em perigo.
Se a indiferença com o futuro do patrimônio audiovisual brasileiro persistir, as consequências serão ainda mais graves. Sem os cuidados dos técnicos e as condições de conservação, todo o acervo se deteriorará de modo irreversível.
Nesse caso, quando chegar o socorro de Brasília, as imagens do nosso passado terão se tornado espectros de nossa falência como nação”.
Esse acervo faz parte da memória brasileira.
Só há uma maneira de manter a Cinemateca: associação de entidades privadas. Ela possui?
Este governo age ativa e conscientemente para desmontar todos os mecanismos de proteção da sociedade, em todos os campos, seja de direitos humanos, meio ambiente, cultura, direitos trabalhistas…. Com certeza não se reelege e não sei o que será pior: 4 anos ou impeachment, de qualquer maneira, construir é sempre mais difícil do que destruir, o que será destruído nestes 4 anos levará décadas para reconstruir. O que ainda for possível, pois há coisas como a Vida que uma vez finda nunca mais voltará a existir, ao menos no nosso mundo…
Pingback: O Rolo Proibido | O cinema como patrimônio e a história do cinema afegão