Fotógrafo Antonio Luiz morre vítima da Covid-19

Por Maria do Rosário Caetano

Antonio Luiz, um dos grandes nomes da fotografia cinematográfica brasileira, morreu vítima da Covid-19, no Rio de Janeiro, no primeiro dia de 2021. Ele tinha 75 anos e deixa uma grande folha de serviços prestados ao cinema brasileiro. Entre seus trabalhos mais festejados, estão “Ópera do Malandro”, de Ruy Guerra (com arrepiante sequência em que Elba Ramalho e Claudia Ohana dançam, em rodopio, na disputa pelo amor de Edson Celulari, o Max Overseas), “Sertão das Memórias”, do cearense José Araújo, premiado como melhor filme latino-americano, no Sundance Festival, e “Das Tripas Coração”, de Ana Carolina, que valeu a ele, no Festival de Gramado, o Prêmio Kodak. Naquele ano de 1982, o jovem diretor de fotografia pôde (essa era a recompensa ao premiado) aperfeiçoar seus conhecimentos dos mistérios da iluminação cinematográfica nos laboratórios da Kodak, em Rochester, nos EUA.

Depois de estudar na UFF (Universidade Federal Fluminense), Antonio Luiz Mendes Soares estreou no cinema, em 1979, assinando a fotografia do episódio “O Oráculo” do longa “Teu Tua”, de Domingos Oliveira. Dois anos depois, faria a fotografia de “Memórias do Medo”, de Alberto Graça. Seguiram-se “Filhos e Amantes”, de Francisco Ramalho Jr, o filme de Ana Carolina, que lhe renderia a temporada em Rochester, “Tensão no Rio”, de Gustavo Dahl, “Areias Escaldantes”, de Francisco de Paula, “Vento Sul”, de José Frazão, e “Fronteira das Almas”, de Hermano Penna. E, para reafirmar seu talento e prestígio, “Ópera do Malandro”(com o genial Dib Lutfi como câmera).

Com Norma Bengell, Antonio Luiz realizou “Eternamente Pagu”. E dirigiu a fotografia de filme que conquistou fieis admiradores – “A Menina do Lado”, de Alberto Salvá. Antes de encontrar sólida parceria com Sérgio Rezende e, depois, estabelecer profunda relação com o cinema cearense, Antonio Luiz assinou a fotografia de “Mistério no Colégio Brasil”, de José Frazão, e “Lili, a Estrela do Crime”, de Lui Farias.

Paulo Betti, um dos atores-fetiche de Sérgio Rezende, relembrou, no Facebook, a intensa parceria com Antonio Luiz, registrada em foto dos dois, abraçados, num dos sets de filmagem em que estiveram juntos. O primeiro trabalho se deu no louquíssimo e adrenalinado “Doida Demais”, em que viveu com Vera Fischer uma tórrida história de amor, contrabando e outras transgressões legais. Depois, em locações que incluíam o sertão da Bahia, fizeram “Lamarca”, cinebiografia do capitão que pegou em armas contra a ditadura militar. E, mais uma vez, em terras baianas, fizeram “Guerra de Canudos”. Depois, na capital imperial, realizariam o épico-didático “Mauá, o Imperador e o Rei”, com Betti encarnando o Barão. Sérgio Rezende convocaria Antonio Luiz como parceiro de sua única produção internacional “A Child From The South”(“Uma Criança do Sul”), produzido pela televisão britânica.

Paulo Betti e Antonio Luiz

A cineasta baiana Cecília Amado, diretora de “Capitães da Areia”(2011), que foi casada com o diretor de fotografia Guy Gonçalves, grande amigo e parceiro de Antonio Luiz, lembra que aprendeu muito com o fotógrafo preferido de Sérgio Rezende. “Integrei as equipes de ‘Guerra de Canudos’ e ‘Mauá’ no início de minha carreira no audiovisual”. Curiosa, a neta de Jorge Amado e Zélia Gattai prestava atenção em tudo e, claro, no trabalho do diretor de fotografia. “Ele foi mestre de muitos profissionais do cinema brasileiro”— testemunha. “Além de mestre do Guy (que fotografou “Capitães da Areia”), ele ensinou muito a vários técnicos baianos, que não escondem sua gratidão a ele. Nunca nos esqueceremos de sua generosidade e bom humor”.

Em 2001, coube a Antonio Luiz assinar a fotografia de uma surpreendente comédia brasileira — “Bendito Fruto”, de Sérgio Goldenberg — com um trio da pesada nos papeis principais: Zezeh Barbosa, Vera Holtz e Otávio Augusto. E, em papeis coadjuvantes, craques como Lúcia Alves, Enrique Dias, Camila Pitanga, Eduardo Moscovis e Thelmo Fernandes. Tudo, na trama desse mix de comédia social e melodrama, começa com a explosão de um bueiro, mácula na vida cotidiana de uma cidade maravilhosa (a bela São Sebastião do Rio de Janeiro), mas não isenta de momentos desesperadores.

Com Lúcia Murat, Antonio Luiz trabalhou em “Doces Poderes”, que tinha Brasília como principal cenário, e no belo drama histórico “Brava Gente Brasileira”, rodado integralmente no Pantanal matogrossense. Para Sylvio Back, fotografou “Cruz e Souza, o Poeta do Desterro” e atormentada cinebiografia de Stefan Zweig (“Lost Zweig”). Com André Luiz Oliveira, faria “Louco por Cinema”, filme que colocou a produção brasiliense em destaque, ao vencer o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1994. Para Paulo Sérgio Almeida, cineasta, produtor e editor do Boletim Filme B, Antonio Luiz fotografou a coprodução Brasil-Argentina, “Inesquecível”. E, com Sérgio Machado, realizou o belo documentário “Onde a Terra Acaba” (2002), sobre Mário Peixoto e seu filme “Limite”.

Dois anos depois, as imagens que Antonio Luiz produzira em preto-e-branco para “Sertão das Memórias”, do cearense (radicado nos EUA) José Araújo, lhe serviriam como passaporte para o cinema realizado na “terra da luz” e, então, estimulado por Polo Cinematográfico fomentado por Tasso Jereissati e Ciro Gomes. O impacto do filme foi tão grande no estado nordestino, que Rosemberg Cariry (“Lua Cambará”), Wolney Oliveira (com o DocTV “Borracha para a Vitória”), Joe Pimentel (“Homens com Cheiro de Flor”) e o próprio Araujo (“As Tentações do Beato Sebastião”) o convocariam para trabalhos conjuntos. A parceria de Antonio Luiz com o Ceará se aprofundaria com trabalhos em curtas-metragens de Iziane Mascarenhas (com quem ele se casaria), Allan Deberton, hoje festejado por “Pacarrete”, Eric Laurence, entre outros. Ele está nos créditos de “Querença” e “O Céu de Iracema” (ambos de Iziane), “O Melhor Amigo” (Deberton) e “Azul” (Laurence).

Wolney Oliveira, que estabeleceu relação de grande amizade com Antonio Luiz, lembra que o diretor de fotografia carioca transformou-se, também, no mestre de importantes fotógrafos do Ceará — Petrus Cariry, Alex Meira e seu irmão (dele, Wolney) Eusélio de Oliveira Filho, o Chuchu. “Antonio Luiz esteve muitas vezes no Cine Ceará”— lembrou Wolney — “e estabeleceu um círculo de amigos cultivados com sua natureza marcada pela calma, pela bondade e por seu talento”. Para arrematar: “ele exerceu entre nós influência seminal, fertilizadora”.

O montador e cineasta (autor do ‘fuleiragem’ movie “A Nave do Zé Socó”) Severino Dadá também foi grande amigo de Antonio Luiz. Ao saber da morte do diretor de fotografia, por causa da Covid-19, desabafou com o amigo Wolney Oliveira: “estou consternado. Meu amigo deixa filhos e netos. E muita dor em seus amigos e familiares”. Para propor: “Vamos esperar a vacina, seja ela russa ou chinesa ou inglesa. Só assim sairemos desse isolamento e desse desespero”. Dadá acredita que “Antonio Luiz ainda tinha muitos serviços a prestar ao audiovisual brasileiro”.

A cineasta paulista Cristina Leal teve o diretor de fotografia carioca como parceiro no curta-metragem “Não me Condene Antes que Eu me Explique”, sobre passagem do escritor Mário de Andrade pelo carnaval carioca, no ano da graça de 1923. Ela gostou tanto do resultado, que ao dirigir o longa documental “Iluminados” (2007), sobre seis grandes diretores de fotografia do cinema brasileiro (Mário Carneiro, Dib Lutfi, Fernando Duarte, Walter Carvalho, Edgar Moura e Pedro Farkas), entregou a direção de fotografia a Antonio Luiz. Um mestre da fotografia iluminando seus colegas de ofício.

Outros grandes nomes da fotografia brasileira — Affonso Beato e Lauro Escorel — lamentaram a morte do colega. Nonato Estrela, fotógrafo de muitos longas-metragens, saudou o mestre, de quem se considerava discípulo, com imensa dor e gratidão: “fui seu assistente, seu foquista e, felizmente, seu grande amigo”.

O cineasta Petrus Cariry, um dos grande talentos da nova geração de fotógrafos brasileiros, também registrou seu agradecimento: “eu era um aprendiz, quando ele fez a direção de fotografia de ‘Lua Cambará’, dirigido por meu pai, Rosemberg Cariry. Ele teve enorme paciência comigo, respondendo a uma série de perguntas que eu lhe dirigia sobre fotografia e outras áreas da criação e produção cinematográfica”.

Antonio Luiz continuava trabalhando com assiduidade. Nos últimos anos, atuou como fotógrafo nos longas documentais “Cacaso na Corda Bamba”, de PH Souza e José Joaquim Salles, e “Missão 115″, de Silvio Da-Rin, na minissérie para TV “Diário da Flotesta”, no curta “Uma Mulher uma Aldeia”, de Daniel Dourado, e no longa ficcional “Natureza Morta”, de Clarissa Ramalho e Luiz Rosemberg Filho.

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