Documentários tentam vaga no Oscar internacional

Por Maria do Rosário Caetano

O sucesso do documentário macedônio “Honeyland”, de Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov, na edição 2019 do Oscar, entusiasmou Academias de Cinema espalhadas pelo mundo a indicarem filmes não-ficcionais para pleitear cobiçada vaga na categoria “melhor filme internacional” (estrangeiro).

A história de Hatidze Muratova, apicultora artesanal que sobrevive nas montanhas da Macedônia, cuidando da mãe doente e enfrentando a fúria extrativista de família nômade, encantou de tal forma a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que o filme foi indicado não só ao Oscar de melhor documentário, mas, também, ao de “melhor produção internacional”. O fato alertou o meio cinematográfico.

Na noite da última segunda-feira, 7 de dezembro, o Cine Ceará (Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza) exibiu em sua principal competição o filme “Era Uma Vez na Venezuela”. Trata-se de um documentário dirigido por Anabel Rodríguez Ríos, que passou pelos mais importantes festivais dedicados à não-ficção. Caso do IDFA, o poderoso Festival de Documentários de Amsterdã, do Sundance, nos EUA, e do HotDocs, no Canadá. Coprodução entre Venezuela, Áustria, Inglaterra e Brasil, o filme é o indicado por seu país de origem para concorrer ao Oscar de melhor longa internacional.

Outros quatro países – Brasil, Itália, Chile e Romênia – também indicaram obras não-ficcionais para representá-los na disputa por uma difícil vaga, primeiro entre nove semifinalistas, e depois, entre os cinco finalistas ao Oscar.

“Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz

A Academia Brasileira escolheu “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz. Documentário poético e ensaístico, o filme foi premiado no Festival de Veneza, em segmento dedicado ao próprio cinema e a seus artífices. Como Hector Babenco (1946-2016) foi cineasta dos mais respeitados da América Latina, a excelência artística e técnica do longa foi prontamente reconhecida.

A Itália escolheu “Notturno”, do documentarista Gianfranco Rossi, que, em 2017, foi finalista ao Oscar na categoria “melhor documentário” com “Fogo ao Mar” (“Fuocoammare”). Antes de chegar à festa hollywoodiana, o mais famoso documentário de Rossi havia ganho o Urso de Ouro de melhor filme, no Festival de Berlim (e o fez derrotando importantes obras de ficção).

“Notturno” não foca a tragédia dos imigrantes lançados ao mar, como “Fuocoammare”, mas sim as guerras no Oriente Médio. Filmado ao longo de três anos, o documentário condensa, em 100 minutos, a rotina de populações que vivem nas fronteiras entre Iraque, Curdistão, Líbano e Síria. Sob guerra civil ou ditaduras, invasões e interferência estrangeiras. E sob rastro de assassinatos perpetrados por fundamentalistas islâmicos.

O Chile também optou por obra documental: “Agente Duplo” (ou “El Agent Topo”). Como as fronteiras entre o cinema documental e ficcional tornam-se cada vez mais tênues, há quem prefira definir o filme de Maite Alberti como “um híbrido”. Ou, para ser mais preciso, um documentário com muito de construção ficcional.

A diretora chilena não esconde tais características, mas enviou o filme a dezenas de festivais dedicados à não-ficção. Caso do É Tudo Verdade, de São Paulo. O que ela criou, com este longa-metragem de raro poder de sedução, foi o documentário detetivesco. Afinal, seu protagonista é um velhinho de 83 anos, infiltrado como “espião” em casa de repouso de senhoras e senhores de idade avançada, nos arredores de Santiago, a capital chilena. O filme está disponível na GloboPlay.

A Romênia escolheu “Collective”, de Alexander Nanau. O filme, que venceu o Festival É Tudo Verdade, mostra equipe de investigadores do jornal Gazeta Sporturilor na luta para desevndar fraude na saude, que enriqueceu magnatas e políticos.

“Era Uma Vez na Venezuela”, por sua vez, é um documentário observacional, com algumas (poucas, mas decisivas, por revelarem o ponto-de-vista da direção) inserções da voz de sua autora. Com belas imagens, Anabel registra a vida cotidiana de 800 moradores de palafitas plantadas no (imenso) Lago de Maracaibo, uma das maiores fontes de petróleo da Venezuela.

“Notturno”, de Gianfranco Rossi

Quando o filme começa, ficamos sabendo, pela voz da cineasta, que a população de Congo Mirador não recebe benfeitorias advindas da indústria do petróleo. Imagens de agitadas crianças e pré-adolescentes remando em pequenas embarcações pelas águas do Lago somam-se a uma líder chavista, apaixonada pelo presidente morto (Hugo Chávez) e defensora ferrenha de seu legado. Seu nome é Tamara e ela não se entende com a professora do povoado aquático, pois esta é oposicionista juramentada. Durante dois anos (e uma eleição parlamentar, vencida por opositores), Anabel, que vive na Áustria (e integra a diáspora venezuelana), mostrará festas populares (o culto a São Benedito) e desfiles de mini-misses (a Venezuela é um país siderado por concursos de Miss). Mostrará, também, gente que quer trocar seu voto por algum bem material (telefone, de preferência) e, o que é mais grave e perturbador, a poluição que vai tomando conta do “solo líquido” de Congo Mirador. Embora a voz da diretora seja editorializada, o filme mantém sua riqueza polifônica, por dar voz a personagens múltiplos e contratados.

No campo da ficção, inscreveram-se para a nonagésima-terceira cerimônia do Oscar (que acontecerá no dia 25 de abril de 2021) filmes oriundos de dezenas de países (mesmo em tempos conturbados pela epidemia). Entre eles, alguns títulos já conhecidos do público brasileiro, seja por exibições na Mostra Internacional de São Paulo, seja pelos serviços de streaming.

Entre os títulos mais cotados está “Mães de Verdade”, da japonesa Naomi Kawase. Um melodrama de alta potência e beleza, que arranca lágrimas, sem ser apelativo. Outro título bem posicionado é “Gaza Mon Amour”, de Tarzan e Arab Nasser, representantes da Palestina. Afinal, para protagonizar o filme, a dupla convocou o ator (e cineasta) Elia Suleiman, um mix de Chaplin com Buster Keaton. Quem resiste a este talentoso astro do Oriente Médio?

A Dinamarca escolheu o novo filme de Thomas Vinterberg – “Drunk” (“Another Round”)– para representá-la. O longa do realizador que, na década de 1990, integrou a Geração Dogma, tem como protagonista o excelente ator Mads Mikkelsen, hoje um nome reconhecido internacionalmente (inclusive nos EUA).

Outro título que vem chamando atenção dos especialistas é “And Tomorow the Entire World”, da Alemanha, dirigido por Julia von Heinz. O filme esteve na disputa pelo Leão de Ouro em Veneza. Perdeu para “Nomadland”, da sino-americana Chloe Zhao, até agora o título mais comentado (junto com “Mank”, de David Fincher) para encabeçar a lista de finalistas ao Oscar nas principais categorias (aquelas historicamente hegemonizadas pela produção dos EUA).

Portugal selecionou “Listen”, longa de estreia de Ana Rocha de Souza, que acumulou vários prêmios em Veneza (incluindo o Leão do Futuro e Prêmio Especial na Mostra Horizonte). Para ser o representante lusitano na festa do Oscar, Ana e seu filme superaram pesos-pesados como “Mosquito”, que causou frisson na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Patrick” e o belo “Vitalina Varela”, de Pedro Costa. “Listen” acompanha uma família portuguesa nos arredores de Londres, capital inglesa, que perde a guarda dos filhos, sob suspeita de maus tratos.

A Rússia escolheu “Queridos Camaradas”, de Andrei Konchalovsky, integrante de uma das famílias mais poderosas do grande país do Leste. Andrei, que viveu e trabalhou nos EUA (“Os Amores de Maria”, com Nastassja Kinski), regressou à sua pátria depois da débacle da URSS e, hoje, ao lado do irmão Nikita Mikhalkov, entre outros parentes cinematográficos, ocupa espaço central na vida cultural russa. Seu filme integrou a competição pelo Leão de Ouro do Festival de Veneza, em setembro último. A Bósnia também inscreveu um filme da seleção oficial de Veneza: “Quo Vadis, Aída?”, de Jasmila Zbanic. Como se vê, a presença feminina está bem pontuada na lista dos postulantes a vaga oscarizada.

A França, país que divide com a Itália, a condição de maiores vencedores na categoria filme estrangeiro, escolheu “Deux” (“Nós Duas”), de Filippo Meneghetti. Com elenco liderado pela alemã Barbara Sukowa e por Martine Chevalier, da Comédie Française, o filme narra história de amor secreto entre duas mulheres já idosas.

A poderosa China continental, que caminha firme para tornar-se o maior mercado mundial de cinema, inscreveu “Leap”, de Peter Chan. Trata-se de recriação da saga do time de vôlei feminino do imenso país asiático, ao longo de 12 anos (com revezes e triunfos olímpicos das atletas da camisa vermelha com estrelas amarelas).

A Turquia selecionou um melodrama blockbuster, que vem arrancando lágrimas na programação da Netflix: “Milagre na Cela 7”, de Mehmet Ada Oztekin. No centro da trama, está Memo (Aras Bulut Iymenli) um pastor de ovelhas, com deficiência mental, que vive num vilarejo da costa turca do Mar Egeu. Um dia, a filha de homem influente é assassinada e Memo é condenado à morte, pois seria o autor do crime hediondo.

Poucas chances parece ter a polonesa Agnieska Holland com seu “O Charlatão”, um drama de época muito convencional. O filme representa a República Tcheca, país essencial em sua produção. A Espanha, também, participa com um drama histórico – “A Trincheira Infinita” –, situado nos tempos da Guerra Civil. O filme tem qualidades e trama curiosa (um homem recém-casado que, para não separar-se da esposa amada, entocaia-se dentro de buraco cavado no próprio lar).

A Colômbia se fará representar por um filme dirigido por um espanhol (Fernando Trueba) e com um astro idem (o almodovariano Javier Cámara): “El Olvido que Seremos”. Drama de época sobre personagens e fatos da história do país de Gabriel García Márquez, a escolha deve ter causado espécie. Afinal, nos últimos anos, o cinema colombiano viveu momento formidável e quase ganhou o Oscar Internacional com “O Abraço da Serpente”, de Ciro Guerra.

A América Latina indicou muitos filmes à Academia de Hollywood (o subcontinente já conquistou três Oscar de filme estrangeiro – com “A História Oficial” e “O Segredo dos seus Olhos”, ambos argentinos, e “Uma Mulher Fantástica”, do Chile).

O Paraguai escolheu um thriller que evoca os tempos da ditadura Stroessner – “Matar a um Morto”, de Hugo Giménez. Paula Hernández e seu “Los Sonámbulos” representam a Argentina. O Uruguai também selecionou obra de uma realizadora, Léticia Jorge Romero (“Aleli”). Outra mulher, Melina León, assina o representante peruano, o belo “Canção sem Nome”, premiado no Cine Ceará 2019. Idem para a Costa Rica, que indicou um filme no feminino (de Sofia Ubeda), “Terra de Cinzas” (“Ceniza Negra”).

A Bolívia envia “Chaco” (com Rosy de Palma, no elenco). O Panamá, “Causa Justa”. A República Dominicana, “A State of Madness”. O Equador, “Vacío”. A Nicarágua é cenário de “Cuentos del Rio”, de Julie Schroell, inscrito pelo principado europeu de Luxemburgo.

O México preteriu o poderoso “Nova de Ordem”, de Michel Franco, vencedor do Prêmio do Júri em Veneza, por “Ya No Estoy Aqui” (“I’m no Longer Here”), de Fernando Frias de la Parra, disponível na Netflix. A trama se desenrola em Monterrey, entre jovens unidos em gangue. Eles passam os dias nas ruas dançando cumbia e participando de festas. Até que um dia, envolvem-se com o cartel de drogas da região. E o líder juvenil terá que refugiar-se nos EUA.

A Guatemala agiu certo: escolheu o belo e atmosférico “La Llorona”, de Jairo “Excanul” Bustamante. Filme que conquistou muitos espectadores na Mostra Internacional de São Paulo em 2019 (que exibiu, ainda, o quarto longa de Bustamante: “Temblores“).

OUTROS INDICADOS AO OSCAR INTERNACIONAL:

. Heliópolis” (Argélia)
. “Jallikattu” (Índia)
. “La Nuit des Rois” (Costa do Marfim)
. “Asia” (Israel)
. “Exile” (Kosovo)
. “200 Meters” (Jordânia)
. “A Sun” (Taiwan)
. “2000 Songs of Farida” (Uzbequistão)
. “Apples” (Grécia)
. “Arracht” (Irlanda)
. “Atlantis” (Ucrânia)
. “Beginning” (Geórgia)
. “Better Days” (Hong Kong)
. “My Little Syster” (Suíça)
. “Quando a Vida Acontece” (Áustria)
. “Never Gonna Snow Again” (Polônia)
. “Blizzard of Souls” (Letônia)
. “Breasts” (Montenegro)
. “Broken Keys” (Líbano)
. “Buladó” (Holanda)
. “Charter” (Suécia)
. “Estação das Chuvas” (Singapura)
. “Extracurricular” (Croácia)
. “Funny Boy” (Canadá)
. “Happy Old Year” (Tailândia)
. “Hope” (Noruega)
. “Impetigore” (Indonésia)
. “Lunana: A Yak in the Classroom” (Butão)
. “Mindanao” (Filipinas)
. “Nova Lituânia” (Lituânia)
. “Roh” (Malásia)
. “Runing to the Sky” (Quirguistão)
. “Open Doors” (Albânia)
. “Persian Lessons” (Belarus)
. “Dara in Jasenovac” (Sérvia)
. “Songs of Solomon” (Armênia)
. “Stories from the Chestnuut Woods” (Eslovênia)
. “The Auschwitz Report” ( Eslováquia)
. “The Crying Steppe” (Cazaquistão)
. “ Preparations to be Together for un Unknown Period of Time” (Hungria)

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