Seis brasileiros na Academia do Oscar

Por Maria do Rosário Caetano

Os cineastas Vincent Carelli, Otto Guerra e Julia Bacha, a montadora Cristina Amaral e os produtores Mariana Oliva e Tiago Pavan são os novos brasileiros agregados à Academia de Cinema de Hollywood, criada em 1927 para, anualmente, premiar os melhores da indústria audiovisual. A instituição, que era 100% norte-americana, vem investindo em perfil cosmopolita e na tentativa de quebrar sua marca wasp (branca, anglo-saxã, protestante). Por isto, profissionais negros e indígenas vão ganhando, aos poucos, significativo espaço.

Este ano, a Academia associou 819 novos atores, diretores, produtores, diretores de arte, figurinistas, fotógrafos, montadores e – note-se – diretores de marketing e “agentes de estrelas”. Os EUA veem o cinema como arte e, principalmente, indústria. Daí, o empenho em prestigiar todos os profissionais que fizeram (e fazem) do cinema sua maior vitrine planetária.

Dois nomes, entre os novos convidados, simbolizam a busca de diálogo com profissionais indígenas e negros: a atriz Yalitza Aparício, da etnia mizteca, protagonista de “Roma” (Cuarón, 2019), e a cantora e atriz inglesa Cynthia Erivo (“Harriet”, 2019). Sem falar nos franceses Ladj Ly (do poderoso “Os Miseráveis”) e Mati Diop (“Atlantics”). Ambos de origem magrebiana, ele, malinesa, ela, senegalesa.

Convite aos diretores artísticos do Festival de Cannes (Thierry Fremaux) e de Veneza (Alberto Barbera) mostra que o Oscar quer, realmente, se abrir ao mundo. E a novas geografias, caso da América Latina (a paraguaia Paz Encina, o chileno Andres Wood, os colombianos Marta Rodríguez e Jorge Ali Triana, o equatoriano Sebastián Cordero), da Ásia (parte do elenco coreano de “Parasita”, os chineses Jia Zhang-ke e Zhao Tao) e do Oriente Médio (a iraniana Samira Makhmalbaf).

Países europeus veem suas realizadoras sendo valorizadas. Caso da Itália de Cristina Comencini e Francesca Archibugi. Há que lembrar-se que 45% das novas indicações são nomes femininos e 36% são oriundos do abrangente conceito de “étnicos, raciais e sub-representados”. Todos originários de 68 países.

Entre os novos acadêmicos estão a atriz francesa Adèle Haenel, da linha de frente da causa LGBTI+, o fotógrafo tcheco Vladimir Smutny, que causou sensação ano passado com “Os Pássaros Pintados” (e tem um filme oscarizado no currículo, “Kolya”), o ator italiano Pierfrancesco Favino, da coprodução Itália-Brasil “O Traidor”, grande vencedor dos Prêmios Donatello, o alemão Udo Kier, de “Bacurau”, o produtor português Luís Urbano, da influente O Som e a Fúria, o documentarista macedônio Lyubomir Stefanov, do fascinante “Honeyland”, vencedor da Mostra de Cinema de São Paulo, e a atriz cubana Ana de Armas, radicada nos EUA e namorada de Ben Affleck.

Dos seis brasileiros escolhidos para ampliar o quadro de associados da instituição californiana, um (a documentaristas Julia Bacha) vive nos EUA. Ela formou-se na Universidade de Columbia e já dirigiu, a partir da pátria adotiva, os documentários “Budrus” (2009), “Naila e o Levante” (2027), entre outros. Mariana Oliva é produtora (na Maria Farinha Filmes) e diretora do fascinante “Piripkura” (em parceria com Renata Terra e Bruno Jorge). Tiago Pavan é parceiro de Petra Costa em projetos como “O Olmo e a Gaivota” e no festejado “Democracia em Vertigem”, que acaba de ganhar o Platino de melhor documentário (além de ter sido finalista ao Oscar em fevereiro último).

Vincent Carelli é um dos mais importantes documentaristas do país. Defensor apaixonado da causa indígena, ele dirigiu dois épicos notáveis (“Corumbiara” e “Martírio”) e dezenas de curtas e médias, junto a parceiros na ONG “Vídeo nas Aldeias”. E produziu filmes de realizadores indígenas. O acervo da Vídeo nas Aldeias, patrimônio imagético de imensa relevância, está disponível em streaming e constitui programa obrigatório. A Academia foi muito feliz nessa escolha.

Vincent Carelli ao lado de Juca Ferreira e Alfredo Manevy Fotos: Maria do Rosário Caetano

Cristina Amaral, paulistana de origem afro-brasileira, é uma das mais importantes montadoras do país. Seu trabalho com o companheiro Andrea Tonacci (1944-2016), com Carlos Reichenbach (1945-2012) e com Edgard Navarro é notável.

O gaúcho Otto Guerra é o nome mais importante da animação brasileira. Autor de quatro longas-metragens autorais (“Rocky & Hudson, os Cowboys Gays”, “Woody & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n Roll”, “Até que a Sbornia nos Separe” e “A Cidade dos Piratas”) e de uma dezenas de curtas, ele vai injetar um pouco de irreverência na vetusta Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Afinal, apesar dos seus 64 anos, segue um adorável “coroa maluquinho”.

Detalhe final: este ano, por causa da pandemia do coronavírus, a Academia – que adiou a cerimônia de premiação de fevereiro para abril – aceitará filmes exibidos em streaming. O Brasil conta com candidato favorito à vaga de melhor filme estrangeiro – “Pacarrete”, de Allan Deberton, com protagonista (Marcélia Cartaxo) em estado de graça. E mais: criativo diálogo com o cinema e a música norte-americanos (mas não só). Outros títulos devem ser lembrados: “Marighella”, de Wagner Moura (embora Hollywood não ame guerrilheiros, o ator-diretor vive em solo norte-americano e vem brilhando em sua carreira internacional), “Três Verões”, de Sandra Kogut, “Aos Olhos de Ernesto”, de Ana Luiza Azevedo, e “Eduardo e Mônica”, de René Sampaio. E, por que não, o azarão “Alice Júnior”, de Gil Baroni? Ou um documentário de peso? Lembremos que o macedônio “Honeyland” foi finalista ao Oscar de “melhor filme estrangeiro” e “melhor documentário”.

E não nos esqueçamos: “Bacurau” estreou, meses atrás, em território norte-americano. Se, ano passado, foi preterido para concorrer a “melhor filme estrangeiro” (optou-se por “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz), este ano, ele está habilitado a disputar outras categorias. Se der certo, fará o percurso de “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, que, em 2002, não agradou aos “velhinhos” da Academia (18 anos atrás a instituição era “wasp” em sua quase totalidade), mas, no ano seguinte, foi à forra com quatro indicações (melhor diretor, roteiro-Bráulio Mantovani, fotografia-César Charlone e montagem-Daniel Rezende). A sorte está lançada.

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